domingo, 22 de julho de 2018

Overtime

Às vezes, a vida é triste como uma eliminação ao fim de uma prorrogação ou de uma série de cobranças de pênaltis.

Na eliminação, não há justiça, só tristeza.

Durante alguns anos, existiu no futebol a figura do "gol de ouro", também conhecido como "morte súbita", segundo a qual, após o empate no tempo normal de jogo, os dois times se sujeitavam a dois tempos extras de 15 minutos (prorrogação), nos quais, o primeiro time a marcar um gol vencia a partida e ela era imediatamente encerrada. Anos de muitas eliminações dolorosas, nascidas de um gol tomado em um curto momento de desatenção e de falha. Um gol inapelável, após o qual não havia mais oportunidade de continuar jogando e tentar vencer. Um gol de despedida, como são os encerramentos inesperados e dolorosos.

Muitas vezes a vida é assim. Somos eliminados sem muita compaixão após um único deslize. Jogar bem nunca garantiu sobrevivência em uma "morte súbita", na qual, como o próprio nome diz, apenas se morre repentinamente, sem maiores oportunidades. Uma eliminação assim é muito dolorosa, impõe a lembrança do erro em looping na memória. Aquele momento de deslize que ocasionou o gol da eliminação é figura recorrente nos pesadelos noturnos. Aquela sensação de boca seca de incredulidade e impotência não passa facilmente. Algumas noites, até se sonha que ao contrário de se tomar o gol da eliminação, foi feito o gol da classificação. Mas ao fim, tudo não passa de um sonho e lá estamos nós novamente, em mais uma manhã, a lamentar o gol sofrido.

Todos nós temos nossos recuerdos dolorosos. Aqueles que não se apagam, como um gol tomado em uma inesperada prorrogação com "gol de ouro". Recuerdos que insistem em não se apagar com facilidade, que deixam sempre mais sentimento de culpa do que de reconhecimento pelo o que foi realizado para levar o jogo até ali.

As noites de eliminação são frias. Tristes. Solitárias. É comum uma lágrima descer e a garganta fechar. A dor do fim e a incerteza de uma nova oportunidade futura, misturada ao apagar dos sonhos que se construiu enquanto a vitória era possível. Nada como o redentor choro de despedida, daqueles que lavam a alma e levam todas as impurezas sentimentais. Queria conseguir chorar neste momento e me sentir livre, mas não consigo. 

Para pôr um fim a esta dolorosa tristeza, eliminou-se a "morte súbita" e manteve-se uma prorrogação na qual os dois times são obrigados a jogar os dois tempos extras de 15 minutos, ainda que um deles marque um gol em algum momento da prorrogação. Justo e reconfortante. Tomar um gol deixou de ser o fim e passou a ser o despertar por uma busca desesperada pelo gol que poderia evitar a eliminação. Muito melhor ser eliminado com o suor convicto de que se lutou até o fim dos 30 minutos de prorrogação do que com as lágrimas de uma eliminação decorrente de um derradeiro gol bobo tomado em um breve momento de desatenção.

Mas, às vezes, uma prorrogação, com ou sem "gol de ouro", não é suficiente para desempatar uma partida. É preciso recorrer-se a uma emocionante disputa de pênaltis.

Às vezes, sinto que chutei para longe o pênalti que decidiu o campeonato. É uma merda. No caminho até a marca do pênalti, tudo o que se pensa, confessam todos os batedores, é se autopreservar, independente que o time vença ou perca. Tudo que se quer é meter a bola na rede e sair com a sensação de que não se foi o culpado pela eliminação do time. Mas, às vezes (talvez a expressão mais usada neste texto), não tem jeito. Isolamos a bola que valia o campeonato.

É doloroso demais perder um pênalti que custa uma eliminação. Um pênalti perdido é uma oportunidade perdida, daquelas que talvez nunca mais tenhamos a chance de reencontrar. Hoje, me sinto um perdedor de pênaltis, daqueles que tem chutado para fora todas as oportunidades de vitória e arrancado lágrimas de quem assiste. Um pênalti carrega em si os sonhos de muita gente, inclusive os seus. É um ingresso de entrada para uma nova batalha rumo à vitória final ou uma porta que se fecha, até daqui a quatro anos ou para sempre.

Quando se perde um pênalti, nunca se sabe o quanto ele realmente custou. Às vezes (de novo), pela idade, pelos envolvidos e pelas circunstâncias, até se sabe que foi a última chance. Às vezes, ainda resta a esperança de uma nova oportunidade. E quem garante? Muitas incertezas na derrota e poucas respostas na tristeza.

A vida é assim.

Entre as lágrimas de uma eliminação, pode até haver abraços de amizade ou aplausos de reconhecimento. Mas o que fica é a culpa pela oportunidade desperdiçada, a incerteza do futuro e los recuerdos dolorosos.

Pênalti, só perde quem bate, quem se oferece a bater. Só sofre quem apresenta coragem de encarar e confiança de vencer. Mesmo com coragem, com bravura, com heroismo, se pode perder. E perder é sempre perder, com ou sem merecimento. O resultado é o mesmo e o sofrimento também. Se pode perder sendo amável e honesto, assim como sendo babaca e canalha. O sabor de derrota é o mesmo. Não há justiça na derrota e, às vezes, nem lágrimas. Só tristeza.

Não falo mais de seios.

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