domingo, 15 de maio de 2011

[FILÉ COM FRITAS] Estamos aí

[FILÉ]

Há muito tempo tenho me perguntado por que será que temos medos e somos inseguros? A conclusão a que cheguei foi, em linhas gerais, que temos medos e insegurança porque não sabemos de onde viemos e nem para onde vamos. Concluí que essa seria a base de todo o caos, a razão que antecederia todas as demais. É claro que algum "peito de aço" que por aqui passe pode se manifestar no sentido de que "eu não tenho medo de nada" ou de que "sou sempre um cara seguro de meus atos e escolhas". Mas eu questiono: será mesmo? Você nunca se questionou antes de tomar uma decisão? Ou então, você nunca se arrependeu de uma escolha feita? Esses dois momentos, ainda que sutis, já representam uma insegurança, ou não?

Enfim, a minha opinião é a de que todos somos inseguros (alguns mais, outros menos) e temos medos (desde os mais mesquinhos e individualistas até os mais genéricos). E qual a razão central? Ou seja, qual é a razão de todos os medos e insegurança? A incerteza acerca de onde viemos e para onde vamos. Explico.

Você pode me dizer que sabe de onde veio, afinal, tem sobrenome (logo, uma linhagem familiar) e veio da barriga de su mama. Mas analisando você, como Ser Humano, você é capaz de dizer com certeza por que existe ou por que o mundo existe? Vamos abrir um parênteses. Se você crê em uma entidade criadora do Universo com propósitos que só ela conhece, mas que você talvez imagine quais sejam, você se sente mais seguro quanto ao seu passado, sente certa firmeza no chão em que pisa. Se você crê no Big Bang como origem de tudo, você também tem certa segurança quanto à sua origem. Ou seja, seja pela fé ou pela ciência, temos um pouco de certeza sobre de onde viemos, ou melhor, um pouco menos de incerteza. Mas por outro lado, isso não resolve muita coisa, porque surge outra questão: por que eu estou aqui? Qual a minha finalidade? Aí o chão fica mole de novo. Enfim, as pessoas evitam se perguntar coisas desse tipo, porque acendem tantas dúvidas que tudo o mais passa a se tornar sem sentido.

Dessa forma, uma conclusão que já destaco é a de que o passado não contribui tanto quanto o futuro para as nossas inseguranças e medos, afinal, evitamos mexer muito com o passado para sempre termos algo no que pisar. Mas ainda assim contribui, pois sempre que vamos "cavucando" demais nossas origens como Ser Humano vamos perdendo um pouco da nossa segurança. Melhor então acharmos que sabemos de onde viemos, ainda que seja com base em verdades que abraçamos com todas as nossas forças.

"O bicho pega" mesmo é quando pensamos no "pra onde vamos?". Alguém deve ter pensado logo: "Ué, vamos morrer!". Concordo, vamos morrer. Mas o que é a morte? (Agora fudeu). Abro um novo parênteses. Ainda que tenhamos convicções religiosas sobre o que acontece após a morte e sobre o que ela pode ser, ainda assim tais conclusões se baseiam em verdades que abraçamos, mais uma vez, diga-se de passagem. Mesmo tendo como certeza ao olhar para frente a existência da morte, a questão é: o que vai acontecer até chegarmos lá? Não sabemos nem quando ela vai chegar... É muita incerteza junta! Dá pra surtar ou até pirar. É como se estivéssemos num túnel onde se olharmos para trás vemos um foco de luz ao fundo e se olharmos para frente não há luz, só trevas. É isso que dá medo e insegurança (na minha opinião): ter pouca certeza sobre de onde veio e menos ainda sobre para onde vai. Caminhamos em direção ao escuro sem saber o que pode acontecer. Isso não gera medos e inseguranças?

E o mundo nos cobra escolhas, nos cobra um constante andar para frente em direção à escuridão. Cada um acaba se virando como pode para conseguir caminhar no breu, sendo que basta um grito de alguém no túnel e tudo aquilo que construímos com um ar de certeza e solidez balança e, às vezes, cai. Por quê? Medo do escuro. Precisamos ir construindo nossas vidas sobre bases aparentemente sólidas para irmos ganhando confiança no túnel, o problema é que, como já dizia Marx (segundo o Google), tudo o que é sólido se desmancha no ar. Somos todos inseguros e medrosos que buscam solidez nas coisas para avançar na vida.

