domingo, 15 de maio de 2016

Sonho

De novo?! Sim! Hoje sim, hoje sim! Todo domingo agora é assim, dia de "coluna" no blog. Semana agitada esta que acabou, derrubaram nossa presidente, tiraram o povo do poder. Era sobre isso que eu já ia escrevendo até que, ao ouvir as músicas que terminei de baixar, ouço Andrea Bocelli cantando isso aqui. Aí lembrei do milagre de segunda-feira dia 02/05/2016: Leicester City campeão. Todos os comentaristas, sites esportivos e demais profissionais do futebol já teceram longas linhas sobre o milagre de Leicester, por que não eu?

Quando penso em Leicester campeão, me sinto orgulhoso, sem nunca ter ido em Leicester, sem jamais conhecer alguém que um dia lá esteve. Quando começou nos fins de 2015 o campeonato nacional de futebol mais valioso do planeta Terra, ninguém, talvez só o mais bêbado dos ingleses, seria capaz de apostar que o nanico Leicester City FC, que nunca antes conquistara um título de expressão na Inglaterra e que brigara para não ser rebaixado no último campeonato, poderia escandalizar o mundo e vencer a tradicional Premier League.

Durante todo o campeonato, enquanto o Leicester teimava em brigar pelas primeiras posições, o mundo esportivo tratava com desdém as chances do clube ser campeão, afinal, o que poderia fazer o pequenino Leicester contra clubes tão tradicionais, campeões e ricos?

Mas foram chegando as rodadas finais, o pequeno clube inglês foi resistindo à força dos clubes mais ricos do mundo e atrasando o relógio da carruagem da cinderela, fazendo o mundo começar a suspeitar que o conto de fadas poderia ser uma história real. E assim foi rodada a rodada, com cada vez mais torcedores ao redor do mundo torcendo pelo sucesso do pequeno inglesinho frente à artilharia pesada dos multicampeões times da terra da rainha, até a inesquecível segunda-feira dia 02/05/2016, quando o Leicester sagrou-se campeão.

A história do Leicester é um conto de fadas do futebol, no qual um time formado por jogadores baratos rejeitados por grandes clubes, muitos mais acostumados em jogar as divisões secundárias do futebol inglês do que a primeira divisão, conseguiu sagrar-se campeão da liga nacional mais cara do planeta. É a história de um treinador italiano que nunca havia conquistado um grande título de verdade, que foi chutado em sua última experiência profissional e que apostou pizzas com seus jogadores em caso de vitórias durante a temporada, vindo agora, no fim da carreira, a ganhar respeito.

O milagre de Leicester é um pouco do milagre de nós mesmos, da gente comum, que precisa ter coragem para todos os dias disputar espaço com aqueles que são mais privilegiados financeiramente e intelectualmente, que precisa trabalhar firme para ter uma chance de sonhar, que precisa saber resistir nos momentos críticos que indicam não ser possível prosseguir. O sonho de Leicester representa aquele sonho que uma pessoa simples acha ousado até de sonhar e que, quando acontece, não se consegue nem acreditar.

Em um futebol moderno de cifras milionárias, Leicester representa a magia do esporte, a chama que não se apaga no coração dos amantes do esporte e da vida.

Andrea Bocelli prometeu ao seu amigo Claudio Ranieri, técnico italiano do Leicester, que cantaria no último jogo do time em casa, caso ocorresse o improvável título; e cumpriu. Em uma cena de arrepiar, Bocelli, que descobri ser cego, cantou para um estádio cheio de pessoas que mal acreditavam que o sonho tornou-se realidade. Bocelli, um cego, que carrega na voz o canto daqueles que fizeram e fazem, diariamente, aquilo que a lógica diz não ser possível, fechou de modo triunfante esse sonho da vida real. Obrigado, Leicester!


Me arrisco a dizer que até os céus pararam para contemplar esse espetáculo.

domingo, 8 de maio de 2016

Vida

Hoje é, oficialmente, dia das mães. Dia de celebração da vida, em seu duplo sentido. Pôr um ser no mundo, seja como pai ou mãe, representa celebrar uma vida que nasce e uma vida que renasce, daí o duplo sentido mencionado por mim.

