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domingo, 12 de janeiro de 2020

Domingo

Há um escrito que foi ocultado, como nos tempos do cheiro de carne humana na brasa. A heresia nele contida foi a revelação do amor - palavra/sentimento proibido por quem não se quer deixar amar. Por respeito, fez-se apócrifo o sentimento verdadeiro.

Segue quente. Muito quente. É verão e aquela besteirada toda. Que passe o quanto antes, o sertão vire mar e isto aqui se torne uma Inglaterra de frio - como o seu coração.

É ano novo. Mas seguimos perdendo tempo. Quando acordar, já serão 22h e os braços já serão outros. Será tarde, mas as escolhas terão seus resultados. Tarde da noite, resta dormir e tentar esquecer algumas escolhas e as oportunidades perdidas por indecisão. E tentar sonhar com algo que não se viveu e que, talvez, jamais será vivido.

A vontade, como dito no apócrifo, é abraçar-lhe, beijar-lhe a testa (e que testa) e dizer que está tudo bem e que nada lhe deixarei acontecer. Isto soa bonito, puro, meio parnasiano, uma coisa rural. Mas não é o suficiente. E o que há de errado nisso? Nada. Ninguém é obrigado a ser recíproco. E quando se percebe esta verdade imutável, não se sofre e não se aprisiona.

Aliás, Belo Horizonte é uma merda. Não que tenha a ver com este texto, mas sempre que possível, é necessário que se diga, para que não haja dúvidas: Belo Horizonte é uma cidade bem bosta. Dia desses ouvi que algo "parece merda, mas é delícia". Isto não se aplica a Belo Horizonte, felizmente.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Blasfêmia

A ordinariedade do que é pago é um misto de destempero com ignorância - a mesma que me faz escrever "ordinariedade" ao invés de "ordinarice" ou "safadeza".

A cretinice prevalece sobre a seriedade e a responsabilidade.

Rio acima há uma Rondônia de emoções e uma São Paulo de solidão.

O verão é a estação mais pobre - e triste. Toda aquela bobeirada padronizada de sol e praia. Ora bolas! Ao sul da linha do pecado é sol e praia o ano todo. E curvas nos catiras de uma mulher. Qual a novidade?

A novidade é a frieza travestida de ingratidão.

Que cada um viva sua luz e seu amargor. Só não pode vacilar. Nessa de tem sol na ponta do deque, o padre subiu aos céus levado por balões.

Dizem que a beleza está na aleatoriedade, na mistura das tintas, das peles e das palavras. Também acho.

Palavras ao vento.

Gritos no deserto.

(Me) Escreva.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Sad dog

Prefiro os cachorros tristes;
Aqueles de orelhas caídas,
Olhar perdido
E latidos mudos.

Instintos sob controle,
Bestialidade castrada,
Impulsividade contida
E tristeza em vida.

Nem todo cabra está pronto para viver o preto.

Há virtude na tristeza
E coragem na resignação.

Respeito a falta de vida,
A monotonia escolhida,
A desolação sentida,
A solidão.

Me atrai o silêncio,
A paz negra,
A alegria triste
E a escrita suja.

Vejo bravura em Cash,
Em ser o que se é:
Um solitary man,
A man in black.


terça-feira, 20 de novembro de 2018

Por onde andam?

Os criminosos
Que roubam, 
Mas não matam,
Que poupam o trabalhador.

Os juízes
Que sentenciam,
Mas não julgam,
Que evitam o clamor.

Os religiosos
Que ajudam,
Mas não discriminam,
Que perdoam no Senhor.

Os médicos
Que salvam,
Mas não mercantilizam,
Que curam a dor.

Os profissionais
Que trabalham,
Mas não enganam,
Que honram o labor.

Os casais
Que beijam,
Mas não postam,
Que amam com ardor.

As mãos
Que tocam,
Mas não afastam,
Que abraçam sem pudor.

As mulheres
Que transam,
Mas não ignoram,
Que acreditam no amor.

Por onde você anda?

sábado, 10 de novembro de 2018

Da vaidade

Tudo é vaidade.

Assim diz a Bíblia em uma de suas passagens.

Tudo é vaidade.

Hoje mais do que nunca.

Tempos de egocentrismo, de culto à própria imagem e ao próprio corpo, maximizado pelas redes sociais. Como escrevi há alguns anos, atualmente temos duas vidas: uma real e uma virtual. E a vida virtual é uma vida expositiva, na qual nos expomos e estamos 24 horas por dia acessíveis para sermos vistos e pesquisados. E isto é tentador.

As redes sociais aguçam nossa vaidade. Aos nos exporem, elas nos dão holofote, nos dão um destaque que a vida real só nos dá, em geral, em momentos de grandes feitos pessoais, em datas comemorativas ou quando fazemos alguma merda daquelas. As redes sociais alimentam nosso senso de importância, criam a sensação de que coisas insossas de nossa vida têm relevância e de que existem pessoas interessadas em saber o que andamos fazendo.

