sexta-feira, 28 de junho de 2013

É lá! É lá!

É lá que eu deveria estar!

Foi essa a sensação que tive no histórico dia 20 de junho de 2013; dia no qual cerca de 100 mil capixabas foram às ruas da Grande Vitória protestar contra "isto tudo que tá aí". Neste dia eu fui liberado do trabalho às 15 horas, tempo de sobra para me juntar aos manifestantes que iriam sair às 18 horas do campus da UFES. Era lá que meu coração dizia que eu deveria estar. Meu coração. Não minha razão.

Era o dia do "Basta". O dia de mostrar a cara, de dizer ao mundo, àqueles que sabemos quem, que não dá mais e que uma parte considerável dos brasileiros não está tolerando mais "isto tudo que tá aí." Eu estava envolvido emocionalmente e iria me manifestar por ímpeto, por amor à nação, por orgulho ferido como brasileiro. Eu iria por uma questão de pele, visceral. Eu iria só pra poder gritar com o povo que existimos e precisamos ser vistos. Eu iria, mas não fui...

Como sempre, quando coloco minha razão para funcionar, eu me torno um cara de atos lentos. Quando penso demais ajo com delay. Dou respostas lentas. E foi isso que aconteceu. Pensei demais e acabei dentro de um ônibus indo pra Vila Velha às 15 e qualquer coisa da tarde. Comecei a pensar quais resultados concretos ir às ruas traria para a população e aí eu não fui mais. Não fui por falta de coração. Ou será que por excesso de suposta racionalidade?

Pensei que enquanto o povo marchava nas ruas às 20 horas os deputados estavam em suas casas rindo da cara da população, pensando em como o povo é tolo e voltará a votar errado em 2014. Pensei que ir à Assembleia Legislativa quando os representantes do povo não mais lá estivessem seria como que ir a um puteiro sabendo que todas as meninas foram pra casa. É como fazer greve à meia-noite. Vai surtir que efeito? Pensei que ir às ruas tem um valor imenso sob o aspecto de resgatar um pouco do comprometimento do brasileiro com o rumo das coisas e pode efetivamente surtir efeito quando se tem uma bandeira bem definida. Pensei que o povo ter ido às ruas com o rosto pintado pressionando o congresso a derrubar o Collor, bem como anos antes ter ido às ruas exigindo "Diretas Já" só surtiu algum efeito porque as manifestações populares tiveram metas bem traçadas. Pensei que as manifestações dos estudantes do ES em 2005 só conseguiram abaixar as tarifas de ônibus e o passe livre porque a razão das manifestações era clara. Pensei que ir às ruas gritar "basta" contra tudo não tem muito efeito. É simbólico, sem dúvidas, mas pouco efetivo. Pensei que ir às ruas exige um mínimo de bandeira de luta. Metas claras. Pensei que não basta ir às ruas com cartazes de "chega de corrupção" e não pressionar os órgãos públicos responsáveis por combatê-la, por exemplo.

Talvez ter estudado direito me fez ver as coisas sob um prisma mais sistêmico. Explico. Sou um defensor do "sistema". Um defensor do uso dos meios de luta propiciadas pelo sistema. Conhecer um pouco das leis brasileiras me fez entender que, na maioria das vezes, mais faz um cidadão que faz uma denúncia anônima no Ministério Público requerendo investigação e apuração de uma situação de aparente mau uso de dinheiro público do que 1 milhão de pessoas que vão às ruas gritar "Chega de corrupção", mas nem sabem a quem denunciá-la. Não é que uma manifestação não tenha valor. Não é isso. O que quero dizer é que a população faz mais quando denuncia os fatos de que toma conhecimento aos órgãos competentes para apurá-los e se organiza em associações civis para cobrar medidas eficazes junto a esses órgãos. Felizmente temos instrumentos fornecidos pelo próprio sistema para lutar contra a corrupção e outros males que milhares foram às ruas gritar contra. O que falta é fazer uso desses instrumentos de controle social. Saber que há corrupção todos sabemos, o que falta é fazermos uso dos meios existentes para combatê-la. Quantos sequer sabem a que órgão dirigir uma denúncia de irregularidades na atuação de um deputado? Não falta lei e nem sistema pra combater a corrupção. Por isso, acho que ajudo mais ensinando as pessoas sobre as competências de cada órgão público, a quem se dirigir, do que indo pra rua gritar "basta".

