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sábado, 26 de junho de 2021

Triste

 Escrevo aqui, primeiro, porque ninguém mais lê blogs, então, o que aqui estiver, pouco ou nunca será lido. Blog tornou-se "cringe". Segundamente, se é que essa palavra existe, escrevo porque hoje estou triste e este é o único sentimento que eu realmente não gosto de compartilhar.

Constatei, hoje ainda, que estou cada vez mais calvo. Isto nunca me incomodou verdadeiramente, mas confesso que me assusta em alguma medida observar o quanto meus cabelos estão simplesmente parando de crescer na parte frontal de minha cabeça. Muito rapidamente. Talvez aos 35 eu não terei mais cabelo algum na metade da frente da cabeça. Confesso que essa velocidade me assusta, mais do que o ritmo de derretimento das geleiras e o aquecimento global. Eu espero que até os 35 eu encontre alguém que realmente não se importe de amar um cara calvo.

Por falar nisso, eu acho que sou orgulhoso em alguma medida. Sexo é bom, mas isso não significa que eu deva instalar o Tinder para transar com as pessoas. Por outro lado, eu me considero realmente um cara legal. Talvez isto seja um referencial errado. Mas eu me acho legal (ou acredito demais em quem diz isso sobre mim). E por me achar um cara verdadeiramente legal, eu sou orgulhoso o suficiente para não correr atrás de quem eu acho que possa ter me esnobado. E isso é muito louco, porque eu sou um cara cada vez mais calvo e que, de vez em quando, também precisa transar.

Talvez, mais forte em mim do que o desejo sexual seja o senso de orgulho pessoal, de não me sujeitar a qualquer farelo de afeto por alguns momentos de divertimento. Mas reiterando, eu sou um cara calvo. O que eu penso que sou? O calvo príncipe William? Afinal, o que eu quero nessa vida?

Hoje, descobri que uma pessoa se prostitui. Isso me deixou bem triste. Talvez seja o motivo da minha tristeza de hoje. Eu realmente não consigo julgar. Aliás, nem cabe a mim qualquer tipo de julgamento nesse sentido. Mas eu me sinto triste em pensar que alguém se prostitui por necessidade. É um sentimento de que todos falhamos e não fomos capazes de evitar algo assim. Eu sinto nojo e meu estômago chega revira só de pensar em alguém tendo que se prostituir. Eu tinha vontade de dar tudo que tenho na minha conta pra essa pessoa. Talvez, se eu fosse só na vida, eu faria isso. Prevejo que serei um velho muito solidário, se sozinho eu for.

Nessas horas, eu penso que eu realmente tenho um coração bom. Eu me revolto com coisas que eu deveria me revoltar, me entristeço com coisas que eu deveria me entristecer, mas eu estou preocupantemente calvo. E isso, não é suficiente para resolver meus problemas. Eu realmente nutri algum afeto por todas as pessoas que me disseram que eu seria um cara legal, mas que elas não estavam em um bom momento na vida para se envolver com ninguém. Eu não julgo mais a verdade dessa justificativa, porque não cabe a mim julgar onde mora a verdade no que as pessoas dizem para a gente com ar de verdade. Me resta querer acreditar em todas as pessoas. Eu sempre acredito no que me dizem. E, por isso, eu só fiquei com a parte que me interessa dessas justificativas, qual seja, aquela que diz que eu sou um cara legal. E assim, vocês criaram um monstro, porque nunca me disseram que o problema seria eu ser calvo, magro, pau grande, morar com a mãe, ter paladar infantil, ser muito doce e outros defeitos do tipo. Vocês me enganaram, pois falaram apenas que eu era um cara legal. Deixaram a mim a tarefa de descobrir todo o resto. Triste.

E assim, vamos. Tentando ser menos calvo, menos magro, menos pau grande, menos apegado com a mãe, menos paladar infantil e tentando exercitar um temperamento mais rude e grosseiro. No fim, tudo parece um grande jogo, cujo único sentido seja trabalhar e deixar-se ficar calvo quando a vida quiser deixar. Se tiver como evitar que alguém se prostitua na vida, o faça. Ninguém merece vender o corpo para sobreviver. A mim, resta crescer. Jogar, viver, deixar viver e, porque não, deixar morrer. 

Me desculpem, seus cringes. Hoje eu tô triste. Não tenho outro motivo para escrever. 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Ele não

Quando dizem que não está acontecendo nada é porque algo está acontecendo.

Um mistério. Não o de feiurinha. Mas um mistério.

Todos eles merecem a oportunidade do "sim", inclusive mais de uma vez; ele não.
Todos eles merecem momentos de doçura e de piadas com cumplicidade; ele não.
Todos eles merecem o perdão e a tolerância; ele não.
Todos eles merecem o interesse e o frio na barriga; ele não.

A ele, cabe o compartilhamento dos momentos de incerteza, dúvida, desengano, tristeza e, amizade.
A ele, cabe o ouvido e, não a boca.
A ele, cabe ser compreensivo e conselheiro; não o Antônio, um antônimo, talvez.
A ele, cabe o descarrego de indiferença, silêncio e ignorância.

A alquimia do ser.

Nele, humildade se torna vaidade.
Nele, experiência se torna prepotência.
Nele, qualidade se torna defeito.
Nele, carinho se torna apego.

Distanciamento.

Em nome da proteção, recomendou-se o isolamento.
Em nome da quarentena, recomendou-se a noventena.
Em nome da razoabilidade, recomendou-se o extremismo.
Em nome da fidelidade, recomendou-se a promiscuidade.

Fome.

Um Big Mac de indignação.
Um peroá de rejeição.
Uma paçoca de frieza.
Uma lasanha de frustração.

Não queira ele ser eu.

Eu não.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Em silêncio

Há vida no silêncio.

E desejo. Desejo de que o apocalipse se concretizasse de modo repentino, sem aviso prévio, sem anticristo e tudo mais. Que o céu pudesse se abrir e ceifar toda essa gente que vive em e de desgraça. Sei que eu iria junto para o inferno, mas se sadismo é pecado, eu ao menos teria o prazeroso pecado de ver certas pessoas sofrerem. Em meio ao caos do apocalipse, me restaria um sentimento de justiça, de dever cumprido, uma contraditória leveza da alma, enquanto me afastaria gradativamente da beleza da divina luminosidade celeste rumo aos confins dos porões do inferno.
Eu queria o apocalipse, ainda que ele pudesse custar minha vida.
É a escolha mais covarde entregar a Deus e aos anjos a esperança e a humanidade que não somos capazes de concretizar. Não me importaria de ter meus projetos interrompidos pelo repentismo do juízo final. Aliás, até gostaria.

Mas enquanto o apocalipse não vem, resta o silêncio; a indiferença. Não a desistência. Nada a falar, nenhuma vontade de provocar. O coração nem balança.

O silêncio e a indiferença; quanto aos rumos do país, quanto às escolhas alheias, quanto aos sentimentos. Aliás, no silêncio há mais instinto do que sentimento. O instinto de sobrevivência que se sobrepõe a tudo que possa representar perigo. O silêncio instintivo que anseia por previsibilidade, por segurança e que não se sujeita ao vexaminoso constrangimento que um "não" afetivo é capaz de proporcionar. O instintivo silêncio de quem só quer andar na linha e se auto-preservar, tentar chegar até o final sem se pôr a pensar sobre qual final.

Seguir. Com a força do preto. Sem modismo ou rock and roll. Só preto. A imponência e a presença de quem se põe em preto. No silêncio do preto não tem mimimi, sacanagem ou deslealdade; há só seriedade. Há vida.

As tristezas do coração são como esterco. Fazem florescer a alma. Num jardim de sentimentos não correspondidos, a indiferença é a chuva que faz a alma frutificar. Não há nada que seja digno de se falar, nem convite que seja merecedor de se arriscar. É preciso silenciar, não se constranger, não se envergonhar. Se para sorrir depois é preciso chorar antes, melhor não querer sorrir, para não ter que chorar.

Não falar, não escrever. 

Delirar.

domingo, 2 de junho de 2019

Tokyo

Não haverá Tokyo em 2020. Aliás, não haverá 2020, 2030 e nem 2045, talvez só no Tesouro Direto.

Desta vez, não há que se falar em "treinei muito para ser roubado" e nem em roubo, afinal, não é possível ser roubado daquilo que nunca existiu ou daquilo que nunca se teve nem mesmo a posse. Mas eu me sinto roubado. Por um artista, talvez, ou somente por um cara legal com nome de flor. Ele não! Puta que pariu. Requintes de crueldade. Roubado daquilo que demorei para decidir e sonhar. Em minha alardeada prepotência faltou somente uma semana. Quiçá um mês. Mas faltou.

Nas últimas semanas era tão comum em minhas manhãs como respirar. Um costume, uma mania, o desejo de ver com meus olhos como as coisas caminhavam. Olhos grosseiros procuravam os quilos que prometiam sumir de modo promissor, enquanto os miolos pensavam como seria ser o pai de um Kataguiri. Paguei pela canalhice.