Ser responsável por uma vida muda o modo de vermos nossas próprias vidas. Não precisa ser pai ou mãe para saber disso; basta, guardadas as devidas proporções, experimentar viver a sensação de ser responsável por cuidar de um ser que depende de você, como um animal de estimação ou uma planta. Aliás, atualmente, cuido de uma planta na varanda de meu quarto, uma planta que me seduz a cada semana com novos ramos verdinhos, que crescem fortes, bonitos, como se em agradecimento aos meus cuidados.

Poucas coisas podem ser tão enriquecedoras em nossas vidas como ter uma vida sob nossa dependência. Cuidar de uma vida valoriza nossa própria existência, nos torna importantes e, de alguma forma, mais preocupados em cuidarmos de nós mesmos.

Mas não se engane! Cuidar de uma vida também representa uma parcela de renúncia de si mesmo, abrir mão de parte de nossa individualidade, abrir mão de tempo (pouco ou muito), de momentos em que se desejava estar a fazer outra coisa, de oportunidades e por aí vai. Cuidar de uma vida dá trabalho, o qual pode ser recompensado ou não, a depender da visão de nós mesmos sobre a vida.

Dentro dessa lógica, escolher ter uma vida para cuidar mostra-se algo cada vez mais controvertido. Não é mistério para ninguém que vivemos em uma sociedade individualista, na qual nossos desejos e metas pessoais se sobrepõem, na maioria das vezes, à vida em sociedade. Nesse sentido, é cada vez mais comum vermos casais que optam por, primeiro, viverem anos "livres" de filhos para curtirem a vida a dois e alcançarem mais facilmente suas metas profissionais para, depois, quando houver tempo, terem filhos. 

Acontece, no entanto, que nem sempre o tempo passa e alcançamos nossas metas pessoais e então, quando ter filhos passa a não influir mais no insucesso pessoal alcançado, se decide tê-los. O problema é que, mais velhos e desgastados pela vida e por suas preocupações, nem sempre estamos no melhor momento de nós mesmos para se dedicar à vida de outro ser, surgindo dificuldades, às vezes, até para reunir condições físicas para brincar com uma criança e gastar energia com ela.

Decidir não ter filhos, cada vez mais, se tornou uma demonstração de individualismo, de garantia de mais de nós mesmos para nós e de menos de nós mesmos para os outros, ainda que nascidos de nós. Os valores propagados pela sociedade contemporânea indicam que a maternidade e a paternidade são obstáculos para nosso crescimento pessoal, de forma que devem ser evitados ou retardados ao máximo; quando na realidade, dentro daquela ótica de dupla celebração da vida, a maternidade/paternidade representa um renascimento de nossas próprias vidas, um recomeço necessário - de onde se extrai que ter com quem se preocupar além de nós mesmos pode, ao invés de um problema, ser o ingrediente necessário para aumentar nossa sede por conquistar o sucesso pessoal, ser o estopim da bomba.

Por sorte, a maioria dos nascimentos (pelo menos no Brasil) não são planejados, embora a lógica diga que isso é péssimo. Ainda bem que os bebês acontecem. A perpetuação do sentimento de humanidade agradece. A vida ainda respira.

domingo, 1 de maio de 2016

Teoria do recato

Tempos de meias palavras; de cumprimento com mão mole; de necessaire, toilette e estrangeirismo desnecessário; de pratos gourmet; de recato.

Tempos de sofisticação forçada, no qual o que aparenta ser sofisticado ganha respeitabilidade. Ter classe e elegância, de modo geral, é algo contrário à nossa natureza animal. Analogicamente, Adão e Eva eram nus até pecarem, tendo optado voluntariamente pela "civilidade" de sempre usar vestes em detrimento da liberdade da vida nua.

O que explica vestir um terno e uma gravata em um dia infernalmente ensolarado e para trabalhar em algo que exija liberdade de movimento dos membros superiores? Civilidade. Aliás, para que servem as gravatas para além de ornamento? O que explica jantar um prato esteticamente bonito em um restaurante de alto padrão e voltar para casa com fome? Civilidade.

