sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Dos excessos

O que seriam os excessos senão algo que só se constata depois que se concretizou? Não há presente. Há apenas passado e futuro quando o assunto é o que se excedeu. O passado é o contexto no qual a ação se concretiza e o futuro o cenário no qual se colhem as consequências que materializam o excesso.

Em geral, sabemos quando excedemos, quando vamos além daquele limite no qual as coisas ainda são boas. Nem sempre, no entanto, nós nos damos conta do quanto ultrapassamos este limite, e aí entram os outros e a Lei, por exemplo, para nos advertirem sobre isto.

Nisto consiste um dos riscos de uma vida solitária. Quando nós mesmos traçamos sozinhos por muito tempo nossa régua do que é razoável e do que é excesso, sem querer nada e nem ninguém ouvir, viramos monstros de nós mesmos. Vira autofagia. É sedutor não ouvir e nem ter que dar "satisfação" a ninguém, afinal, autonomia e liberdade são fascinantes e motivantes. Mas a vida precisa de limites mínimos bem claros e isto nem sempre nós mesmos estamos muito interessados em fixar em nossas vidas.

Quando se é jovem, a vida parece múltipla e aberta como o universo. Pensar em limites soa algo contrário à ideia do que seja viver. Aliás, viver parece algo sem validade muito certa, como algo que não deve despertar qualquer preocupação.

Aí eis que de uma vida sem limites se deixa alguém de barriga, se mata alguém em um "acidente", se contrai doenças de difícil controle e causamos injustamente dor àqueles que nos cercam ou àqueles que apenas tiveram o azar de cruzar conosco em um momento de excesso.

Exagero, né? Mas um excesso é justamente um exagero. E quando se excede, as consequências podem ser exageradas mesmo, porque se perde o controle.

Mas também existem os "pequenos" excessos, aqueles que parecem inofensivos a nós mesmos porque não deixam marcas imediatas. Por exemplo, quando não se tem qualquer horário minimamente de referência para se deixar adormecer e não se tem qualquer cuidado em dar ao corpo o devido descanso, prolongando sua vida ativa madrugadas adentro, sem perceber acabamos com nós mesmos a longo prazo. Um corpo que não possui quaisquer limites para o descanso é um corpo que tende a tornar-se débil a médio\longo prazo. "Pequenos" constantes excessos de álcool, cigarro e drogas ilícitas, por exemplo, idem.

Existem contas altas que podemos pagar só daqui a alguns anos, mas são cobradas. E o pior é que achamos que alguns excessos só fazem mal a nós mesmos e que ninguém tem que se meter no que fazemos de nossas vidas. Óbvio que não quero ninguém tendo que cuidar de mim em um leito de hospital, tendo que me dar banho, comida ou algo assim, afinal, eu sou pleno, independente e autônomo. Mas isto aos 28 anos. E aos 60 anos de uma vida marcada por "pequenos" excessos? "Ah, quero estar sozinho aos 60 anos e não dar trabalho para ninguém." E isto é escolha, quando somos seres sociais? As relações interpessoais são inevitáveis e o carinho das pessoas por nós mesmos também. Então, é bem provável que, na podridão dos 60 anos, alguém que a gente não queira dar trabalho esteja ao nosso lado querendo cuidar da gente e dividir a conta dos nossos excessos, sofrendo ao nosso lado. E a depender do nosso nível de debilidade, nem conseguiremos evitar isto. Vai ser uma merda, mas não haverá o que fazer lá na frente. Não no futuro.

Quanto pessimismo... Muito texto de tiozão chato, né?

Mas os excessos são assim. Nos deixam péssimos quando nos damos conta deles. E isto não ocorre no presente. Só no futuro.

Não é possível viver sem exceder. Aliás, a vida depende de momentos de excesso para fazer-se vida e ter sentido. Mas é possível se refletir sobre quando excedemos. Em uma de suas Cartas (não vou lembrar qual porque não decoro estas coisas) São Paulo disse que "tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém". E eu achei isto foda demais. Deus não criou o homem para a escravidão, e sim para a liberdade, mas nós, muitas vezes exercitamos nossa plena liberdade de modo que nos tornamos escravos de nossos atos e de nossos excessos. Precisamos exercitar melhor a parte do "nem tudo nos convém", porque a parte do "tudo nos é permitido" é bem clara.

Como dito antes, a gente sabe em alguma medida quando passamos dos limites. Ainda que com algum delay. Triste é quando não temos qualquer noção do quanto estamos vivendo inconsequentemente e precisamos ser lembrados por alguma merda que acontece. Às vezes precisamos que alguém "chame nosso feito à ordem", opine sobre nossos rumos. Nenhuma grande empreitada pode ser planejada/executada com êxito em completa solidão. Assim como também nenhuma empreitada alcança êxito quando não temos disciplina de dizer "não" aos excessos. Costumo dizer que sou um cara fácil: só chamar que eu vou. Adoro gente e convite para fazer coisas. Mas tem horas que ir, ir de novo, de novo e de novo, torna-se excesso. É preciso encontrar a medida, o limite.

Para tudo existem limites. Até a vida necessita do limite imposto pela morte para se completar. E a morte, a depender do que você acreditar, também encontra limite. Nada é pleno, nem meus 28 anos.

Uma vida de completa ausência de controle sobre os excessos não produz muita coisa. Aliás, os excessos raramente nos permitem chegar sem atrasos ao lugar que teríamos condições de chegar antes. É como chuva em excesso na estrada. O excesso de chuva atrasa nossa viagem e, por vezes, não nos permite chegar. Assim são os excessos. 

É preciso cuidado, reflexão e senso de responsabilidade consigo mesmo. Sermos livres e autônomos não significa fazermos "vista grossa" de nossos desvios. Precisamos cuidar melhor de nossas vidas, de nossa saúde e de nossos sentimentos. É preciso verdadeiro amor próprio para deixarmos de nos auto-sabotar, deixar de nos devorarmos por nossos próprios excessos. É preciso verdadeira disciplina e verdadeiro empenho em se controlar, reorganizar-se e seguir viagem. Temos muito a fazer e a viver, em verdadeira liberdade.

Nenhum comentário: