sábado, 1 de dezembro de 2018

Ana Marcela

É preciso buscar nas pessoas o que elas têm de melhor. Aliás, não é preciso necessariamente buscar, mas conseguir enxergar.

Não há inverno que dure para sempre e nem pessoas sem qualquer qualidade. Assim como as estações se alternam a cada 4 meses, as pessoas mudam, mas em uma frequência maior. Os quereres de agora não são mais os quereres de anos, meses, dias ou até mesmo de horas atrás. Somos "metamorfoses ambulantes". Estamos mudando a todo o tempo, ainda que com diferentes velocidades.

Por mais corrompidas e viciadas que as pessoas possam aparentar ser ao nosso subjetivo julgamento, todas elas trazem em si qualidades. Saber descobrir, conseguir enxergar e bem utilizar estas qualidades é um grande, porém, delicioso desafio.

Alguém já disse, em algum lugar, que um desafio é um problema que escolhemos ter, ao passo que um problema é um desafio que não escolhemos ter. Decifrar as pessoas deve ser visto como um desafio. Um desafio que se renova na metamorfose dos anos, meses, dias e horas.

Dispor-se as explorar as qualidades do outro é, em alguma medida, um exercício de humildade, de reconhecimento das potencialidades que o outro pode ter.

Em um mundo onde tudo é cada vez mais relativo (para o bem e para o mal), às vezes é preciso relativizar aquilo que vemos como defeito para, só assim, conseguir enxergar qualidades no outro. O preconceito cega e impede que consigamos enxergar o que as pessoas podem ter de bom.

Óbvio que todos nós temos nossa própria régua daquilo que julgamos ser um defeito ou uma qualidade e do quanto algumas características alheias podem nos parecer inaceitáveis/insustentáveis. Mas por mais paradoxal que isto possa parecer, é preciso enxergar além do "dark side of the moon" das pessoas. 

Em uma sociedade cada vez mais individualista e vaidosa, tendemos a buscar primeiro os defeitos alheios do que suas qualidades. Talvez inclinados pelo senso contemporâneo de que o inferno são os outros. Em verdade, somos todos céu e inferno, sol e tempestade. Fechamos os olhos ao que as pessoas têm de brilho e buscamos avidamente pelo o que elas têm de trevas e de menos notável. Talvez por um senso de sobrevivência, de busca por proteger-se do outro, ou então, também pode ser um reflexo de nossa necessidade de, ainda que implicitamente, buscarmos nos afirmarmos como superiores em uma sociedade onde tudo é cada vez mais concorrido e sujeito a likes e dislikes.

Costumo dizer que a história é escrita pelos "vilões" e pelos "malvados" e que os homens "bons" não marcam a história. O que as pessoas apresentam e fazem de ruim parece ter um impacto muito maior sobre nós do que aquilo que elas fazem e são de melhor. As lembranças e a história, assim como o noticiário, tendem a buscar as coisas ruins em detrimento das coisas boas; assim, ficamos sempre com a sensação de que as pessoas e o mundo são mais ruins do que bons. 

Ora, a mesma humanidade que produziu armas de destruição em massa foi a humanidade que encontrou diversas curas para salvar mais vidas do que as armas são capazes de ceifar diariamente. A mesma humanidade produziu Jesus Cristo e Adolf Hitler. Cabe a nós escolher qual lado estaremos mais dispostos a enxergar.

Uma vez, em um rápido papo de viagem de ônibus, perguntei a um colega de trabalho como ele percebeu e decidiu, de certa forma, que a esposa dele era a mulher com quem ele queria construir uma vida a dois e ter filhos. Em resposta, ele me disse, em suma, que todas as pessoas têm muitas qualidades e defeitos e que a esposa dele foi a pessoa com quem ele se relacionou cujos defeitos menos lhe incomodaram e mais eram toleráveis. 

Ou seja, ele escolheu sua esposa, em alguma medida, sopesando o quanto os defeitos dela eram menores do que os de outras pessoas, segundo o padrão estabelecido pela régua pessoal dele. Achei este ponto de vista intrigante. Óbvio que ele avaliou as qualidades dela, mas os defeitos tiveram um papel primordial no processo de escolha. 

Para entender este raciocínio, cheguei à conclusão de que, no fim das contas, ele relativizou os defeitos dela a ponto de eles tornarem-se pouco relevantes e as qualidades se sobressaírem. E aí tudo fez sentido para mim e corroborou minha ideia de que para ver as qualidades não precisamos ignorar os defeitos, mas não deixar que eles ofusquem o que as pessoas podem guardar de melhor.

É preciso escolher um referencial: enxergar com mais interesse o que as pessoas apresentam de melhor ou aquilo que elas apresentam de pior.

O relevante é o ponto de encontro entre tudo aquilo que somos e aquilo que efetivamente interessa às pessoas. Então, se aquilo que interessa ao outro é o que temos de defeitos, o que nos tornará relevante ao outro será aquilo que somos de ruim, e não todo o resto que temos de bom. Daí a importância de percebermos, o quanto antes, qual referencial temos buscado nas pessoas, para que saibamos o que tornamos relevante nas relações humanas e possamos mudar o referencial adotado.

No fim, somos todos imperfeitos e falhos. Somente quando nos damos conta disto é que passamos a dar valor e a respeitar as virtudes alheias.

O mundo é bão e as pessoas também.

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