Quando decidi, perdi. Justo. No futebol é assim, a bola pune.

O que resta? Nada, talvez. Resta a dignidade de ser. E ser já é coisa pra caralho. Às vezes, resta isto: Ser. Um ser eu mesmo. Solitário. Resignado. Cumpridor de meus deveres e disposto a fazer o que precisa ser feito a maior parte do tempo. Previsível. Prepotente. Às vezes, muitas vezes aliás, fazer o que precisa ser feito é insuficiente. Erramos mais do que acertamos a maior parte do tempo, mas quem é capaz de saber o que é o certo quando todos estão perdidos?

Estou meio triste. É uma tristeza bandida, daquelas que se sente quando se sabe que é culpado. Dizem que quando o réu é culpado, ele chora. Eu só queria beber. Talvez com a garota mais organizada que eu já conheci na vida. Não sei exatamente o porquê. Só queria talvez não beber sozinho.

Parece que faltou tão pouco. Foi como perder o ônibus quando se estava prestes a conseguir embarcar nele, mas ciente de que o culpado pelo atraso fui eu. Talvez eu devesse estar feliz. Mas me falta um pouco desse altruísmo afetivo. Me resta parar de ver, como já fiz tantas outras vezes para esquecer. Mas quando assim é, me falta maturidade e passo a nutrir uma indiferença daquelas desumanas. Sem Tokyo, ainda me resta uma busca branca a cada novo amanhecer, a qual ainda busco com os olhos por alguma razão prepotente ou sadomasoquista que nem eu consigo entender.

Talvez, "talvez" seja  a palavra mais usada neste texto. Talvez eu só devesse viver minha vida e deixar as pessoas em paz. 

Não haverá Tokyo. Assim como não houve e não haverá outras. 

Às vezes, para não dizer talvez, é chato precisar ficar sóbrio no momento em que mais se precisa não estar.

Estou triste e não tenho uma Bud para beber.

domingo, 3 de março de 2019

Desonra

Com um longo delay, enfim assisti o filme "O último samurai", o qual inspirou o assunto desta postagem.

Em tempos de relativização, a própria ideia de honra tornou-se fluída. Em alguns momentos parece até que as pessoas não se preocupam em ser honradas.

Como o filme demonstra, a ideia de honra e de vergonha andam diretamente atreladas, surgindo assim a ideia de que nos desonra aquilo que nos envergonha profundamente. O problema é que se sentir profundamente envergonhado é algo muito subjetivo, sendo que nem sempre aquilo que considero uma grande vergonha é também para outra pessoa.

Isto me faz pensar que, no fim das contas, só sabemos o que nos desonra quando paramos para pensarmos com nós mesmos quais são os nossos valores e limites. Ocorre, entretanto, que nos tempos atuais não temos tanto tempo para visitarmos nossa própria consciência, de modo que não raro as pessoas não se sentem desonradas até que venham a vivenciar uma experiência realmente digna de todo o pudor.

Tento fugir dessa ideia, mas é recorrente em meus pensamentos o sentimento de que as pessoas levam vidas completamente afastadas de qualquer honra, dispostas a tudo e muito pouco sujeitas a constrangimento. Isto muda quando falamos dos tribunais, onde muitos se "sentem" extremamente sensíveis e portadores de grande honra quando o assunto é uma potencial indenização por danos morais.

Hoje, as pessoas não parecem ter a necessidade de manter a palavra por honra ou tampouco de assumirem publicamente seus erros.

Enquanto em "O último samurai" um guerreiro é capaz de tirar a própria vida diante de uma profunda desonra, hoje somos capazes de tirar da própria vida qualquer ideia de honra, de modo a facilitar a tomada de decisões.

Penso que ser honrado é saber o limite da sua vergonha, envolve autoconhecimento, autocrítica e paz interior. Saber o que me desonra é libertador e pacificador.

Costumo dizer à minha mãe que se um dia eu cometer um crime, ela não terá a desonra de me ver mentir, pois irei assumir o que eu tiver feito. Minha honra envolve não negar meus erros e assumi-los, envolve não mentir e ter a paz de que não há nada mais a esconder. Esta seria a maneira de eu recuperar minha própria dignidade diante de um mal feito.

Mas esta é a minha medida da honra.

Não é possível impor nossos padrões honrosos a terceiros, esperar que os outros ajam com um padrão ético pessoal similar ao nosso.

Falar de honra às vezes parece papo de gente hipócrita, que não reconhece suas falhas morais e que busca apontar desvios nos outros. Não cabe aos outros medir nossa honra e nem nos atribuir desonra.

O que eu realmente aspiro é que as pessoas de fato tenham alguma honra, algum limite moral e senso crítico sobre si mesmas, de modo que consigam evoluir como pessoas.

No fim das contas, saber o que nos desonra é necessário para guiar algumas de nossas escolhas na vida.

Eu sei o que me desonra e é no sentido contrário disto que eu devo guiar minha vida, para que eu possa viver com mais paz e sem fantasmas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Sara

Malandro não para, só dá um tempo...

O mundo anda muito chato ultimamente. Aliás, as pessoas andam muito chatas. Histéricas demais, mais precisamente. Um absoluto descontrole. Gritos, rosnados, mordidas, tiros e tudo mais que seja ariano e impulsivo. Um saco.

As pessoas andam muito extremas, armadas com pistolas ou balanças de julgamento nas cinturas. Primeiro atiram e depois julgam.

Perdi um pouco do encanto de escrever, de debater, de ensinar e (porque não) de aprender. Tudo anda muito à flor da pele. 

Voltamos aos tempos em que as pessoas acreditam em ameaça socialista, em necessidade de combater a expansão dos costumes e ideologias que ameaçam a família. Eu realmente ando sem paciência para conversar com essa gente sobre sociedade/política. Não consigo. Simplesmente não consigo.

Comprei uma piscina de plástico e coloquei na varanda do meu apartamento. Não quero saber de mais nada. Só me interessa assistir mesas redondas de futebol e conversar sobre amenidades.

Por menos praia e mais educação. Menos sol e mais inverno. Os tempos de frio ensinam e os dias de calor desatinam. Talvez seja isto: o aquecimento global queimou nossos miolos e elegemos um cara teimoso e retrógrado. Odeio gente teimosa. Na teimosia falta humildade, sobra orgulho e extremismo e escolhas impulsivas. Mas o que é a vida senão uma sucessão de escolhas burras? O problema é quando nós é que precisamos suportar as consequências das escolhas burras do outros e, pior, ter que corrigi-las.

Um freak show.

Estou me tornando, além de velho, um cara chato e azedo. Mas um cara azedo doce, tipo agridoce (aliás, odeio molho agridoce), para o qual as pessoas ainda olham com olhos de carinho e ternura. Esta é a minha salvação, saber que as pessoas ainda gostam de mim e, inclusive, me leem. Inclusive, se eu pessoalmente te falei deste blog é porque gosto muito de você e confio meus sentimentos e pensamentos a você. Não que seja uma honra, mas uma mostra de profundo respeito e consideração por sua pessoa, afinal, não me interessam os holofotes, elogios e etc em torno do que escrevo por aqui. Em tempos de extremismo, ter alguém com quem compartilhar nossos pensamentos, sem medo de tomar um tiro ou ter o coração pesado na balança de Anúbis, é uma honra.

Mas escrever tornou-se subversivo, coisa de ideologia marxista. Então tenho dedicado meus dias a trabalhos braçais, mesas redondas de futebol, pornografia e ao estudo adestrado para concursos. Daqui a pouco, vou capinar um quintal, pela honra do meu querido Brasil. Então não me julgue e não me espere para o próximo texto, porque pode demorar.

Brasil!

sábado, 1 de dezembro de 2018

Ana Marcela

É preciso buscar nas pessoas o que elas têm de melhor. Aliás, não é preciso necessariamente buscar, mas conseguir enxergar.

Não há inverno que dure para sempre e nem pessoas sem qualquer qualidade. Assim como as estações se alternam a cada 4 meses, as pessoas mudam, mas em uma frequência maior. Os quereres de agora não são mais os quereres de anos, meses, dias ou até mesmo de horas atrás. Somos "metamorfoses ambulantes". Estamos mudando a todo o tempo, ainda que com diferentes velocidades.

Por mais corrompidas e viciadas que as pessoas possam aparentar ser ao nosso subjetivo julgamento, todas elas trazem em si qualidades. Saber descobrir, conseguir enxergar e bem utilizar estas qualidades é um grande, porém, delicioso desafio.

Alguém já disse, em algum lugar, que um desafio é um problema que escolhemos ter, ao passo que um problema é um desafio que não escolhemos ter. Decifrar as pessoas deve ser visto como um desafio. Um desafio que se renova na metamorfose dos anos, meses, dias e horas.

Dispor-se as explorar as qualidades do outro é, em alguma medida, um exercício de humildade, de reconhecimento das potencialidades que o outro pode ter.