Isto pode ter um lado bom, como ajudar a desarmar a bomba depressiva daquelas pessoas que acham que sua vida não tem qualquer importância. 

Mas esta exposição e interação excessiva tem muitos lados ruins. E é isto que eu, no meu azedismo solitário, quero pontuar.

As pessoas andam cada vez mais vaidosas, interessadas em saber a repercussão que suas postagens nas redes sociais terão. Querem saber quem irá curtir suas fotos, quem irá comentar nelas. As pessoas passaram a gostar da sensação de serem visualizadas, contempladas e objeto de atenção. Todos tornaram-se artistas em alguma medida. 

O artista é um vaidoso por natureza, porque tem necessidade de ter sua arte apreciada, ainda que somente por algumas pessoas. Nem sempre quer reconhecimento ou ser compreendido, mas sempre quer ter sua arte apreciada por alguém.

Quem posta fotografias pessoais em rede social não marca a opção "postagem disponível somente para mim". Marca, na pior das hipóteses, a opção "postagem disponível somente para meus contatos". Quer ser apreciado. Se não tivesse este desejo, não postava ou, na pior das hipóteses, postava e nem olharia depois quem curtiu/comentou/interagiu com a postagem (como quem dá um tiro e sai correndo, sem nem olhar para conferir se alguém viu, foi atingido ou se algo aconteceu - o famoso "foda-se"/"caguei").

Quem posta, sente-se artista, em alguma medida. Posta por vaidade, pelo desejo de ter sua vida acompanhada por alguém (ainda que não se saiba ao certo por quem). Mas vaidade é uma merda, porque reconhecimento e protagonismo viciam. E aí, até aquela xícara fria de café ralo vira foto, postagem e objeto de curtidas e comentários. Faz bem ao ego ter seu dia apreciado por alguém, demonstra importância pessoal. É importante saber que alguém se interessa pelo o que fazemos, mas tudo que é em excesso não faz bem (nem o sexo - talvez).

A vaidade corrompe, como a fama. Perde-se um pouco o senso daquilo que realmente é merecedor de importância e de valorização. Passa-se a dar um peso anormal para o que é fugaz e superficial. A vaidade alimenta nosso egocentrismo, mexe com nossos valores. Em geral, pessoas muito vaidosas não são agradáveis, nem sequer prestam muita atenção no que dizemos, exceto quando é um elogio sobre elas mesmas. As redes sociais alimentam essa "antipatia", fortalecem nossa proximidade com aquelas pessoas que estão sempre curtindo nossas postagens, com nossos "seguidores", por exemplo. Elas alimentam nosso estímulo visual, em detrimento dos demais. Mas a riqueza da convivência humana vai muito além do que está ao alcance dos nossos olhos. Envolve coração, mas coração de verdade, e não corações virtuais de curtidas.

Cada vez mais respeito as pessoas "eremitas", que se desligam de todas as redes sociais expositivas. Eu as entendo e vejo muito sentido na escolha delas. Aliás, estou mais perto de eliminar uma rede social do que de passar a usar uma nova rede. Óbvio que as redes sociais aproximam, nos permitem acompanhar os rumos da vida de pessoas com quem não convivemos mais pessoalmente. Mas as redes sociais também afastam. Em nossa vaidade social passamos a dar valor e importância para coisas superficiais, passamos a, em alguma medida, tornar a convivência humana algo mais visual e menos pessoal, tornamos as pessoas um pouco descartáveis.

Talvez eu seja um bobo solitário, no fim das contas. 

Entendo os "eremitas". Eles não fogem das redes sociais porque fogem do contato humano. Fogem porque não aguentam mais este jogo de vaidade, no qual sua importância pode ser medida e comparada por curtidas e comentários virtuais. A vaidade pode ser escravizante, como a fama. E, para alguns, a melhor maneira de tratar isto é buscando uma vida pacata e longe de qualquer holofote. Respeito muito quem tem esta coragem de assumir que, nos fim das contas, só há uma vida digna de ser vivida: a vida real. 

Afinal, tudo é vaidade.

domingo, 28 de outubro de 2018

Canto de vitória

Em noite de derrota
Não se sonha,
Perde-se a rota.
Sente-se vergonha.

Muitas perguntas,
Respostas de culpa,
Dúvidas juntas,
Nenhuma desculpa.

Choque de datas,
Uma só ida.
Escolha chata...
Puxa vida!

Houve preparação,
Não faltou raça
E nem coração.
Parece desgraça.

Uma falha estranha
A reprovação custa.
Falta de manha
E desatenção injusta.

Mas você é foda!
Não se entrega.
Pula a corda
E não arrega.

Em alma de liberdade,
Recurso é escravidão.
Mas mostra a verdade
E evita aberração.

Falta tempo,
Caracteres no fim.
Contratempo?
Vai dar sim!

Alegra-me sua história
Nesta noite de morte.
Cantar sua vitória
É a minha sorte.

