sábado, 10 de novembro de 2018

Da vaidade

Tudo é vaidade.

Assim diz a Bíblia em uma de suas passagens.

Tudo é vaidade.

Hoje mais do que nunca.

Tempos de egocentrismo, de culto à própria imagem e ao próprio corpo, maximizado pelas redes sociais. Como escrevi há alguns anos, atualmente temos duas vidas: uma real e uma virtual. E a vida virtual é uma vida expositiva, na qual nos expomos e estamos 24 horas por dia acessíveis para sermos vistos e pesquisados. E isto é tentador.

As redes sociais aguçam nossa vaidade. Aos nos exporem, elas nos dão holofote, nos dão um destaque que a vida real só nos dá, em geral, em momentos de grandes feitos pessoais, em datas comemorativas ou quando fazemos alguma merda daquelas. As redes sociais alimentam nosso senso de importância, criam a sensação de que coisas insossas de nossa vida têm relevância e de que existem pessoas interessadas em saber o que andamos fazendo.

Isto pode ter um lado bom, como ajudar a desarmar a bomba depressiva daquelas pessoas que acham que sua vida não tem qualquer importância. 

Mas esta exposição e interação excessiva tem muitos lados ruins. E é isto que eu, no meu azedismo solitário, quero pontuar.

As pessoas andam cada vez mais vaidosas, interessadas em saber a repercussão que suas postagens nas redes sociais terão. Querem saber quem irá curtir suas fotos, quem irá comentar nelas. As pessoas passaram a gostar da sensação de serem visualizadas, contempladas e objeto de atenção. Todos tornaram-se artistas em alguma medida. 

O artista é um vaidoso por natureza, porque tem necessidade de ter sua arte apreciada, ainda que somente por algumas pessoas. Nem sempre quer reconhecimento ou ser compreendido, mas sempre quer ter sua arte apreciada por alguém.

Quem posta fotografias pessoais em rede social não marca a opção "postagem disponível somente para mim". Marca, na pior das hipóteses, a opção "postagem disponível somente para meus contatos". Quer ser apreciado. Se não tivesse este desejo, não postava ou, na pior das hipóteses, postava e nem olharia depois quem curtiu/comentou/interagiu com a postagem (como quem dá um tiro e sai correndo, sem nem olhar para conferir se alguém viu, foi atingido ou se algo aconteceu - o famoso "foda-se"/"caguei").

Quem posta, sente-se artista, em alguma medida. Posta por vaidade, pelo desejo de ter sua vida acompanhada por alguém (ainda que não se saiba ao certo por quem). Mas vaidade é uma merda, porque reconhecimento e protagonismo viciam. E aí, até aquela xícara fria de café ralo vira foto, postagem e objeto de curtidas e comentários. Faz bem ao ego ter seu dia apreciado por alguém, demonstra importância pessoal. É importante saber que alguém se interessa pelo o que fazemos, mas tudo que é em excesso não faz bem (nem o sexo - talvez).

A vaidade corrompe, como a fama. Perde-se um pouco o senso daquilo que realmente é merecedor de importância e de valorização. Passa-se a dar um peso anormal para o que é fugaz e superficial. A vaidade alimenta nosso egocentrismo, mexe com nossos valores. Em geral, pessoas muito vaidosas não são agradáveis, nem sequer prestam muita atenção no que dizemos, exceto quando é um elogio sobre elas mesmas. As redes sociais alimentam essa "antipatia", fortalecem nossa proximidade com aquelas pessoas que estão sempre curtindo nossas postagens, com nossos "seguidores", por exemplo. Elas alimentam nosso estímulo visual, em detrimento dos demais. Mas a riqueza da convivência humana vai muito além do que está ao alcance dos nossos olhos. Envolve coração, mas coração de verdade, e não corações virtuais de curtidas.

Cada vez mais respeito as pessoas "eremitas", que se desligam de todas as redes sociais expositivas. Eu as entendo e vejo muito sentido na escolha delas. Aliás, estou mais perto de eliminar uma rede social do que de passar a usar uma nova rede. Óbvio que as redes sociais aproximam, nos permitem acompanhar os rumos da vida de pessoas com quem não convivemos mais pessoalmente. Mas as redes sociais também afastam. Em nossa vaidade social passamos a dar valor e importância para coisas superficiais, passamos a, em alguma medida, tornar a convivência humana algo mais visual e menos pessoal, tornamos as pessoas um pouco descartáveis.

Talvez eu seja um bobo solitário, no fim das contas. 

Entendo os "eremitas". Eles não fogem das redes sociais porque fogem do contato humano. Fogem porque não aguentam mais este jogo de vaidade, no qual sua importância pode ser medida e comparada por curtidas e comentários virtuais. A vaidade pode ser escravizante, como a fama. E, para alguns, a melhor maneira de tratar isto é buscando uma vida pacata e longe de qualquer holofote. Respeito muito quem tem esta coragem de assumir que, nos fim das contas, só há uma vida digna de ser vivida: a vida real. 

Afinal, tudo é vaidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ilustrativo desse comportamento vaidoso, na minha opinião, ocorre quando a pessoa, desfrutando de alguma experiência especial, submete o momento ao julgamento das redes sociais e se sente frustrada se os colegas virtuais não avalizam o feito. É o caso do turista que passa férias numa praia paradisíaca, expõe seus momentos na rede, mas depende da ratificação dos colegas virtuais para ter a certeza de que a experiência valeu a pena. Para muita gente, o valor do momento vivido na "vida real" depende da repercussão na "vida virtual". Pense nisso.

Don Quasímodo disse...

Perfeito! Concordo plenamente.

Isto me fez pensar, de repente (agora), no quanto as redes sociais também nos tornam mais vulneráveis psicologicamente, à medida em que podemos condicionar a certeza da nossa satisfação/frustração ao feedback que recebemos na vida virtual sobre um momento vivenciado na vida real.

De algum modo, a experiência foi vivenciada no mundo real por você, que desenvolveu suas próprias sensações/impressões pessoais diante do momento, mas ao compartilhar nas redes sociais você permite muitas vezes que suas sensações/impressões sejam vulnerabilizadas por aquelas de pessoas que não viveram aquele momento com você e, a depender do que essas pessoas darem de feedback, você pode colocar em xeque aquilo que só você vivenciou no mundo real - o que pode ser muito perigoso no âmbito psicológico por nos tornar mais inseguros e dependentes do julgamento alheio.