Em um mundo onde tudo é cada vez mais relativo (para o bem e para o mal), às vezes é preciso relativizar aquilo que vemos como defeito para, só assim, conseguir enxergar qualidades no outro. O preconceito cega e impede que consigamos enxergar o que as pessoas podem ter de bom.

Óbvio que todos nós temos nossa própria régua daquilo que julgamos ser um defeito ou uma qualidade e do quanto algumas características alheias podem nos parecer inaceitáveis/insustentáveis. Mas por mais paradoxal que isto possa parecer, é preciso enxergar além do "dark side of the moon" das pessoas. 

Em uma sociedade cada vez mais individualista e vaidosa, tendemos a buscar primeiro os defeitos alheios do que suas qualidades. Talvez inclinados pelo senso contemporâneo de que o inferno são os outros. Em verdade, somos todos céu e inferno, sol e tempestade. Fechamos os olhos ao que as pessoas têm de brilho e buscamos avidamente pelo o que elas têm de trevas e de menos notável. Talvez por um senso de sobrevivência, de busca por proteger-se do outro, ou então, também pode ser um reflexo de nossa necessidade de, ainda que implicitamente, buscarmos nos afirmarmos como superiores em uma sociedade onde tudo é cada vez mais concorrido e sujeito a likes e dislikes.

Costumo dizer que a história é escrita pelos "vilões" e pelos "malvados" e que os homens "bons" não marcam a história. O que as pessoas apresentam e fazem de ruim parece ter um impacto muito maior sobre nós do que aquilo que elas fazem e são de melhor. As lembranças e a história, assim como o noticiário, tendem a buscar as coisas ruins em detrimento das coisas boas; assim, ficamos sempre com a sensação de que as pessoas e o mundo são mais ruins do que bons. 

Ora, a mesma humanidade que produziu armas de destruição em massa foi a humanidade que encontrou diversas curas para salvar mais vidas do que as armas são capazes de ceifar diariamente. A mesma humanidade produziu Jesus Cristo e Adolf Hitler. Cabe a nós escolher qual lado estaremos mais dispostos a enxergar.

Uma vez, em um rápido papo de viagem de ônibus, perguntei a um colega de trabalho como ele percebeu e decidiu, de certa forma, que a esposa dele era a mulher com quem ele queria construir uma vida a dois e ter filhos. Em resposta, ele me disse, em suma, que todas as pessoas têm muitas qualidades e defeitos e que a esposa dele foi a pessoa com quem ele se relacionou cujos defeitos menos lhe incomodaram e mais eram toleráveis. 

Ou seja, ele escolheu sua esposa, em alguma medida, sopesando o quanto os defeitos dela eram menores do que os de outras pessoas, segundo o padrão estabelecido pela régua pessoal dele. Achei este ponto de vista intrigante. Óbvio que ele avaliou as qualidades dela, mas os defeitos tiveram um papel primordial no processo de escolha. 

Para entender este raciocínio, cheguei à conclusão de que, no fim das contas, ele relativizou os defeitos dela a ponto de eles tornarem-se pouco relevantes e as qualidades se sobressaírem. E aí tudo fez sentido para mim e corroborou minha ideia de que para ver as qualidades não precisamos ignorar os defeitos, mas não deixar que eles ofusquem o que as pessoas podem guardar de melhor.

É preciso escolher um referencial: enxergar com mais interesse o que as pessoas apresentam de melhor ou aquilo que elas apresentam de pior.

O relevante é o ponto de encontro entre tudo aquilo que somos e aquilo que efetivamente interessa às pessoas. Então, se aquilo que interessa ao outro é o que temos de defeitos, o que nos tornará relevante ao outro será aquilo que somos de ruim, e não todo o resto que temos de bom. Daí a importância de percebermos, o quanto antes, qual referencial temos buscado nas pessoas, para que saibamos o que tornamos relevante nas relações humanas e possamos mudar o referencial adotado.

No fim, somos todos imperfeitos e falhos. Somente quando nos damos conta disto é que passamos a dar valor e a respeitar as virtudes alheias.

O mundo é bão e as pessoas também.

sábado, 24 de novembro de 2018

Maria Sofia

Amanhã, na alvorada do dia, vou para meu julgamento racial. Quis o destino que o tribunal fosse no mesmo lugar onde tudo se tornou possível, atrás dos muros do local que mudou minha vida, para sempre.

Mas não é de cor, de raça (no sentido de força criativa) ou de "choro no banho" que venho falar desta vez. 

Venho falar de humildade.

Meu julgamento racial me fez pensar no quanto hoje somos tão bélicos, tão conflitantes e pouco dispostos a aceitar decisões e escolhas sem recorrer. Além do senso crescente de irresponsabilidade que torna ninguém responsável por nada, vivemos uma época em que ninguém aceita nada. E isto, muitas vezes, é fruto de um orgulho fudido que cega as pessoas e faz com que elas não tenham humildade de reconhecer que podem não estar certas.

Isto se reflete em todas as áreas.

Na Era da Informação, todo mundo se sente meio dono da razão e do conhecimento, capaz de, muitas vezes sem embasamento algum, não aceitar as decisões/opiniões daqueles que têm muito mais conhecimento sobre algo do que nós mesmos. Recorre-se até sem saber do quê, muitas vezes.

Não se respeita o conhecimento alheio. Não se aceita a opinião alheia.

Isto, a meu ver, é uma puta falta de humildade. Ser humilde não é tudo aceitar sem questionar, mas reconhecer que não temos todo o conhecimento, que estamos errados e os outros estão certos em diversas ocasiões. Óbvio que temos nossos portos seguros, aqueles assuntos dos quais somos profundo conhecedores. Porém, mesmo esses assuntos, não sabemos tudo. Precisamos estar abertos a ouvir e, principalmente, a aprender.

Quando uma pessoa perde a capacidade de ser humilde, ela perde a capacidade de aprender. E quando se perde a capacidade de aprender, se perde a capacidade de evoluir como ser humano e tornar-se melhor. Não sei se a origem da palavra "humildade" é a mesma da palavra "humano", mas penso que muito perdemos de nossa humanidade quando nos deixamos levar por um orgulho cego, por uma vaidade inconsequente e por um enganoso senso de superioridade. Ninguém perde tanto com o orgulho desmedido como nós mesmos. Ser orgulhoso nos torna fechados ao outro, nos fecha ao conhecimento que não temos, nos fecha ao mundo.

Não digo só sobre respeitar o conhecimento alheio. Digo também sobre respeitar a autonomia do outro em sua vida. Quem somos nós para avaliar o acerto ou o desacerto das decisões que as pessoas fazem em suas vidas? Claro que muitas vezes já passamos pela mesma situação e nos sentimos mais experientes e sabedores do que o outro sobre uma decisão de vida, mas as vidas são tão singulares , diferentes umas das outras, que qualquer avaliação sobre o que o outro escolheu fazer de sua vida deve trazer em si a humildade do reconhecimento de que podemos estar errados.

Uma vez, em um debate virtual com um ex-colega de escola, ele escreveu para mim, com o horrendo capslock: "ERRADO! 100% ERRADO!". Deus! Como alguém pode realmente pensar algo assim sobre qualquer coisa acima da terra e abaixo do céu? Como alguém pode ter tanta convicção sobre alguma coisa? Nem sobre nós mesmos somos capazes de ter convicções 100% certas. Quanto mais sobre temas que envolvem divergência de conhecimento.

O mundo precisa de mais humildade. Isto é uma forma de respeito ao outro. Se tudo se sabe, nada faz muito sentido em nossa existência terrena. Deve ser difícil ser Deus. O não saber move, motiva, incentiva. O mundo precisa disto. A humanidade precisa disto.

Uma vez, ao perguntar a profissão de uma pessoa para quem eu prestava meu serviço jurídico, esta pessoa me respondeu um nome de profissão bem estranho, que nem lembro ao certo. Algo do tipo "auxiliar de frios". WTF? Óbvio que perguntei a ele o que um "auxiliar de frios" fazia. Ele ficou emotivo com minha curiosidade, com meu interesse em entender uma profissão tão simples, que consiste em organizar produtos gelados nas prateleiras de supermercados. Tentei explicar para ele que todo conhecimento é válido e que o que ele sabe fazer, eu, com meus 5 anos de universidade, não tenho a menor ideia de como fazer. Tentei explicar para ele que não há hierarquia no saber e que é preciso haver respeito entre os diferentes conhecimentos. Há cerca de um mês eu sequer sabia calibrar um pneu de carro, um conhecimento simples para alguns, mas que eu dependi de um amigo para me acompanhar, me ensinar e eu aprender.

Saberes diferentes não se hierarquizam, mas se complementam e se trocam.

A vida é uma constante troca, inclusive de conhecimento. E isto torna a vida solitária algo incompatível com a essência do que é ser humano.

É preciso humildade para entender que não sabemos tudo, que há coisas que não somos capazes de resolver ou entender sozinhos e que as escolhas/decisões do outro não são passíveis de serem julgadas com certeza de acerto por nossas convicções pessoais.