Conquista com luta
E com raça?
Adoro uma disputa.
Você é uma graça.

domingo, 10 de junho de 2018

En vivo

Sem vida, toda paisagem é morta.
É a imprevisibilidade da vida que traz graciosidade ao belo, e ao feio.
Um corpo que se mexe em meio à paisagem morta ou à lama.
Onde há corpo e movimento, há vida.
Mas sem corpo, não há crime.
Mentira deslavada! Sempre há crime.
E sempre há vida. Pra mais de metro, aliás.
Às vezes mais de uma.
Mas sempre há morte. Uma única.
E entre a vida e a morte, o que há?
Só vida.
Então viva!
Porque enquanto não há morte,
Só há vida.

domingo, 27 de maio de 2018

Chulo

Talvez eu devesse escrever mais. Ou menos. É algo compulsivo. Espero que me traga paz.

Algumas coisas simplesmente não acontecem. Por mais que a gente tente, se esforce, se permita, não acontecem. E eu tenho alguma dificuldade em lidar com coisas para as quais não encontro solução.  Principalmente quando busco solução há muito tempo. Orgulho? Não penso que seja. Em uma vida forjada por problemas, sempre encontrar soluções, gambiarradas ou não, parece ser o normal para mim. Gosto do chão de fábrica. De ser operário da vida e encontrar soluções de modo manual, ao invés do automático. Gosto da trocação, de bater e apanhar. Tem coisa que nos faz sentir mais vivos do que as porradas que damos e levamos? Mas tem coisas que não acontecem e não se resolvem, mesmo após incansáveis tentativas. Aí é foda.

É uma merda. Daquelas moles e que ficam garradas no solado e só saem após uma lavagem em casa. Por onde você anda, você sabe que a merda está com você e que aquele cheiro que todos reparam é seu. "Ei, calma galera! Podem parar de procurar. Sou eu o cagado". É tipo isto.

"Não tenha pressa". "Na hora certa as coisas acontecem". "Tudo tem seu tempo".

Ah, é legal. Faz sentido. Mas não enche barriga. Talvez se engravide por causa de coisas assim. Mas se continua com fome.

Eu preciso parar de gostar de brancas. Isto é sério. Não vai acabar bem. Que merda! Era você, galega. Uma vez você me disse que a gente sabe quando é de verdade. Eu acho que era. Mas não vai adiantar te contar. Você diria que é imaturidade de gente inexperiente, que eu não sei o que digo, não conheço o amor e blá blá blá... mas não desta vez. Era você, sua louca. Não sei como te explicar. Teve gente depois de você. Não adiantou. Você foi diferente. Marcou em 2 meses ou menos. Talvez eu não tenha sido um dos melhores com você, mas é porque parecia tudo tão natural e eu me sentia tão eu quando estava com você, que nem vi o tempo passar. Acabei não sendo bom o suficiente. Desculpe. Eu queria ser capaz de te mostrar que todas aquelas merdas que aconteceram antes com você (e foram muitas, ainda me assusto quando lembro) não aconteceriam conosco, porque havia respeito e sentimento de verdade por você. Mas não deu tempo. Enfim, fiquei com o pau na mão hahaha Mas obrigado por aquele beijo que me roubou no ponto de ônibus e que talvez você nem se lembre mais. Acho que esta é uma das lembranças mais doces que tenho da vida.

Tá todo mundo na lona, mas querendo dar lições de felicidade. Uma porra. Um deboche e um saco. Eu ainda não sei qual a minha relação com as redes sociais. Amo e odeio. Me sinto menos entediado e ao mesmo tempo meio irritado. É tudo muito extremo. Lições e ensinamentos gratuitos de gente "feliz" e lugares lindos em meio a um monte de corações vazios e de bundas. As bundas ao menos são bonitas, geralmente. Para não me irritar, só leio as figuras, não leio nada que esteja entre aspas como citação. Um saco. Um deboche.

Daqui a pouco passa.

A vaidade é um problema. Me causa medo. Vaidade cega. Este é o meu problema com a arte. Quem faz arte, em geral, quer ser visto, chamar atenção. E querer ser visto é uma forma vaidade. Tudo é vaidade, já dizia um texto famoso depois de Cristo.

Preciso parar de ter pressa e não aprender a esperar. É isto mesmo. Você leu certo. Vou fazer merda se me apressar e posso fazer ainda mais merda enquanto tiver que esperar. Caralho. Cada um sabe qual é seu ponto fraco e este está me fudendo, talvez desde a infância. Sabe quando você sente que só precisa de uma oportunidade? É tipo isto. Só uma. Eu preciso de só uma. Aí sossego, penso eu, seja se houver sucesso ou insucesso. É uma questão meio pessoal, de provar pra si próprio.

Mas e quem precisa de oportunidade quando se tem com o que se ocupar? O ser humano é um ser social. Tem que misturar as tintas e as peles. Sentir. Se não tiver o coração na ponta da chuteira, para sentir e sofrer, não é digno de viver. Máquinas produzem e obtém reconhecimento e sucesso, mas nunca sentem. Qual a graça de conquistar o mundo e ser incapaz de viver em intimidade com outra pessoa? O outro realmente é necessário, mesmo em caso de sucesso? Sim. É preciso de intimidade, ter alguém que aprecie nossa companhia, com quem conversar naturalmente e fazer coisas que só nós dois curtimos (às vezes em quatro paredes). Sei lá. É preciso de intimidade, ainda que somente para aqueles momentos meio estranhos. Senão, vira uma merda destas: um texto com ar de perturbado e que deixas as pessoas preocupadas.

Está tudo bem, de verdade. Não se preocupe. Realmente está tudo bem. Estou vivo e sinto. Isto me basta.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Reciprocidade

Há nuvens sobre sua cabeça. Consegue ver? Eu queria usar uma outra palavra ao invés de nuvem, tipo "há uma áurea sobre sua cabeça", mas acho que não é áurea a palavra. Talvez seja uma parecida. Se souber qual é, me fale. Preciso sabê-la.

Há quanto tempo que não olha o céu? Elas agrupam-se e desfazem-se. Céu azul e tempestade. Todo o tempo. A vida é feita de sorrisos e lamentos.

É preciso lidar com as decepções. É assim que tem que ser. Saber enxergá-las, lembrá-las, senti-las e deixá-las. Após, o sol brilha. Sempre.

Diga a ela que lhe escreva. Com as palavras, letra e trejeitos dela. Com erros e acertos. Com a cumplicidade que só vocês sabem e que ela finge ignorar. Você parece precisar. Diga a ela. É uma questão de respeito, lealdade e, na pior das hipóteses, um ato de amizade.

Consideração e respeito. Quem ainda o tem? Dá pra acreditar?

Não há momento. Nem bons e nem ruins. Há uma sucessão de acontecimentos. E eles acontecem. Somente acontecem. Tipo merda, sabe? Acontece, às vezes. Mas merdas acontecem.

Há que se respeitar a afinidade. Quando surge naturalmente, deve somente ser seguida e respeitada. Não se pode querer ter controle sobre a afinidade. Não há que se falar em melhor momento ou um mau momento para que ela possa ser mantida.

Diga a ela que fale, que lhe escreva.

Você pode não acreditar, mas estou firme em minhas decepções.

Não há tristeza ou depressão que justifique levar a própria voz da consciência à terapia. Os pensamentos estão em ordem e em paz. Sinto falta. Penso. Mas é contornável.

Você sente o cheiro. Sente que há algo no ar. Mas não há nada, além de nuvens. Céu de brigadeiro. E eu nem gosto tanto de doces. Só de estrelas.

Apenas preciso que me deixem seguir e que parem de me roubar. Não suporto treinar muito para ser roubado.

Acho que preciso somente da humanidade por trás de um bilhete de lealdade e afinidade. Isto me basta.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Corvo

Amo os dias chuvosos.

Nos dias de chuva, os rostos amanhecem cerrados e assim permanecem por quase todo o tempo. Os sorrisos escondem-se.

Não há o alarde dos dias de sol, os risos e gracejos excessivos. Não há espaço para gritarias rua afora. Não há espaço para ilusionismos de verão, praia e sol. Menos mimimi. Menos disposição para causar. Menos larápios dispostos a andar por aí. Mais vida doméstica e convivência familiar. Mais lazer saudável. Mais descanso e horas de sono. Corpos a frio buscando sexo quente debaixo das cobertas.

A preocupação principal de todos parece ser só encontrar logo um teto para proteger-se e não se molhar muito. Nesta hora, na imensidão dos guarda-chuvas e dos calçados respingados de lama, todos os humanos parecem humanos. Todos parecem iguais. Todos parecem estar na mesma merda. Pensando e praguejando no azar que deram ao molharem-se na esquina anterior. Nada parece tão importante como livrar-se da chuva. Todos vivendo a mesma sintonia negra.

Dias escuros como o preto de minhas asas. Todos apresentam o mesmo ar fechado que eu guardo em todos os dias. Mais silêncio. Mais pensamentos. As pessoas tornam-se reflexivas em si mesmas. Visitam seus demônios. Pensam mais em suas vidas. Pensam nas merdas que andam fazendo. Sentem culpa. Não há para onde correr. Perdem a liberdade sob o olhar da chuva e o molhar das lágrimas.

Me sinto feliz por sentir que todos estão mais parecidos comigo. Mais mortos. Uma felicidade cretina, canalha, de corvo. É contraditório, mas é na escravidão dos dias de chuva que os homens parecem livres como eu, um pássaro. Ponho-me a observar.

Todos parecem corvos.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Séptico

Das patologias humanas, me importa un carajo!

Gente estranha. Estranhíssima. Esquisita. Tipo 3F.

Taras, obsessões, compulsividades, desejos doentios. Segredos.

Vez ou outra aparecem cabeças cortadas por aí, órgãos dilacerados e corpos violados. Selvagens. Animais. Humanos.

