quinta-feira, 18 de abril de 2013

Segura que eu quero ver!

Escrever acalma; obriga as ideias a tentarem se organizar. Me dá um pouco de paz.

Cara, a vida é um fio.

Não é a primeira vez que penso sobre isso, mas cada vez que penso me surpreendo mais, como se fosse a primeira vez que chego a essa constatação.

O que nos mantem vivo é um fio de qualquer coisa muito fino. Sério. É muito fácil morrer. É até contraditório eu dizer no texto anterior que levo a vida como se nunca fosse morrer (o que é verdade) e agora eu vir e dizer que se pode morrer a qualquer momento. Entretanto, a dura realidade é essa, ainda que eu viva como se tivesse todo o tempo do mundo.

Um dos meus vizinhos tem uns 70 e qualquer coisa de idade. Clinicamente - até ontem - ele não tinha qualquer problema de saúde. Minto. Ele não andava normalmente, tinha algum problema que travava as pernas dele, que as deixava tão rígidas que ele mal conseguia andar. Ele tinha muito medo de cair ao andar, ainda que se locomovendo só 2 metros de um cômodo doméstico para outro. Só andava se agarrando às paredes ou sendo puxado pelos braços de alguém. Não saía à rua em razão desse problema. Dizem que era uma doença psicológica, decorrente do medo dele de cair. Vai saber... O que eu sei é que em razão disso, coisas simples, como tomar um banho, eram impossíveis de serem feitas por ele sozinho. No apartamento dele moram duas filhas e a mulher dele - uma senhora de uns 80 e tantos anos -, motivo pelo qual algumas vezes eu tive que ajudar a dar banho nele. Nunca tive nojinho dele estar cagado em algumas ocasiões ou sei lá o quê. Sou meio frio com essas coisas. Sei que não tenho noção de enfermagem e tampouco físico muito privilegiado para ajudar a segurar alguém mais pesado que eu. Mas sei lá. Acho que há boas ações que não devemos hesitar em realizar; há ações que só precisam de alguém para realizá-las e que devem ser feitas porque simplesmente precisam ser; todo o resto é besteira.

Enfim. Ontem pela manhã fui chamado a ajudá-lo. Não foi para um banho. Ele havia caído no banheiro, estava mijado e meio gélido. A esposa, uma das filhas e um filho dele que veio ajudar conseguiram colocâ-lo sentado em um banco no banheiro, todavia, ele não conseguia levantar a cabeça, falar e estava meio mole fisicamente (não conseguia manter-se sentado com a coluna ereta, precisávamos segurá-lo). Apesar disso, estava consciente e com movimentos nos braços. Me chamaram porque talvez eu pudesse ajudar o filho dele a colocá-lo em outro cômodo, contudo, uma vez que o senhor estava meio gélido e mole, preferimos segurá-lo sentado e acionar o SAMU. Tendo em vista que eu era o mais calmo no momento e que o senhor sempre confiou muito em mim por me julgar "estudado", tratei de ir conversando com ele para acalmá-lo enquanto esperávamos ajuda médica. Disse a ele para não ter medo, que tudo ia acabar bem logo, ainda que eu não tivesse qualquer certeza acerca disso.

E veio o SAMU. Os paramédicos, com minha ajuda e do filho do senhor, conseguiram colocá-lo sentado no sofá da sala. Após uma série de perguntas e exames rápidos decidiram removê-lo para um hospital para a realização de exames mais completos. Diagnóstico inicial: o senhor estava com a pressão bem alta, embora não fosse hipertenso ou tivesse alguma doença que justificasse esse aumento. Pelo cenário, eu que não tenho qualquer conhecimento de medicina, imaginei que era só um susto e que depois de fazer alguns exames e, no máximo, ser medicado, ele retornaria para casa - talvez ainda no mesmo dia. Foi mais ou menos isso que eu disse aos familiares dele para acalmá-los. E assim descemos o senhor por 3 andares de escadas em direção à ambulância. Levaram-no.

Então eis que 30 minutos depois recebo uma ligação da filha do senhor aos prantos dizendo que logo nos primeiros exames no hospital diagnosticaram uma hemorragia cerebral e que o velhinho ia ter que ser operado às pressas.

Um dia depois (hoje) ele está inconsciente e com grande chance de morrer a qualquer momento. E pensar que ontem eu disse a ele - olhando nos olhos dele - para não ter medo, pois daria tudo certo...

Como eu disse antes, essa não é a primeira vez que penso na fragilidade da vida. Já fui à janela com um pedaço de pão na mão e vi um vizinho ter uma morte súbita no meio da rua às 6:30 da manhã. Já vi um cara saudável passar o domingo no mesmo churrasco que eu e três dias depois morrer no hospital por complicações de uma apendicite que ele nunca soube ter. Fora os inúmeros casos que já vi na TV de gente morrendo do nada.

Sabe... É muito fácil morrer. Você pode morrer estando num ônibus desgovernado, tomando uma bala perdida, bebendo/comendo algo contaminado, indo em uma boate exatamente no dia em que ela vai pegar fogo (incêndio na Boate Kiss), tendo seu carro engolido na estrada por um motorista embriagado, estando em um avião que vai cair, sendo atropelado por um motorista que perde o controle do carro e invade inesperadamente a sua calçada ou simplesmente tendo uma veia estourando subitamente dentro de sua cabeça.

É muito fácil morrer. Nossa existência é muito frágil. O que nos faz ter a certeza de que terminaremos o dia de amanhã? Não há qualquer certeza. A verdade é que se pode morrer sem sequer sair de casa. Todos os dias temos muitas relações com o mundo, tanto de maneira consciente como insconsciente. Temos contato com muitas variantes que não podemos controlar. É como se todos os dias tivéssemos a oportunidade de morrer. Não quero ser pessimista, mas apenas demonstrar que somos algo muito frágil no universo, que não temos controle sequer sobre a nossa "hora". O que te fez terminar o dia de hoje vivo? Sorte? Deus? Destino? Seja lá qual for a sua resposta, seja grato. Quando a morte te escolhe, não dá pra segurar. Ela vem e leva.

A verdade é que é fácil morrer; difícil é viver.

Que esta não seja a hora do Sr. Valdir.