A vida flui com mais tranquilidade quando se aprende a aceitar que o outro pode deter conhecimentos que não temos. A vida flui com mais tranquilidade quando se aprende que o outro pode ser aquilo que não somos.

Amanhã, aceitarei qualquer julgamento racial, sem recorrer.

sábado, 17 de novembro de 2018

Desconexo

São quase 3 da manhã. Mas eu estou cheio de pensamentos.

Aos 18 anos eu era um "monstro", capaz de comer uma parede de concreto para encontrar uma saída e mudar de vida. Eu parecia maduro para caramba, nada me abalava além do espírito de sobrevivência que me fazia ser capaz de morder um cachorro se isto fosse necessário para sobreviver. Eu era um guerrilheiro que só tinha em uma munição a sua chance de dar certo. Era preciso guardar bem a munição e não desperdiçar o tiro. E foi a maturidade imatura dos meus 18 anos que me salvou de hoje não estar desempregado e distribuindo currículos para ser qualquer coisa em qualquer lugar. Não que isto seja um demérito, mas é um resultado de que algo deu errado.

Quando olho para 10 anos atrás, penso no quanto eu era maduro e imaturo. Eu só queria ter uma chance de sobreviver e tudo girava em torno disto. Lembro de ter ido uma única vez a uma boate, numa matinê com 15 anos. Só Deus sabe o quanto eu tive medo de gastar aqueles 20 reais. A primeira vez que beijei uma mulher foi aos 25 anos de idade. E eu ainda perguntei se podia beijá-la. Céus! Antes disso não dava, eu estava ocupado demais em sobreviver. O que não me torna fonte de orgulho para ninguém. Aos 13, também pedi um beijo. Mas ganhei um beijo dentro do ouvido. Meio nojento. Frustrante, aliás. Saí de cena e só voltei 12 anos depois.

O coração de uma mulher é um oceano, repleto de segredos e desejos profundos e obscuros. Já a cabeça de uma mulher é um universo, repleto de possibilidades e sempre em expansão. Às vezes é difícil gostar das mulheres. Eu só queria que o encanto que vez ou outra desperto nelas durasse mais do que 2 meses. Nunca passa disto. É meio cabalístico. Talvez eu não consiga ser mais do que sou por mais de 2 meses. Esta fraqueza me dói em alguma medida. Ainda não sei o que me torna tão fugaz para as pessoas.

Não gosto que nada me escravize. Quando bebo, me sinto escravizado. Hoje não bebi. Mas fui a uma festa do caralho. Ninguém sóbrio me chamou para dançar. Eu só quero dançar no começo da festa, quando eu e todos os demais estão sóbrios, mas ninguém quer dançar. Depois que todos estão bêbados, inclusive eu, eu não quero mais dançar, me contento em ficar risonho. A bebida escraviza, mesmo quando não é vício. Escraviza porque você começa a beber sem nem saber mais ao certo porque bebe. 

Eu nunca tive nem curiosidade em usar qualquer droga. Eu só tinha uma munição a gastar para sobreviver e o vício em qualquer droga, inclusive lícita, poderia roubar meu ímpeto de sobrevivência. 

É preciso algum controle sobre o desejo, senão todo dia vira dia e não há corpo que aguente. Perder o controle sobre os desejos é a coisa mais impulsiva que alguém impulsivo pode fazer sem se dar conta de que é impulsivo. Todo dia parece ser dia de saciar o desejo. O corpo padece e a mente não percebe. Entra-se em estado de autofagia, de automutilação. É um matar-se diariamente de modo bem retardado, por sinal. Elas nos destroem aos poucos e silenciosamente. Eu precisava sobreviver. Então nunca quis.

Não gosto que nada me escravize e o desejo por algo é escravizante.

Nada com nada.

Estou desconexo.

E solitário. 

Em geral, não sou contra ser solitário. Mas às vezes é bem bad. Ter o outro obriga a gente a organizar as ideias para verbalizá-las. Não ter o outro torna nossa própria voz um monólogo. Agora que sobrevivi, eu preciso do outro. Sinto a necessidade. Uma puta fraqueza. Ou uma fraqueza puta. Nada contra as putas.

Aliás, vontade de socar cada cara puto. Por causa dos putos, somos todos canalhas. Por causa dos babacas, somos todos "machos escrotos". Por causa dos tarados, somos todos iguais. Fodam-se todos vocês. Somos todos homens, menos alguns. Dá trabalho ser homem em meio a um mundo de tanta descrença no homem.

Nunca se sabe quando tocamos de verdade o coração das pessoas. As lágrimas revelam isto no mundo material algumas vezes, mas nem sempre. E isto é bem estranho. Tocar o outro é algo que transcende o mundo material, o contato de peles e as mononucleoses das bocas vazias que beijamos nas madrugadas frias. Tocar de verdade o outro é uma sensação única. Cada coração é precioso e cercado de defesas. Quando alguém baixa a guarda, é lindo demais. Eu acho isto humano pra caralho. Mas nem sempre isto é muito claro. E isto deixa uma insegurança da porra. Deixa aquela dúvida se, no fim das contas, não se está sendo invasivo, um babaca ou um trouxa.

Mas no fim, quando se quer tocar o céu do outro, se é humano. E por mais que isto não pareça, as verdadeiras sensações humanas estão em extinção, inclusive o amor. Porque amar envolve não ser individualista e, hoje, tudo o que não queremos é ter nossas liberdades ameaçadas. Melhor a superficialidade do que é breve do que a intensidade do que permanece e é recíproco. É preciso confiar no poder da reciprocidade e baixar a guarda.

Atiro contra tudo às 3h41 desta manhã. Porque não sei o que fazer quando a preocupação maior não é mais apenas sobreviver.

sábado, 10 de novembro de 2018

Da vaidade

Tudo é vaidade.

Assim diz a Bíblia em uma de suas passagens.

Tudo é vaidade.

Hoje mais do que nunca.

Tempos de egocentrismo, de culto à própria imagem e ao próprio corpo, maximizado pelas redes sociais. Como escrevi há alguns anos, atualmente temos duas vidas: uma real e uma virtual. E a vida virtual é uma vida expositiva, na qual nos expomos e estamos 24 horas por dia acessíveis para sermos vistos e pesquisados. E isto é tentador.

As redes sociais aguçam nossa vaidade. Aos nos exporem, elas nos dão holofote, nos dão um destaque que a vida real só nos dá, em geral, em momentos de grandes feitos pessoais, em datas comemorativas ou quando fazemos alguma merda daquelas. As redes sociais alimentam nosso senso de importância, criam a sensação de que coisas insossas de nossa vida têm relevância e de que existem pessoas interessadas em saber o que andamos fazendo.

Isto pode ter um lado bom, como ajudar a desarmar a bomba depressiva daquelas pessoas que acham que sua vida não tem qualquer importância. 

Mas esta exposição e interação excessiva tem muitos lados ruins. E é isto que eu, no meu azedismo solitário, quero pontuar.

As pessoas andam cada vez mais vaidosas, interessadas em saber a repercussão que suas postagens nas redes sociais terão. Querem saber quem irá curtir suas fotos, quem irá comentar nelas. As pessoas passaram a gostar da sensação de serem visualizadas, contempladas e objeto de atenção. Todos tornaram-se artistas em alguma medida. 

O artista é um vaidoso por natureza, porque tem necessidade de ter sua arte apreciada, ainda que somente por algumas pessoas. Nem sempre quer reconhecimento ou ser compreendido, mas sempre quer ter sua arte apreciada por alguém.

Quem posta fotografias pessoais em rede social não marca a opção "postagem disponível somente para mim". Marca, na pior das hipóteses, a opção "postagem disponível somente para meus contatos". Quer ser apreciado. Se não tivesse este desejo, não postava ou, na pior das hipóteses, postava e nem olharia depois quem curtiu/comentou/interagiu com a postagem (como quem dá um tiro e sai correndo, sem nem olhar para conferir se alguém viu, foi atingido ou se algo aconteceu - o famoso "foda-se"/"caguei").

Quem posta, sente-se artista, em alguma medida. Posta por vaidade, pelo desejo de ter sua vida acompanhada por alguém (ainda que não se saiba ao certo por quem). Mas vaidade é uma merda, porque reconhecimento e protagonismo viciam. E aí, até aquela xícara fria de café ralo vira foto, postagem e objeto de curtidas e comentários. Faz bem ao ego ter seu dia apreciado por alguém, demonstra importância pessoal. É importante saber que alguém se interessa pelo o que fazemos, mas tudo que é em excesso não faz bem (nem o sexo - talvez).

A vaidade corrompe, como a fama. Perde-se um pouco o senso daquilo que realmente é merecedor de importância e de valorização. Passa-se a dar um peso anormal para o que é fugaz e superficial. A vaidade alimenta nosso egocentrismo, mexe com nossos valores. Em geral, pessoas muito vaidosas não são agradáveis, nem sequer prestam muita atenção no que dizemos, exceto quando é um elogio sobre elas mesmas. As redes sociais alimentam essa "antipatia", fortalecem nossa proximidade com aquelas pessoas que estão sempre curtindo nossas postagens, com nossos "seguidores", por exemplo. Elas alimentam nosso estímulo visual, em detrimento dos demais. Mas a riqueza da convivência humana vai muito além do que está ao alcance dos nossos olhos. Envolve coração, mas coração de verdade, e não corações virtuais de curtidas.

