quarta-feira, 27 de junho de 2018

Pode tocar que é nossa

Foi com a frase do título que Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção brasileira na Copa do Mundo de Futebol de 1994, desceu as arquibancadas do estádio Rose Bowl em meio aos torcedores e deixando que todos tocassem por um instante na taça de campeão mundial de futebol, em uma das cenas mais singelas e bonitas da história de todas as Copas.



É Copa, pae! Tem que respeitar.

Como tradição neste blog, toda Copa tem seu(s) texto(s). Tô feliz pra caralho! Que Copa, senhoras e senhores. Ela está cada vez mais linda. Se em 2010 ela acordou feia e em 2014 ela acordou arrumada para sair e já de sapatos, como presidenta Dilma; em 2018 ela está na plenitude da beleza, uma beleza natural e encantadora, mas com alguns retoques tecnológicos (quem nunca...).

Em mais de 32 partidas (mais da metade do torneio) só teve um 0x0. Futebol que dá gosto de ver. Partidas disputadas e com gols, para apagar a horrorosa lembrança da Copa de 2010, na África do Sul. Não existe mais bobo no futebol. Pela primeira vez um país asiático venceu um sul-americano, a Coréia do Sul eliminou a temida Alemanha e todos os países, inclusive dentre os eliminados, marcaram gols. Lindo demais! Panamá perdeu de 6x1 para a Inglaterra e vibrou o único gol feito como se fosse o do título. O México venceu a Alemanha e vibrou como em final de Copa. Tite deitou e rolou no gol suado do Brasil contra a Costa Rica. Os alemães, argentinos e uruguaios festejaram gols decisivos no final de suas partidas de maneira contagiante. Professor Óscar Tabarez e sua doença degenerativa que lhe faz comandar o Uruguay usando muletas. A volta do Peru a uma Copa após mais de 30 anos e uma vitória na bagagem.

E o V.A.R.? Polêmico. Mas diminuiu (sem eliminar) os erros, penso eu, e tornou os resultados mais justos (ao menos na maioria dos jogos). Injustiças sempre acontecem no futebol, mas o V.A.R. veio para diminuí-las. Minha bronca é mais com a falta de critério da arbitragem em sua utilização, o que alimenta erros e a sensação de injustiça mesmo com uso da tecnologia. O ideal, penso eu, é que fosse seguido o modelo do vôlei, do basquete americano e do futebol americano, nos quais os times é que solicitam quando que querem o uso da tecnologia em algum lance (desafio à arbitragem). O ideal, penso eu, é que se pudesse solicitar pelos times em, sei lá, 3 lances de cada tempo, para não virar uma coisa a ser pedida a toda hora e a arbitragem não escolher em seu subjetivismo os lances a serem confrontados com a tecnologia.

E a geração Neymar e cia? Uma geração de mimados... Uma pena. Muito talentosos, mas muito mimados. Ainda inexperientes para ganhar uma Copa, embora fossem ainda mais em 2014. Podem perder a cabeça em um jogo muito adverso e perdermos a Copa, mais uma vez, pelo lado psicológico. Mas podemos ganhar se o talento deles suplantar a inexperiência. Esta seleção é estranha, repleta de jogadores que jogam no exterior, foi incapaz de fazer um amistoso de despedida no Brasil antes de partir para a Rússia, como outras seleções fazem. Preferiu embarcar escondida e jogar os últimos amistosos em Londres, para inglês pagar. E apesar de ser uma seleção de "estrangeiros" e mercenária até nos amistosos, não resistimos e torcemos para ela. Como dizia Tim Maia: "Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita".

No geral, não consigo apontar uma seleção favorita, sobretudo diante do equilíbrio da maioria absoluta das partidas. Resultados muito inesperados. Vai ser muito divertida e emocionante essa fase final. Como profetizou Xico Sá, "todas as retrancas serão castigadas". E estão sendo. Times que querem segurar empates e se defender estão indo embora aos montes nesta Copa.

São tantas emoções...

Copa é diferente. É uma vez só a cada 4 anos. Justifica toda a paixão mundial. O encontro dos povos, o encontro dos melhores no esporte mais querido do planeta. Lindo demais. Emocionante demais. Para perceber isto, é preciso ver a Copa como mais que um campeonato de "pão e circo". É preciso ver as histórias por trás de cada país, entender o que aquele momento representa para cada povo participante. É entender, por exemplo, que no Irã as mulheres não podem ir a um estádio de futebol, mas que foram assistir sua seleção na Rússia. Isto é simbólico demais. É muito mais que só futebol. Isto justifica você querer assistir todos os jogos, até mesmo um movimentado Japão x Senegal. Ninguém é obrigado a gostar de futebol, mas quando se percebe o verdadeiro sentido de uma Copa, se entende que ela é tão deliciosa, ou mais, que uma Olimpíadas. O futebol não é o culpado dos problemas de nenhum país, não somos o que somos politicamente por causa do futebol. Ele, no fim, apenas torna nossos dias menos duros e tristes.

E a Rússia? Um país grandioso não só em tamanho, mas em tudo. Um país que é tão grande quanto misterioso, meio esquisito, às vezes. O país que nos deu os cosmonautas, que venceu a 2ª Guerra Mundial para o Ocidente, que nos deu a experiência socialista, que nos deu a beleza do balé, que convive entre a linha tênue do alcoolismo institucionalizado e do conservadorismo. A Rússia é encantadora em seus mistérios e em suas bizarrices. Muito deu ao mundo e muito ainda tem a aprender com o mundo.

A Copa abriu a Rússia ao mundo (sempre aos poucos, como de costume) e o mundo abriu a Rússia, trazendo para dentro dela um universo plural de raças, religiões, sexualidade e etc. A Copa está fazendo muito bem aos russos, que, espia só, parecem estar menos frios. Suspeito que estejam gostando de tanta gente diferente em meio à fria e pouco plural vida russa. A Rússia é encantadora. O mundo ocidental, para variar, pintou previamente a imagem dos russos como "devoradores de criancinha", racistas e preconceituosos, alertou sobre os riscos de alguns comportamentos despertarem reações agressivas nos russos e até na polícia russa. Mas, ao menos até agora, não ouvi falar de nenhum episódio nesse sentido. Ao contrário, os russos parecem estar lidando muito bem com o mundo. Não descarto a possibilidade de que possam estar contando as horas para se livrarem dos visitantes e voltarem a viver o peculiar modo de vida russo. Mas prefiro acreditar na sinceridade da lágrima que a ursa Misha derramou delicadamente ao se despedir do mundo ao fim das Olimpíadas de Moscou em 1980.


Desta vez, nós é que sentiremos saudades. E ainda mal está na metade.

domingo, 10 de junho de 2018

En vivo

Sem vida, toda paisagem é morta.
É a imprevisibilidade da vida que traz graciosidade ao belo, e ao feio.
Um corpo que se mexe em meio à paisagem morta ou à lama.
Onde há corpo e movimento, há vida.
Mas sem corpo, não há crime.
Mentira deslavada! Sempre há crime.
E sempre há vida. Pra mais de metro, aliás.
Às vezes mais de uma.
Mas sempre há morte. Uma única.
E entre a vida e a morte, o que há?
Só vida.
Então viva!
Porque enquanto não há morte,
Só há vida.