Ano que vem voltaremos a eleger corruptos. Elegeremos corruptos que ficaram rindo, do alto de suas coberturas na praia, das 100 mil pessoas que foram às 20 horas protestar/gritar/pedir "pelo amor de Deus" diante de uma assembleia legislativa vazia. Isso fará com que muitos digam que tudo foi em vão. Mas eu que não fui às ruas digo que aqueles que foram não agiram em vão. Ir às ruas é sinal de força, embora não mude muita coisa quando as bandeiras de luta não são bem delimitadas. Direi que perdemos uma boa chance dia 20 de junho de 2013; uma chance de ter abraçado uma grande bandeira que é capaz de mudar profundamente "tudo que tá aí". Poderíamos ter ido às ruas lutando só por "reforma política já". Algo assim é realmente capaz de mexer com o espírito dos corruptos. Tudo que um corrupto não quer é ir contra a opinião popular. Pressionar o Congresso a votar a reforma política com manifestações diárias Brasil afora, como foram os protestos por "Diretas Já" e pela queda do Collor, dá resultado prático. Vide a votação da PEC 37 nesta semana. Vários deputados que eram a favor dela mudaram repentinamente de ideia porque houve pressão popular de todos os lados. É preciso ter racionalidade ao levantar uma bandeira nas ruas. É preciso saber jogar o jogo. Saber "chantagear" os corruptos que fazem tudo para não contrariarem a opinião pública de milhões que foram às ruas. As manifestações populares têm esse poder. Os representantes do Legislativo sabem que nós sabemos o que eles fazem e se valem de nossa falta de organização para continuar fazendo o que fazem.

O povo foi às ruas no dia 20 de junho de 2013 apenas com o coração. Não dá pra ser só assim. Mas é perdoável, afinal, não dá pra todos levantarem uma mesma bandeira em uma manifestação que surgiu de forma tão espontânea. Eu também queria ter ido gritar, botar pra fora. Mas não dá pra ser sempre assim. O erro, a meu ver, é levar pra cada nova manifestação de grande mobilização popular nas ruas algo próximo de 10 a 20 reivindicações. Não dá. Quem tudo quer, nada tem. Melhor seria se todas as novas manifestações Brasil afora tivessem bandeiras nacionais em comum, mas isso é difícil de se pensar quando se fala em movimentos com milhares/milhões de pessoas. É preciso que nesse momento de rara união nacional saibamos lutar por aquelas questões que são mais urgentes aos interesses da população (reforma política, reforma tributária...). É preciso que não desperdicemos esse momento, porque o Congresso tá cagando pra gente e só cede quando é pressionado pela população de maneira reiterada em relação a um tema específico. Quando se luta por melhorias em tudo, corre-se o risco de cair no senso comum, de se perder a razão e não se alcançar nada.

Anote aí. Ano que vem muitos vão dizer que o "gigante voltou a dormir", que foi tudo em vão e voltarão a dizer que "este país não tem jeito", "só tem corrupto", que faltam recursos pra educação, saúde etc. Como disse, penso que 20 de junho de 2013 não terá sido em vão, mas ficará uma sensação de que poderia ter sido melhor aproveitado. Espero que isso motive novas manifestações populares, que possamos aprender com o erro do 20 de junho de 2013 e que a partir disso o brasileiro volte às ruas, só que agora com reivindicações mais claras e pontuais, porque se for pra gritar sempre contra "tudo que tá aí" não vai dar pra mudar muita coisa e vamos nos decepcionar.

In memoriam dos blogs falecidos que ainda sigo na esperança de que "acordem".