Cada vez mais respeito as pessoas "eremitas", que se desligam de todas as redes sociais expositivas. Eu as entendo e vejo muito sentido na escolha delas. Aliás, estou mais perto de eliminar uma rede social do que de passar a usar uma nova rede. Óbvio que as redes sociais aproximam, nos permitem acompanhar os rumos da vida de pessoas com quem não convivemos mais pessoalmente. Mas as redes sociais também afastam. Em nossa vaidade social passamos a dar valor e importância para coisas superficiais, passamos a, em alguma medida, tornar a convivência humana algo mais visual e menos pessoal, tornamos as pessoas um pouco descartáveis.

Talvez eu seja um bobo solitário, no fim das contas. 

Entendo os "eremitas". Eles não fogem das redes sociais porque fogem do contato humano. Fogem porque não aguentam mais este jogo de vaidade, no qual sua importância pode ser medida e comparada por curtidas e comentários virtuais. A vaidade pode ser escravizante, como a fama. E, para alguns, a melhor maneira de tratar isto é buscando uma vida pacata e longe de qualquer holofote. Respeito muito quem tem esta coragem de assumir que, nos fim das contas, só há uma vida digna de ser vivida: a vida real. 

Afinal, tudo é vaidade.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Dos excessos

O que seriam os excessos senão algo que só se constata depois que se concretizou? Não há presente. Há apenas passado e futuro quando o assunto é o que se excedeu. O passado é o contexto no qual a ação se concretiza e o futuro o cenário no qual se colhem as consequências que materializam o excesso.

Em geral, sabemos quando excedemos, quando vamos além daquele limite no qual as coisas ainda são boas. Nem sempre, no entanto, nós nos damos conta do quanto ultrapassamos este limite, e aí entram os outros e a Lei, por exemplo, para nos advertirem sobre isto.

Nisto consiste um dos riscos de uma vida solitária. Quando nós mesmos traçamos sozinhos por muito tempo nossa régua do que é razoável e do que é excesso, sem querer nada e nem ninguém ouvir, viramos monstros de nós mesmos. Vira autofagia. É sedutor não ouvir e nem ter que dar "satisfação" a ninguém, afinal, autonomia e liberdade são fascinantes e motivantes. Mas a vida precisa de limites mínimos bem claros e isto nem sempre nós mesmos estamos muito interessados em fixar em nossas vidas.

Quando se é jovem, a vida parece múltipla e aberta como o universo. Pensar em limites soa algo contrário à ideia do que seja viver. Aliás, viver parece algo sem validade muito certa, como algo que não deve despertar qualquer preocupação.

Aí eis que de uma vida sem limites se deixa alguém de barriga, se mata alguém em um "acidente", se contrai doenças de difícil controle e causamos injustamente dor àqueles que nos cercam ou àqueles que apenas tiveram o azar de cruzar conosco em um momento de excesso.

Exagero, né? Mas um excesso é justamente um exagero. E quando se excede, as consequências podem ser exageradas mesmo, porque se perde o controle.

Mas também existem os "pequenos" excessos, aqueles que parecem inofensivos a nós mesmos porque não deixam marcas imediatas. Por exemplo, quando não se tem qualquer horário minimamente de referência para se deixar adormecer e não se tem qualquer cuidado em dar ao corpo o devido descanso, prolongando sua vida ativa madrugadas adentro, sem perceber acabamos com nós mesmos a longo prazo. Um corpo que não possui quaisquer limites para o descanso é um corpo que tende a tornar-se débil a médio\longo prazo. "Pequenos" constantes excessos de álcool, cigarro e drogas ilícitas, por exemplo, idem.

Existem contas altas que podemos pagar só daqui a alguns anos, mas são cobradas. E o pior é que achamos que alguns excessos só fazem mal a nós mesmos e que ninguém tem que se meter no que fazemos de nossas vidas. Óbvio que não quero ninguém tendo que cuidar de mim em um leito de hospital, tendo que me dar banho, comida ou algo assim, afinal, eu sou pleno, independente e autônomo. Mas isto aos 28 anos. E aos 60 anos de uma vida marcada por "pequenos" excessos? "Ah, quero estar sozinho aos 60 anos e não dar trabalho para ninguém." E isto é escolha, quando somos seres sociais? As relações interpessoais são inevitáveis e o carinho das pessoas por nós mesmos também. Então, é bem provável que, na podridão dos 60 anos, alguém que a gente não queira dar trabalho esteja ao nosso lado querendo cuidar da gente e dividir a conta dos nossos excessos, sofrendo ao nosso lado. E a depender do nosso nível de debilidade, nem conseguiremos evitar isto. Vai ser uma merda, mas não haverá o que fazer lá na frente. Não no futuro.

Quanto pessimismo... Muito texto de tiozão chato, né?

Mas os excessos são assim. Nos deixam péssimos quando nos damos conta deles. E isto não ocorre no presente. Só no futuro.

Não é possível viver sem exceder. Aliás, a vida depende de momentos de excesso para fazer-se vida e ter sentido. Mas é possível se refletir sobre quando excedemos. Em uma de suas Cartas (não vou lembrar qual porque não decoro estas coisas) São Paulo disse que "tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém". E eu achei isto foda demais. Deus não criou o homem para a escravidão, e sim para a liberdade, mas nós, muitas vezes exercitamos nossa plena liberdade de modo que nos tornamos escravos de nossos atos e de nossos excessos. Precisamos exercitar melhor a parte do "nem tudo nos convém", porque a parte do "tudo nos é permitido" é bem clara.

Como dito antes, a gente sabe em alguma medida quando passamos dos limites. Ainda que com algum delay. Triste é quando não temos qualquer noção do quanto estamos vivendo inconsequentemente e precisamos ser lembrados por alguma merda que acontece. Às vezes precisamos que alguém "chame nosso feito à ordem", opine sobre nossos rumos. Nenhuma grande empreitada pode ser planejada/executada com êxito em completa solidão. Assim como também nenhuma empreitada alcança êxito quando não temos disciplina de dizer "não" aos excessos. Costumo dizer que sou um cara fácil: só chamar que eu vou. Adoro gente e convite para fazer coisas. Mas tem horas que ir, ir de novo, de novo e de novo, torna-se excesso. É preciso encontrar a medida, o limite.

Para tudo existem limites. Até a vida necessita do limite imposto pela morte para se completar. E a morte, a depender do que você acreditar, também encontra limite. Nada é pleno, nem meus 28 anos.

Uma vida de completa ausência de controle sobre os excessos não produz muita coisa. Aliás, os excessos raramente nos permitem chegar sem atrasos ao lugar que teríamos condições de chegar antes. É como chuva em excesso na estrada. O excesso de chuva atrasa nossa viagem e, por vezes, não nos permite chegar. Assim são os excessos. 

É preciso cuidado, reflexão e senso de responsabilidade consigo mesmo. Sermos livres e autônomos não significa fazermos "vista grossa" de nossos desvios. Precisamos cuidar melhor de nossas vidas, de nossa saúde e de nossos sentimentos. É preciso verdadeiro amor próprio para deixarmos de nos auto-sabotar, deixar de nos devorarmos por nossos próprios excessos. É preciso verdadeira disciplina e verdadeiro empenho em se controlar, reorganizar-se e seguir viagem. Temos muito a fazer e a viver, em verdadeira liberdade.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

A falar

Céus! Eu não consigo parar de escrever. Geralmente, isto não é bom, mas, sei lá, hoje me sinto meio só e, quando assim estou, preciso escrever para me encontrar.

Hoje será texto autobiográfico, desculpe. Preciso falar.

Às vezes me espanto como meu sentido visual é mais aguçado do que os demais. Me interessa tudo que esteja ao alcance dos meus olhos, desde as meias dos transeuntes até as pichações urbanas. Tenho olhos de esponja. Tudo observo, tudo interessa aos meus olhos. Eu preciso do que vejo como preciso do ar que respiro. Não sei o que seria da vida sem meus olhos. Obrigado, Deus!

Mas quem tem olhos, sofre. Eu ainda mais. Meus olhos me abrem janelas. Aquilo que vejo mistura-se com minha imaginação em doses preocupantes. Não alucinações, mas os pensamentos que se abrem a partir do que vejo.