É na intimidade da nudez que as almas se comunicam. É na intensidade do beijo que o desejo se revela. É na frieza do sentimento que o coração congela, como o vento da madrugada, que sopra o frio da solidão.

Um jogo. Uma caçada. Ludibriamento. Frustração.

É preciso ser safo. Saber compreender. Saber escapar e ter alguma diversão. Caso contrário, não passará de um depósito de merda, que se renova a cada nova decepção. Um saco de bosta.

Olhos de sereia. Hipnóticos. Fundos como um céu estrelado. Um céu dentro de outro céu. Parece um sonho. Como é lindo o brilho dos seus olhos. A cegueira estrelada esconde o beijo sem nada, fazendo-o parecer apaixonado. Não há nada além de corpos suados, cruzando as mãos em latidos de desejo.

Ao passar, não te resta nada. A sirena se vai. Mas os olhos permanecem. Leva consigo a mente aprisionada na profundidade dos olhos e no rosado dos seios. Ladra. Bonitinha, mas ordinária. Não volta mais. Nem ela e nem a paz.

Corpo febril. Noites ardendo, como malária. Delírios.

Das patologias humanas, eu sou mais um.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Transeunte

Os dias passam e, na minha inocência de menino, ainda acho que hoje é terça-feira, em plena quinta-feira.

Não faz diferença se quinta ou terça. O cronograma não se segue e a vida prossegue. 

Ora às 9h-11h15-12h-19h30-1h ou às 7h15-8h-11h15-12h-19h30-2h. É só escolher. Como um vagão do metrô, cruzando sempre os mesmos trilhos com alguma variação de horário.

Uma vida asséptica, anestésica, vegetal. Sem grandes emoções, reações e paixões. A insensibilidade e a frieza são as maiores provas de decisão quando se quer aparentar força. Uma força desumanizadora, afastadora e isoladora. Uma encrenca que remete às polacas meninas da noite do final do século XIX. Encrenca. Galegas. Há uma praga no ilusionismo dos seios rosados.

Livre como um cachorro errante pela madrugada, vagando entre a o barulho da fome e o silêncio das lembranças. 

O coração de uma mulher é um oceano. Um primeiro beijo de novela, roubado sob a benção dos desvalidos, em meio a um beijo de despedida acompanhado de um inocente "vê se não some". Desmanchou-se no ar. Sumiu para nunca mais.

Nem todos os lábios têm fome. Nem todos os dias têm sorte. E a sorte do dia é que não há mais encanto no Facebook. Uma fuga para não mais ver. Até o mendigo do thirteen sabe em sua loucura que o que os olhos não veem o coração não sente.

Se o bicho pega, o pau canta na rua. Se o ócio traz lembranças, é preciso rasgar-se, morrer de trabalhar. Colocar sem tirar. Um harakiri de exaustão para que o corpo possa engolir a mente e os músculos possam ser mais importantes do que a inteligência.

Soldado sem emoção vai à guerra sem ambição. Luta por obrigação. Mata sem contestação. Morre sem preocupação. Piloto automático.

Passada a frustração, resta a resignação e a vegetação.

Sabe-se lá, oh Deus, o que disso sairá. Talvez a concretização de objetivos sem sentido e a entrega de resultados relevantes. É fácil dar frutos aos outros. Frutos muito bons, inclusive. 

Difícil mesmo é matar a verdadeira fome que habita em nós mesmos. Aquela invisível aos votos de  feliz ano novo.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Praça de Guerra

Diga-me o que tu escolhes e te direi quem és. Eu acredito em Deus, sabe? Talvez até o dia que a ciência consiga explicar porque o "Big Bang" só foi capaz de criar racionalidade na espécie humana entre trocentas espécies vivas; até lá, acreditar que, entre tantas espécies criadas, as reações fisioquímicas da grande explosão só privilegiaram a nossa espécie, com todo respeito, me soa tão insano ou sem sentido quanto acreditar em Deus. Então, se é pra escolher em qual "fantasia" acreditar, prefiro acreditar em Deus mesmo.

Mas não é de Deus que quero falar não. Quero falar de escolhas. Mas por que falei de Deus? Porque acredito que a ampla liberdade de escolha foi o maior dom dado por Deus à espécie humana, capaz de levar o homem ao sucesso ou à perdição. 

A vida humana é mágica justamente por causa desse poder de escolhas. São elas que tornam a vida tão imprevisível. Viver é um constante escolher; até respirar se pode escolher. Só não se escolhe nascer ou morrer, sendo que, nesse último caso, a escolha feita por um terceiro pode fazê-lo salvar sua vida antes mesmo que você consiga por fim a ela.