Pensando assim, por exemplo: o ladrão e o corrupto roubam porque são inseguros (como todos) e buscam na riqueza a segurança (solidez) para avançar no túnel; eu rezo porque a fé me dá solidez para avançar; você busca em sua família, em seus amigos, em sua namorada (ou seu namorado) segurança para ir à frente. E assim por diante.

Desde que nascemos temos medo, isso é normal da condição humana; há os que temem a morte, a miséria, a fome, a solidão... Comecei com esses pensamentos sobre os medos e inseguranças de cada um vendo um diálogo da peça "Auto da Compadecida" (de Ariano Suassuna - segundo o google) na forma de filme. Na parte final da peça/filme os personagens principais estão todos mortos (exceto Chicó) e sendo julgados por Jesus (Manuel) e pelo Diabo (Encourado), nesse instante João Grilo pede que Nossa Senhora (A Compadecida) interceda por ele e pelos demais. Segue o diálogo:

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A COMPADECIDA
Intercedo por esses pobres que não têm ninguém por eles, meu filho. Não os condene.
MANUEL
Que é que eu posso fazer? Esse aí era um bispo avarento, simoníaco, político...
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A COMPADECIDA
Mas isso é a única coisa que se pode dizer contra ele. E era trabalhador, cumpria suas obrigações nessa parte. Era de nosso lado e quem não é contra nós é por nós.
MANUEL
O padre e o sacristão...
Gesto de desânimo.
A COMPADECIDA
É verdade que não eram dos melhores, mas você precisa levar em conta a língua do mundo e o modo de acusar do diabo. O bispo trabalhava e por isso era chamado de político e de mero administrador. Já com esses dois a acusação é pelo outro lado. É verdade que eles praticaram atos vergonhosos, mas é preciso levar em conta a pobre e triste condição do homem. A carne implica todas essas coisas turvas e mesquinhas. Quase tudo o que eles faziam era por medo. Eu conheço isso, porque convivi com os homens: começam com medo, coitados, e terminam por fazer o que não presta, quase sem querer. É medo.
ENCOURADO
Medo? Medo de quê?
BISPO
Ah, senhor, de muitas coisas. Medo da morte...
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PADRE
Medo do sofrimento...
SACRISTÃO
Medo da fome...
PADEIRO
Medo da solidão. Perdoei minha mulher na hora da morte, porque a amava e porque sempre tive um medo terrível da solidão.
MANUEL
E é a mim que vocês vêm dizer isso, a mim que morri abandonado até por meu pai!
A COMPADECIDA
Era preciso e eu estava a seu lado. Mas não se esqueça da noite no jardim, do medo por que você teve de passar, pobre homem, feito de carne e de sangue, como qualquer outro e, como qualquer outro também, abandonado diante da morte e do sofrimento.
(grifo nosso)
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Enfim, senhores, nossa existência tem fundamentos muito frágeis, somos pequenos diante da complexidade do Universo. É natural que tenhamos medos e incertezas em nossas vidas, afinal, não sabemos nem mesmo para onde caminhamos. Como poderíamos ser seguros e não ter medos numa situação dessas? É preciso se apegar em algo, seja na religião, seja na riqueza, seja nas pessoas... Ou então, melhor nem pensar nessa incerteza cruel quanto ao nosso futuro, afinal, às vezes mascarar incertezas dá coragem para seguir, ainda que seja apenas temporariamente.
Portanto, nesse contexto de tantos medos e inseguranças por não sabermos de onde viemos e para onde vamos, o melhor a se fazer é se apegar no que dá segurança. Por isso, creio que nunca devemos esquecer nossas "origens", de onde imediatamente e superficialmente viemos (nosso passado conhecido). Devemos sempre nos lembrar e respeitar nossa família, nossa origem social, nossos amigos de outrora. Essa é a nossa base "concreta", o nosso porto seguro, aquilo que compõe aquele chão (ainda que meio mole) no qual pisamos e do qual necessitamos para seguir. Isso é o que não se apaga, independente de para onde caminharmos e de quanto nos afastarmos de nossas "origens", isso pode ser aquela luz no início do túnel, porque de resto não sabemos para onde vamos. Apenas estamos aí, esperando sabe-se lá o quê para irmos embora para sabe-se lá onde. Apenas estamos aí...

* apesar do texto até certo ponto sem referenciais religiosos, saliento que tenho minhas convições e verdades religiosas acerca do assunto. Todavia, respeito quem não possui tais convicções e busca verdades em outros lugares, como na ciência, por exemplo.