Eu sofro pelos olhos. Por isso, muitas vezes, prefiro não ver. Certa vez, por exemplo, vivi uma dor afetiva tão intensa que, para estancá-la, eu sequer procurava por meus contatos do Whatsapp que estavam abaixo da letra inicial do nome da pessoa que me fazia sofrer. Dessa forma, eu evitava deslizar meus dedos e meus olhos pela foto de perfil da pessoa que eu tanto gostava. Parava nos contatos antes da letra do nome dela. Apesar do quanto isto pareça louco, isto me fez um bem danado, porque não vê-la sequer por foto afastava meus pensamentos dela. Vê-la por foto abria por meio de meus olhos um vendaval de pensamentos, lembranças e sentimentos. Não vê-la, ao contrário, era como manter trancados meus sentimentos. Aquilo que aprisionamos e esquecemos por muito tempo tende a definhar, "apodrecer", até morrer (como acontece algumas vezes com as pessoas que ficam presas e esquecidas nas prisões).

Aquilo que não vejo tem mais dificuldade de penetrar em meus pensamentos e de me entristecer. Uma solução covarde, talvez, daquelas de quem não quer enfrentar o problema. Mas, depois que perco o contato visual por muito tempo, sinto-me forte e capaz de não mais me afetar. Sinto-me pronto para encarar. E encaro. Só preciso de um tempo sem ver. É um raciocínio meio de "corno", porém, no meu caso, resolve.

Aquilo que vejo me aflige muito mais do que aquilo que ouço. Quando em realidade deveria ser aquilo que falamos o que mais deveria nos imputar senso de responsabilidade e pertença, afinal, da boca sai aquilo do qual nosso coração está cheio.

Hoje me sinto meio frustrado. Não pelo que vi ou deixei de ver. Só me sinto frustrado. E o que é a frustração senão um sentimento de incompletude? Um sentimento de impotência e de descrença que se sente quando algo não ocorre conforme o planejado. Às vezes é um sentimento injusto, que nada tem a lhe justificar, além de um desajuste de sentimentos. Mas é péssimo. A frustração é meio paralisante, sobretudo quando não sabemos o que foi feito de errado. E nem sempre algo foi feito de errado. A frustração muito mais tem a ver com nós mesmos do que com algo que ocorreu. 

Hoje o problema sou eu. Só preciso de um copo de leite com chocolate para eu me sentir abraçado ou de umas cervejas para eu ficar bem idiotamente risonho. Como amanhã é dia de acordar cedo, então hoje é dia de abraço de chocolate. E de texto. 

Amanhã, tudo estará bem.

domingo, 21 de outubro de 2018

Entre quadris e a cabeça

Caraca! Tô com o dedo nervoso esta semana. Escrevendo pra carai. Acho que a última vez que foram tantas seguidas foi na semana do 2 de julho, há uns 8 anos, quando eu gostava muito da "garota de nariz torto" e quis homenageá-la na semana do aniversário dela. Faz tempo... Tantas mudanças... Mas vamos ao que interessa. Estou falante!

Eu tenho problema com sonhos. Não aqueles que temos enquanto dormimos, mas aqueles que temos com os olhos abertos.

Sinto que os sonhos aprisionam, como uma conta a vencer no dia 20 ou 30 da vida. Eles podem pesar como carregar uma mochila.

Eu não sei. Talvez eu seja um pessimista, um desconfiado com a vida. Sempre penso que posso morrer antes do amanhecer. Não temo a morte, mas "perder" tempo aprisionado a um sonho.

Sonhos servem de bússola; apontam um norte e uma direção a seguir. Mas, como eu disse no texto anterior, às vezes, é quando erramos a rota e nos perdemos é que nos encontramos. Se um sonho aponta para o norte e nós seguimos à leste, teoricamente nos desviamos do rumo, porém, nem sempre isto é ruim.

Sempre fui muito "pés no chão" (talvez porque, durante muito tempo, a vida não me deu muitas opções) e isto, de algum modo, sempre me fez não ter muita coragem de sonhar coisas grandes. Durante minha graduação inteira, por exemplo, fui questionado se eu aspirava tornar-me um juiz ou promotor de justiça, e sempre respondi, com um ar meio sem graça, que eu aspirava tornar-me profissionalmente "aquilo que desse para ser". Às vezes, eu respondia com outra pergunta: "Ser juiz de vôlei ou de futebol?" Só para desviar o foco e causar risadas mesmo.

Em geral, as pessoas não entendem. Acham que jovens necessariamente têm que sonhar, aspirar alguma coisa que não seja droga pelas narinas ou fumaça pela boca. Eu entendo. De verdade, eu entendo. Sonhos podem nos colocar "na linha", nos dar um rumo quando não sabemos para onde ir. Mas eu realmente não consigo. Algumas vezes, não sonhar soa como falta de perspectiva, falta de ambição, desinteresse ou comodismo. E talvez seja isto tudo mesmo. Só que eu me sinto bem. Algumas vezes penso que se há 10 anos meu sonho fosse passar em um concurso público, eu já teria realizado meu sonho de vida profissional, e aí? O que me motivaria a continuar? Percebe? Dilma estava certa; precisamos não traçar meta e deixar a meta aberta. Você vai sentir quando tiver batido sua meta e aí, por não ter ter alçado à meta a sonho de vida, você poderá dobrar a meta e seguir adiante realizando pequenas coisas grandes na vida, sem perceber.

A vida pode ser curta demais para que vivamos escravizados por um objetivo de vida. E se o sonho de vida não se concretizar? Como lidar com isto de modo saudável, sem adoecer, perder o encanto com a vida e se frustrar? Eu tenho medo deste tipo de decepção. Porque tem coisas que, por mais que a gente se esforce, por mais tempo que a gente se dedique, não acontece e, ao fim, fica aquele gosto estranho na boca, aquela sensação de perda de tempo, de "treinei muito para ser roubado". É difícil lidar com as derrotas que não entendemos o porquê. Talvez eu seja um frouxo, me esconda atrás da falta de sonhos para não ter motivos para me decepcionar. Isto, só o tempo me dirá.

Num exercício de autocrítica, enxergo que algumas coisas podem ser sonhos em minha vida, mas são coisas tão bobas, que não sei se merecem o status de "sonho". Eu sonho em ter uma vida que me permita ser feliz, não passar necessidade e que me dê alguma condição de poder ser atuante e fazer a diferença na vida de alguém. Não sonho com férias em Dubai ao lado de um harém. Me bastaria um amor tranquilo, filhos catarrentos, felizes e educados para eu deixar de herança para o mundo, uma casa agradável, saúde e condição financeira que me permita viver com algum conforto (nada de Ferrari na garagem) e dedicar mais do meu tempo em ajudar as pessoas. Isto é sonho? Me parecem coisas tão bobas e pequenas. São objetivos que talvez não valham o status de "sonho", porque parecem coisas que podem ser conquistadas naturalmente ao longo da vida, sem pressa, fanatismo e escravidão.

A palavra "sonho", para mim, remete a um desejo compulsivo, escravizante, capaz de amoldar todas as escolhas da vida para ser alcançado. Por exemplo, uma mulher que sonha ser uma empresária de sucesso pode, em nome deste sonho: abdicar de seus anos de juventude e não viajar e se divertir com seus amigos; abdicar/retardar o projeto de ser mãe; abrir mão de conhecer afetivamente outras pessoas; investir todo seu dinheiro e raramente utiliza-lo para adquirir pequenos "mimos" para si mesma; e, ao fim, não alcançar seu sonho maior e ser tarde demais para tentar voltar atrás e desfazer algumas das escolhas que foram condicionadas pela busca por seu sonho de vida. 

Óbvio que a vida envolve escolhas, apostas, riscos, acertos e desacertos. Mas quando se tem um sonho maior a nortear uma vida, tudo passa a orbitar em torno desse sonho, em órbitas escravizantes que limitam a liberdade de escolha. Alguns defensores dos sonhos dizem que conquistar um sonho de vida traz liberdade. Mas é preciso ser escravo para que se possa ser livre? E o risco de ao fim de uma vida escravizada por um sonho, por um único caminho ao norte, a liberdade "não cantar"? 

Talvez eu seja frouxo demais para sonhar e me decepcionar, ou tenha os pés no chão demais para conseguir fantasiar.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Uma dose de coragem

A coragem é uma virtude, daquelas que vale uma vida. Aliás, só quem tem coragem é capaz de pagá-la com a vida.

Uma vida sem coragem é fadada à soledade.

Ser prudente é importante, mas não são de prudências que se escreve uma vida. A história é escrita pelos momentos de transgressão, de desafio e de experimentação. Se erra muito quando não se calcula as consequências, mas também se conquista quando se diminui a prudência. 

Alguns desacertos constroem mais do que acertos, pois marcam, ensinam e, algumas vezes, conquistam. Cabral pode ter se perdido em plena imensidão do Atlântico, não ter sabido para onde ir e chegado ao Brasil. Às vezes, somos assim na vida. Quando achamos que estamos mais perdidos é que nos encontramos e conquistamos nossos maiores tesouros.

Mas o que seria este texto? Uma ode aos erros? Não. Talvez uma ode à coragem.