Eu acredito em vida de três esquinas. Tipo o centro daquela cidade horrorosa chamada Belo Horizonte. Nunca existem somente duas escolhas, na minha opinião. Sabe o "sim" e o "não"? Eu também acredito no "são", que, coincidentemente, remete ao verbo "ser". Acredito em Deus e na ciência; em coisas inexplicáveis à ciência pode haver Deus, assim como que pode haver ciência na religião. Acredito que entre os extremos tem sempre o meio termo que alia os dois, como é o ser humano em relação ao "bem" e ao "mal".

Mas essa terceira esquina é como viajar para Hogwarts pela plataforma 9 3/4, aquela que só os bruxos conseguiam ver por dentro de uma pilastra de concreto. Às vezes, é preciso ser míope na vida, pois só assim conseguimos ver o que foge ao olhar comum e ver a terceira esquina. Escolhas intermediárias, muitas vezes, são mais do que ficar em cima do muro, são a picareta para implodir o muro que nos separa de resultados e de nós mesmos.

O mundo pode ser muito mais legal com três opções. Porém, é preciso cuidado. Assim como a velha Belo Horizonte, quando se escolhe uma das esquinas e penetra profundamente por ela, desfazer a escolha e retornar à encruzilhada inicial de decisão nem sempre é fácil. Na vida, cada quadra percorrida envolve cruzar por mais um cruzamento de três esquinas, sendo que essas esquinas não são facilmente identificáveis e é difícil se saber de qual rua se partiu inicialmente. 

Escolher é um constante ir em frente, sendo que desfazer uma escolha já traz em si uma outra escolha. Nunca é um simples voltar atrás. Cada esquina traz em si uma chave de combinações possíveis, envolve uma análise combinatória. Lembra? Pois é. É difícil se saber para onde vai e mais difícil ainda conseguir voltar ao exato status anterior à medida que levamos à frente nossas escolhas cruzando por novas encruzilhadas decisórias.

Contudo, uma é a certeza, qual seja, a de que, aconteça o que acontecer, você colhe os resultados do que escolheu e é fruto de suas próprias escolhas. Se Deus existe, como acredito, esse foi o maior dom deixado ao homem, um dom que não assegura que seremos santos, mas que nos garante força criativa. Se você acredita só no "Big Bang", sem Deus, que sorte incrível essa que só nossa espécie teve após a explosão.

Viver às vezes envolve virar esquinas "cegas", aquelas de muro alto que viramos sem conseguir ver o que está do lado de lá. Entretanto, nessas horas, é preciso respirar fundo e virar, e seja o que tiver que ser.

domingo, 15 de maio de 2016

Sonho

De novo?! Sim! Hoje sim, hoje sim! Todo domingo agora é assim, dia de "coluna" no blog. Semana agitada esta que acabou, derrubaram nossa presidente, tiraram o povo do poder. Era sobre isso que eu já ia escrevendo até que, ao ouvir as músicas que terminei de baixar, ouço Andrea Bocelli cantando isso aqui. Aí lembrei do milagre de segunda-feira dia 02/05/2016: Leicester City campeão. Todos os comentaristas, sites esportivos e demais profissionais do futebol já teceram longas linhas sobre o milagre de Leicester, por que não eu?

Quando penso em Leicester campeão, me sinto orgulhoso, sem nunca ter ido em Leicester, sem jamais conhecer alguém que um dia lá esteve. Quando começou nos fins de 2015 o campeonato nacional de futebol mais valioso do planeta Terra, ninguém, talvez só o mais bêbado dos ingleses, seria capaz de apostar que o nanico Leicester City FC, que nunca antes conquistara um título de expressão na Inglaterra e que brigara para não ser rebaixado no último campeonato, poderia escandalizar o mundo e vencer a tradicional Premier League.

Durante todo o campeonato, enquanto o Leicester teimava em brigar pelas primeiras posições, o mundo esportivo tratava com desdém as chances do clube ser campeão, afinal, o que poderia fazer o pequenino Leicester contra clubes tão tradicionais, campeões e ricos?

Mas foram chegando as rodadas finais, o pequeno clube inglês foi resistindo à força dos clubes mais ricos do mundo e atrasando o relógio da carruagem da cinderela, fazendo o mundo começar a suspeitar que o conto de fadas poderia ser uma história real. E assim foi rodada a rodada, com cada vez mais torcedores ao redor do mundo torcendo pelo sucesso do pequeno inglesinho frente à artilharia pesada dos multicampeões times da terra da rainha, até a inesquecível segunda-feira dia 02/05/2016, quando o Leicester sagrou-se campeão.

A história do Leicester é um conto de fadas do futebol, no qual um time formado por jogadores baratos rejeitados por grandes clubes, muitos mais acostumados em jogar as divisões secundárias do futebol inglês do que a primeira divisão, conseguiu sagrar-se campeão da liga nacional mais cara do planeta. É a história de um treinador italiano que nunca havia conquistado um grande título de verdade, que foi chutado em sua última experiência profissional e que apostou pizzas com seus jogadores em caso de vitórias durante a temporada, vindo agora, no fim da carreira, a ganhar respeito.