Ter classe se tornou um símbolo de evolução humana, como se quem consegue agir com elegância, consegue controlar seus instintos humanos de liberdade, consegue reprimir aquilo que lhe deixaria mais à vontade, fosse alguém mais desenvolvido. Afinal, não se nasce com "garbo e elegância", com classe, com civilidade; se adquire, se aprende.

É pecado ter classe? De forma alguma, mas é anti-natural não se fazer o que se quer somente porque isso pode ser considerado algo "feio", rude e ser utilizado para criar uma má impressão das pessoas acerca de você. A melhor coisa de "ser" é a liberdade de "ser", de forma que se restringir em prol de "parecer" é um aniquilamento de si mesmo.

Para algumas pessoas, no entanto, a elegância e a classe já estão de tal modo intrínseco no "ser" delas que simplificar significa um regresso, uma desevolução, um andar para trás, uma vez que já não sabem viver se não for com sofisticação, se não for com 15 talheres, mas nenhum dedo, para pegar com as mãos a "galinha" que insiste em escorregar do prato.

Às vezes tenho vontade de falar em público, com pronúncia portuguesa, as palavras estrangeiras que cada vez mais insistimos em utilizar sem necessidade, mas isso soaria estranho. Ainda quero ter coragem de chegar em uma loja que coloca "50% OFF" na vitrine e pedir para ir à "casa de banho" do estabelecimento. Sente como é feio falar "casa de banho" ("banheiro" em português de Portugal) com um brasileiro? Usar uma língua/expressão estrangeira para se comunicar com um povo que não fala aquela língua é algo como dizer que está enxergando as roupas invisíveis do imperador, é uma conduta de quem quer demonstrar classe, elegância, superioridade, sem necessidade.

Veja! Não estou a defender que as pessoas não podem ser elegantes, principalmente se só assim conseguem se sentir bem. Não estou a defender "voto de pobreza" ou que se finja simplicidade. Por outro lado, ninguém é obrigado a preferir champagne ao invés de xixa só porque beber a primeira ao invés da segunda é mais sofisticado. Veja! Não ser sofisticado e não ter classe não é pecado; aliás, me arrisco a dizer, voltando ao exemplo de Adão e Eva, que o pecado está mais na classe do que na falta de classe, afinal, o homem foi feito para a liberdade e, a partir do momento que achou necessário restringir sua liberdade com roupas incompatíveis com a temperatura de onde vive, com vocabulário estrangeiro e etc, boicotou um pouco de si mesmo, de sua divina liberdade.

Interessante que mesmo os mais sofisticados precisam ficar (ainda que parcialmente) nus para realizar suas necessidades básicas como pessoa, inclusive o sexo. Aliás, perder a classe expondo-se ao nu é um encontro com nossa verdadeira natureza, com quem somos a maior parte do tempo e não podemos expor, sendo assim injusta a vergonha que, em geral, sentimos ao expor nossas imperfeições físicas no momento da nudez. Dentro da ótica da civilidade, o sexo é uma deselegância, uma falta de recato, uma perda de autocontrole, de classe - diretamente relacionada com o livre exercício da liberdade humana, aquela que contemos em grande parte do tempo usando roupas, um vocabulário selecionado e com atitudes civilizadas.

Não desconsidero as questões de higiene por trás de alguns hábitos de civilidade. Aliás, civilidade é um mal necessário em muitos momentos, mas parece que cada vez mais a motivação para a civilidade excessiva é o caráter evolutivo, é o demonstrar o quanto somos evoluídos e capazes de aprender hábitos anti-naturais, como andar de salto alto, no caso das mulheres, e usar gravata, no caso dos homens. Quanto mais classe se demonstra, mais superioridade se exterioriza.

De verdade, respeito muito quem tem a inocência de segurar uma coxa de galinha com as mãos, de rir sem razão, de andar mal vestido e encardido, de não falar outra língua sem necessidade e de sair para comer em um restaurante e não voltar com fome para casa após comer pratos esteticamente bonitos.

É nessa inocência, na falta de medo de ser você e fazer o que lhe dá prazer, que mora a liberdade.