E o que seria a coragem? Falta de medo de falhar? Penso que não. Coragem é não deixar de realizar, ainda que com medo. Aliás, quanto maior o medo, mais coragem se exige para concretizar. Coragem seria talvez a ousadia de realizar, ainda que sem saber ao certo o que resultará. É bravura de se lançar e arriscar. Todo ato de coragem envolve o risco de falhar. Se não envolve risco, não se requer coragem. Se não há medo, não é preciso coragem.

Somos humanos. Temos o direito de ter medo, inclusive o medo de falhar. Mas é preciso ter coragem para seguir, ter queixo de pedra, para apanhar e não se deixar abalar.

A coragem é um pouco isto, não se deixar vencer pelo medo da frustração. 

Porque, da falta de coragem, só nasce solidão.

Deus, nesta vida, só lhe peço uma dose de coragem.

sábado, 22 de setembro de 2018

Raça

2 meses passam rápido. Parece que ainda ontem escrevia pela última vez. Já dizia Nelson, o Rodrigues, que a maior utopia do homem é encontrar um ouvinte. Ou talvez, acrescento eu, ter um blog para escrever, ser um muro de lamentações, confissões, declarações, divagações ou criação.

Às vezes é preciso carregar o piano no braço, com raça e "maracatu atômico". Só olhar pra frente e acreditar que a tempestade vai acabar e que se está quase chegando no local de descarregar o piano. Controlar a respiração e ir, firme, segurando a barra sem soltar. Tem que ter raça. Aliás, respeito quem tem raça no que faz. Raça envolve coração, comprometimento e coragem. Envolve confiar, andar sem saber se ao fim haverá um ponto de repouso para se descansar ou um piano ainda maior a ser carregar. E no fim, pode ser que não tenha valido de nada. 

Mas é preciso viver com raça. Nos faz mais inconsequentes, mais humanos.

Talvez Nelson nunca o tenha dito, mas ter certezas na vida parece fundamental. É preciso acreditar que na próxima manhã haverá uma vida a se viver, embora esta convicção dependa de tantas pequenas coisas que passam, desde a procedência da bala-bombom que compraram em um semáforo e me deram, até a "sorte" de não encontrar alguém armado na esquina de casa e cheio de maldade.

A vida é assim. Um encontro com a maldade a cada esquina, mas uma manhã de certezas a cada recomeço.

Quando se tem raça vive-se um momento de cada vez. Ter raça é sentir-se pleno e forte, ainda que sozinho em meio a uma tempestade em alto mar. É meio que se sentir potente, capaz de levantar todos os alicerces e sair puxando-os rua afora, como "O Incrível Hulk". É meio que ser capaz de arrastar tudo e todos que cruzem a nossa frente, sem olhar para trás o estrago que se está a fazer. É, muitas vezes, só tomar ciência da grandiosidade do que se fez depois que está feito. É enxergar o durante, sem saber como será o depois.

Raça é isto: a coragem de que tudo se pode resolver, ainda que não se saiba como e nem quando. Mas vai se resolver. Raça é uma forma de fé, talvez; porém uma fé ativa, daquelas que se trabalha e confia, como ensina a rosada bandeira do estado do Espírito Santo. Aliás, de rosado, agora só falo da bandeira.

Não quero passar a noite toda divagando ao som de Fagner, todavia, é preciso que seja dito: é preciso ter raça. 

É agindo com raça que resolvemos e descomplicamos.

Valorizo e respeito muito quem tem raça no que faz. Vejo vida. Entrega. Vejo coração, coisa tão rara nos dias de hoje, em que ninguém se envolve e se responsabiliza pelo que faz.

Talvez você esteja certa no auge da jovialidade e da maturidade de seus 22 anos. Talvez eu seja mesmo um romântico. Não um dos últimos, mas um romântico. Ainda não sei ao certo o que isto significa. Penso sobre, porém não sei se gosto da ideia de o ser. Prefiro ser visto como um raçudo, daqueles capazes de construir uma casa sozinho se preciso for.

Mas façamos um acordo. Há uma expressão popular que faz menção a fazer as coisas "no peito e na raça". Se peito significar fazer com coração, aceito ser um romântico. Um cara com raça e coração.

domingo, 22 de julho de 2018

Overtime

Às vezes, a vida é triste como uma eliminação ao fim de uma prorrogação ou de uma série de cobranças de pênaltis.

Na eliminação, não há justiça, só tristeza.

Durante alguns anos, existiu no futebol a figura do "gol de ouro", também conhecido como "morte súbita", segundo a qual, após o empate no tempo normal de jogo, os dois times se sujeitavam a dois tempos extras de 15 minutos (prorrogação), nos quais, o primeiro time a marcar um gol vencia a partida e ela era imediatamente encerrada. Anos de muitas eliminações dolorosas, nascidas de um gol tomado em um curto momento de desatenção e de falha. Um gol inapelável, após o qual não havia mais oportunidade de continuar jogando e tentar vencer. Um gol de despedida, como são os encerramentos inesperados e dolorosos.

Muitas vezes a vida é assim. Somos eliminados sem muita compaixão após um único deslize. Jogar bem nunca garantiu sobrevivência em uma "morte súbita", na qual, como o próprio nome diz, apenas se morre repentinamente, sem maiores oportunidades. Uma eliminação assim é muito dolorosa, impõe a lembrança do erro em looping na memória. Aquele momento de deslize que ocasionou o gol da eliminação é figura recorrente nos pesadelos noturnos. Aquela sensação de boca seca de incredulidade e impotência não passa facilmente. Algumas noites, até se sonha que ao contrário de se tomar o gol da eliminação, foi feito o gol da classificação. Mas ao fim, tudo não passa de um sonho e lá estamos nós novamente, em mais uma manhã, a lamentar o gol sofrido.

Todos nós temos nossos recuerdos dolorosos. Aqueles que não se apagam, como um gol tomado em uma inesperada prorrogação com "gol de ouro". Recuerdos que insistem em não se apagar com facilidade, que deixam sempre mais sentimento de culpa do que de reconhecimento pelo o que foi realizado para levar o jogo até ali.

As noites de eliminação são frias. Tristes. Solitárias. É comum uma lágrima descer e a garganta fechar. A dor do fim e a incerteza de uma nova oportunidade futura, misturada ao apagar dos sonhos que se construiu enquanto a vitória era possível. Nada como o redentor choro de despedida, daqueles que lavam a alma e levam todas as impurezas sentimentais. Queria conseguir chorar neste momento e me sentir livre, mas não consigo. 

Para pôr um fim a esta dolorosa tristeza, eliminou-se a "morte súbita" e manteve-se uma prorrogação na qual os dois times são obrigados a jogar os dois tempos extras de 15 minutos, ainda que um deles marque um gol em algum momento da prorrogação. Justo e reconfortante. Tomar um gol deixou de ser o fim e passou a ser o despertar por uma busca desesperada pelo gol que poderia evitar a eliminação. Muito melhor ser eliminado com o suor convicto de que se lutou até o fim dos 30 minutos de prorrogação do que com as lágrimas de uma eliminação decorrente de um derradeiro gol bobo tomado em um breve momento de desatenção.

Mas, às vezes, uma prorrogação, com ou sem "gol de ouro", não é suficiente para desempatar uma partida. É preciso recorrer-se a uma emocionante disputa de pênaltis.

Às vezes, sinto que chutei para longe o pênalti que decidiu o campeonato. É uma merda. No caminho até a marca do pênalti, tudo o que se pensa, confessam todos os batedores, é se autopreservar, independente que o time vença ou perca. Tudo que se quer é meter a bola na rede e sair com a sensação de que não se foi o culpado pela eliminação do time. Mas, às vezes (talvez a expressão mais usada neste texto), não tem jeito. Isolamos a bola que valia o campeonato.

É doloroso demais perder um pênalti que custa uma eliminação. Um pênalti perdido é uma oportunidade perdida, daquelas que talvez nunca mais tenhamos a chance de reencontrar. Hoje, me sinto um perdedor de pênaltis, daqueles que tem chutado para fora todas as oportunidades de vitória e arrancado lágrimas de quem assiste. Um pênalti carrega em si os sonhos de muita gente, inclusive os seus. É um ingresso de entrada para uma nova batalha rumo à vitória final ou uma porta que se fecha, até daqui a quatro anos ou para sempre.

Quando se perde um pênalti, nunca se sabe o quanto ele realmente custou. Às vezes (de novo), pela idade, pelos envolvidos e pelas circunstâncias, até se sabe que foi a última chance. Às vezes, ainda resta a esperança de uma nova oportunidade. E quem garante? Muitas incertezas na derrota e poucas respostas na tristeza.

A vida é assim.

Entre as lágrimas de uma eliminação, pode até haver abraços de amizade ou aplausos de reconhecimento. Mas o que fica é a culpa pela oportunidade desperdiçada, a incerteza do futuro e los recuerdos dolorosos.

Pênalti, só perde quem bate, quem se oferece a bater. Só sofre quem apresenta coragem de encarar e confiança de vencer. Mesmo com coragem, com bravura, com heroismo, se pode perder. E perder é sempre perder, com ou sem merecimento. O resultado é o mesmo e o sofrimento também. Se pode perder sendo amável e honesto, assim como sendo babaca e canalha. O sabor de derrota é o mesmo. Não há justiça na derrota e, às vezes, nem lágrimas. Só tristeza.