O milagre de Leicester é um pouco do milagre de nós mesmos, da gente comum, que precisa ter coragem para todos os dias disputar espaço com aqueles que são mais privilegiados financeiramente e intelectualmente, que precisa trabalhar firme para ter uma chance de sonhar, que precisa saber resistir nos momentos críticos que indicam não ser possível prosseguir. O sonho de Leicester representa aquele sonho que uma pessoa simples acha ousado até de sonhar e que, quando acontece, não se consegue nem acreditar.

Em um futebol moderno de cifras milionárias, Leicester representa a magia do esporte, a chama que não se apaga no coração dos amantes do esporte e da vida.

Andrea Bocelli prometeu ao seu amigo Claudio Ranieri, técnico italiano do Leicester, que cantaria no último jogo do time em casa, caso ocorresse o improvável título; e cumpriu. Em uma cena de arrepiar, Bocelli, que descobri ser cego, cantou para um estádio cheio de pessoas que mal acreditavam que o sonho tornou-se realidade. Bocelli, um cego, que carrega na voz o canto daqueles que fizeram e fazem, diariamente, aquilo que a lógica diz não ser possível, fechou de modo triunfante esse sonho da vida real. Obrigado, Leicester!


Me arrisco a dizer que até os céus pararam para contemplar esse espetáculo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Tonight

Tiros na porta. Parecem tiros de calibre 32. Não tenho medo de balas. Sou peito de aço. Tá pra existir cabra mais macho do que eu. E tenho dito, é compromisso registrado. Se tiver, mudo meu nome para Maria Chiquita. E quem precisa de sobrenome? Para cartão de visitas, talvez. Mas são tiros de bala.

Silêncio. 

Revólver descarregado. Consegui ouvir o "crack" do tambor vazio. Cheiro de pólvora. Tem alguém do outro lado. Posso ouvir a respiração. É uma mulher. Não vou abrir. De tantas portas que abri, agora é minha vez de fechar. Uma mulher com uma arma descarregada em mãos é mais deprimente que o centro da cidade. Espero que não esteja velha. Ou que esteja e se foda.

Não vou abrir.

Queria sair quando os tiros rompiam o ar. Desviar deles com minha macheza. Agora deve-se estar uma cena deplorável de se admirar. O fundo do poço tem porão. Um dia assim me falaram. Uma hora a munição sempre acaba. O que resta? Só abrir e olhar. Vou abrir nada. Já fiz minha oferta. Não tenho mais o que negociar. Que abrace o que lhe reste. Mas cuidado, o tempo vai passar. E quando se percebe, a oferta que era boa demais não se repete. Efeitos da juventude. Ao final resta a incompletude. Não há reembolso. E nem mais hotéis no Rio.

Não me interessa.

A festa acabou. O tambor esvaziou. Enquanto assisto TV comendo sucrilhos. Vestido só de samba canção. Não me interessa o mundo atrás da porta. Não mais. Quando acabar essa parte chamo a polícia para limpar a sujeira que deve estar lá fora. Cheio de cápsulas de bala deve estar. Telefone mudo não pode chamar.

Aforismo. 

Ou desaforismo. Levo pra casa não. Não existe almoço de graça. Tem que me ajudar a te ajudar. Indiferença. Pior do que ódio. Desprezo. Pior do que desterro. Ficou aberto por anos. Não quis entrar. Agora vem com tiros. Vou ignorar. E não me venha com xurumelas. Arara cuara itumby iara caria mariri cu cri care manhu açu. É índio pra mais de metro.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Devaneio Rodriguiano

Tomava todos os dias o mesmo ônibus urbano que ela, saindo às 11:30 do terminal rodoviário. Sempre a via na fila de espera. Uma jovem de uns 20 anos, morena clara, de cabelos castanhos com tons de loiro. Estimava que ela tivesse uns 1,70 m de altura. Na linguagem popular masculina, ela era uma cavala, uma gostosa de quadris e coxas voluntariosos, de corpo bem torneado e rosto bem desenhado. Ele tinha o costume de dizer que não casaria com uma mulher que não fosse capaz de conseguir segurar no colo. Aquela cavala talvez ele não conseguiria; não por ser gorda (pelo contrário), e sim pela magreza quase aidética dele e pelo corpo bem distribuído que aquela garota ostentava.

Já fazia cerca de um mês que Alves, jovem servidor público de 23 anos, comia aquela jovem com os olhos na fila de espera e no percurso de meia hora até a capital. Via ela descer todos os dias no mesmo ponto de ônibus - um ponto antes daquele em que ele descia para se dirigir à repartição onde trabalhava. Ficava imaginando para onde ela ia todos os dias, se tinha namorado, o que fazia da vida. A musa tinha um ar de garota meiga, sem aquelas nojentices comuns das garotas urbanas. "Veja só! Ela sequer usava fones de ouvido durante as viagens de ônibus!", pensava Alves.

De tanto vê-la diariamente naquele mesmo itinerário ao centro da capital, tinha a inocência de se sentir íntimo da guria. 