Não falo mais de seios.

domingo, 10 de junho de 2018

En vivo

Sem vida, toda paisagem é morta.
É a imprevisibilidade da vida que traz graciosidade ao belo, e ao feio.
Um corpo que se mexe em meio à paisagem morta ou à lama.
Onde há corpo e movimento, há vida.
Mas sem corpo, não há crime.
Mentira deslavada! Sempre há crime.
E sempre há vida. Pra mais de metro, aliás.
Às vezes mais de uma.
Mas sempre há morte. Uma única.
E entre a vida e a morte, o que há?
Só vida.
Então viva!
Porque enquanto não há morte,
Só há vida.

domingo, 27 de maio de 2018

Chulo

Talvez eu devesse escrever mais. Ou menos. É algo compulsivo. Espero que me traga paz.

Algumas coisas simplesmente não acontecem. Por mais que a gente tente, se esforce, se permita, não acontecem. E eu tenho alguma dificuldade em lidar com coisas para as quais não encontro solução.  Principalmente quando busco solução há muito tempo. Orgulho? Não penso que seja. Em uma vida forjada por problemas, sempre encontrar soluções, gambiarradas ou não, parece ser o normal para mim. Gosto do chão de fábrica. De ser operário da vida e encontrar soluções de modo manual, ao invés do automático. Gosto da trocação, de bater e apanhar. Tem coisa que nos faz sentir mais vivos do que as porradas que damos e levamos? Mas tem coisas que não acontecem e não se resolvem, mesmo após incansáveis tentativas. Aí é foda.

É uma merda. Daquelas moles e que ficam garradas no solado e só saem após uma lavagem em casa. Por onde você anda, você sabe que a merda está com você e que aquele cheiro que todos reparam é seu. "Ei, calma galera! Podem parar de procurar. Sou eu o cagado". É tipo isto.

"Não tenha pressa". "Na hora certa as coisas acontecem". "Tudo tem seu tempo".

Ah, é legal. Faz sentido. Mas não enche barriga. Talvez se engravide por causa de coisas assim. Mas se continua com fome.

Eu preciso parar de gostar de brancas. Isto é sério. Não vai acabar bem. Que merda! Era você, galega. Uma vez você me disse que a gente sabe quando é de verdade. Eu acho que era. Mas não vai adiantar te contar. Você diria que é imaturidade de gente inexperiente, que eu não sei o que digo, não conheço o amor e blá blá blá... mas não desta vez. Era você, sua louca. Não sei como te explicar. Teve gente depois de você. Não adiantou. Você foi diferente. Marcou em 2 meses ou menos. Talvez eu não tenha sido um dos melhores com você, mas é porque parecia tudo tão natural e eu me sentia tão eu quando estava com você, que nem vi o tempo passar. Acabei não sendo bom o suficiente. Desculpe. Eu queria ser capaz de te mostrar que todas aquelas merdas que aconteceram antes com você (e foram muitas, ainda me assusto quando lembro) não aconteceriam conosco, porque havia respeito e sentimento de verdade por você. Mas não deu tempo. Enfim, fiquei com o pau na mão hahaha Mas obrigado por aquele beijo que me roubou no ponto de ônibus e que talvez você nem se lembre mais. Acho que esta é uma das lembranças mais doces que tenho da vida.

Tá todo mundo na lona, mas querendo dar lições de felicidade. Uma porra. Um deboche e um saco. Eu ainda não sei qual a minha relação com as redes sociais. Amo e odeio. Me sinto menos entediado e ao mesmo tempo meio irritado. É tudo muito extremo. Lições e ensinamentos gratuitos de gente "feliz" e lugares lindos em meio a um monte de corações vazios e de bundas. As bundas ao menos são bonitas, geralmente. Para não me irritar, só leio as figuras, não leio nada que esteja entre aspas como citação. Um saco. Um deboche.

Daqui a pouco passa.

A vaidade é um problema. Me causa medo. Vaidade cega. Este é o meu problema com a arte. Quem faz arte, em geral, quer ser visto, chamar atenção. E querer ser visto é uma forma vaidade. Tudo é vaidade, já dizia um texto famoso depois de Cristo.

Preciso parar de ter pressa e não aprender a esperar. É isto mesmo. Você leu certo. Vou fazer merda se me apressar e posso fazer ainda mais merda enquanto tiver que esperar. Caralho. Cada um sabe qual é seu ponto fraco e este está me fudendo, talvez desde a infância. Sabe quando você sente que só precisa de uma oportunidade? É tipo isto. Só uma. Eu preciso de só uma. Aí sossego, penso eu, seja se houver sucesso ou insucesso. É uma questão meio pessoal, de provar pra si próprio.

Mas e quem precisa de oportunidade quando se tem com o que se ocupar? O ser humano é um ser social. Tem que misturar as tintas e as peles. Sentir. Se não tiver o coração na ponta da chuteira, para sentir e sofrer, não é digno de viver. Máquinas produzem e obtém reconhecimento e sucesso, mas nunca sentem. Qual a graça de conquistar o mundo e ser incapaz de viver em intimidade com outra pessoa? O outro realmente é necessário, mesmo em caso de sucesso? Sim. É preciso de intimidade, ter alguém que aprecie nossa companhia, com quem conversar naturalmente e fazer coisas que só nós dois curtimos (às vezes em quatro paredes). Sei lá. É preciso de intimidade, ainda que somente para aqueles momentos meio estranhos. Senão, vira uma merda destas: um texto com ar de perturbado e que deixas as pessoas preocupadas.

Está tudo bem, de verdade. Não se preocupe. Realmente está tudo bem. Estou vivo e sinto. Isto me basta.

terça-feira, 27 de março de 2018

Esquina da vida

Em meio ao lixo da noite,
Um corpo se oferece:
Uma alma pura
Cujo corpo perece.

Em uma esquina escura,
Um veículo aparece.
Por disparos de preconceito
Seu corpo desfalece.

Cápsulas,
Um corpo,
E sangue.
Tudo pelo chão.

Dez tiros.
Alguém ouviu.
De quem?
Ninguém viu.

O que dirão os homens?
Mais uma estatística.
Um crime sem resposta,
E sem interesse da polícia.

Vi seu corpo,
Como não gostaria de ver.
Me restam as lembranças
Daquela tarde com você.

Um mês depois...
Você me perdoa?
Só vi porque senti.
Não te esqueci.

Pessoa de bons adjetivos,
Mas será julgada sem razão.
Desculpe-me pelos vivos.
Por eles te peço perdão.

Deus perdoa;
Foi homem,
Viveu o abandono
E morreu de injustiça.

Que na imensidão da morte
Abra-se o caminho da vida,
Cicatrizem-se as feridas
E Sua alma encontre a paz.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Reciprocidade

Há nuvens sobre sua cabeça. Consegue ver? Eu queria usar uma outra palavra ao invés de nuvem, tipo "há uma áurea sobre sua cabeça", mas acho que não é áurea a palavra. Talvez seja uma parecida. Se souber qual é, me fale. Preciso sabê-la.

Há quanto tempo que não olha o céu? Elas agrupam-se e desfazem-se. Céu azul e tempestade. Todo o tempo. A vida é feita de sorrisos e lamentos.

É preciso lidar com as decepções. É assim que tem que ser. Saber enxergá-las, lembrá-las, senti-las e deixá-las. Após, o sol brilha. Sempre.

Diga a ela que lhe escreva. Com as palavras, letra e trejeitos dela. Com erros e acertos. Com a cumplicidade que só vocês sabem e que ela finge ignorar. Você parece precisar. Diga a ela. É uma questão de respeito, lealdade e, na pior das hipóteses, um ato de amizade.

Consideração e respeito. Quem ainda o tem? Dá pra acreditar?

Não há momento. Nem bons e nem ruins. Há uma sucessão de acontecimentos. E eles acontecem. Somente acontecem. Tipo merda, sabe? Acontece, às vezes. Mas merdas acontecem.

Há que se respeitar a afinidade. Quando surge naturalmente, deve somente ser seguida e respeitada. Não se pode querer ter controle sobre a afinidade. Não há que se falar em melhor momento ou um mau momento para que ela possa ser mantida.

Diga a ela que fale, que lhe escreva.

Você pode não acreditar, mas estou firme em minhas decepções.

Não há tristeza ou depressão que justifique levar a própria voz da consciência à terapia. Os pensamentos estão em ordem e em paz. Sinto falta. Penso. Mas é contornável.

Você sente o cheiro. Sente que há algo no ar. Mas não há nada, além de nuvens. Céu de brigadeiro. E eu nem gosto tanto de doces. Só de estrelas.

Apenas preciso que me deixem seguir e que parem de me roubar. Não suporto treinar muito para ser roubado.

Acho que preciso somente da humanidade por trás de um bilhete de lealdade e afinidade. Isto me basta.