"Cabeça vazia, oficina do diabo", já diziam os antigos. 

Determinado dia, Alves, de caso pensado, resolveu sentar-se do lado daquela coisa linda. Já tinha planejado tudo. Iria deixar o ônibus afastar-se alguns minutos do terminal rodoviário e uns 5 minutos depois puxar assunto com tom de naturalidade. Sabia que, em geral, as jovens bonitas sentem-se inseguras ao serem abordadas por desconhecidos. Porém, inocentemente, acreditava que ela já tivesse em algum momento percebido que pegavam todos os dias o mesmo ônibus e que, por isso, se sentisse mais à vontade para conversar.

Pois bem. Sentou-se ao lado da linda moça e alguns minutos depois, Alves lhe disse em baixo tom de voz:

- Reparei que todos os dias pega esse mesmo ônibus, assim como eu. Você trabalha no centro?

Ela respondeu com um "Hã?", franzindo o rosto como quem não tivesse conseguido ouvir o que foi dito, seja pelo barulho do ônibus ou por não estar esperando ser abordada enquanto olhava pela janela a linda Baía de Vitória.

Alves repetiu a oração, que nesse momento já tinha quase um ar de prece. 

Ele esperava por uma resposta curta, de quem não quer assunto com um desconhecido, ou então, uma resposta em tom doce, convidativo a um prolongamento de conversa. Alves já havia tempos antes abordado uma garota que também pegava sempre esse mesmo ônibus. Naquela ocasião, foi respondido com desdém por uma linda italianinha de cabelos negros, que chegou a descer um ponto  antes do habitual para, talvez, se livrar mais rápido da investida de Alves. Esse episódio chateou profundamente o conquistador, que se sentiu equiparado, de alguma forma, a algum tarado maluco. Nunca mais dirigiu qualquer palavra à italianinha (e a recíproca era verdadeira), embora teimassem em pegar todos os dias o mesmo ônibus. 

"Quem sabe hoje será diferente", pensava esperançosamente o magro jovem de pele morena brasileira, 1,75 m, sem grande charme fora da carteira. 

O que se sucedeu foi algo que jamais passaria pelos planos de Alves, nem se ele ficasse pensando por meses em possíveis desfechos. A linda jovem respondeu à pergunta reiterada:

- Não, não. Estagio no centro. Ainda estou fazendo faculdade.

Ele sequer prestou atenção naquela resposta, dada em tom natural, incapaz de demonstrar interesse ou desdém. O que roubou a atenção do "terror das passageiras" foi outro detalhe: a moça tinha língua presa; muito presa, diga-se de passagem.

Alves ficou petrificado diante dessa inesperada situação. Em seus devaneios jamais imaginara que aquela potranca puro sangue falasse como o Cebolinha da Turma da Mônica. "Puta que pariu! Não é possível!" - praguejava ele mentalmente.

Não conseguia algo balbuciar. Tinha vontade de rir, não pelo problema da moça, mas pela surpresa da situação. Seu rosto, contraditoriamente, reagia com outras contrações. Franziu o rosto com ar de menosprezo. A moça aparentemente não percebeu a razão da estranha careta. Somente depois de um longo delay de uns 10 segundos conseguiu algo dizer. Disse qualquer coisa, fez uma pergunta qualquer, impensada, como que automática:

- Legal. Faz faculdade de quê?
- Direito. - respondeu a guria.

E Alves seguiu fazendo perguntas automáticas, sem cantadas, piadas ou outras observações. Falava como em piloto automático. Não conseguia parar de prestar atenção na língua presa da moça. E esse problema cada vez o incomodava mais. Mais. E mais. Porém ele seguia perguntando coisas, sem que ela perguntasse qualquer coisa sobre ele. Parecia um jogo masoquista, no qual ele forçava a garota a ostentar seu problema vocal e assim ganhava mais momentos de angústia com aquela estranha voz.

O incômodo foi crescendo no jovem conquistador. Isso foi lhe causando suor excessivo na testa. O estômago parecia revirar. Mas Alves seguia a perguntar, perguntar e perguntar. E a jovem respondia tudo com naturalidade, sem demonstrar interesse ou desdém. O moreno jovem foi ficando sem ar, como que prestes a explodir. Se branco fosse, estaria vermelho como semente de pau brasil.

Sem mais resistir, Alves, sem se preocupar em dizer algo que fizesse sentido, apenas disse à moça, em meia voz, a enigmática frase:

- Hoje não! Hoje não!

E de súbito levantou-se e deu sinal para descer no próximo ponto, um ponto antes daquele no qual habitualmente a linda moça descia no centro da cidade.

Quando o ônibus abriu as portas, Alves atirou-se para o lado de fora e pôs-se a vomitar na calçada, na frente daquele mundo de gente que ia e vinha. Vomitava a plenos pulmões, como quem estivesse disposto a cuspir tudo o que entrara mal pelos seus ouvidos e não conseguira absorver.

Estava livre.

A moça provavelmente nada entendera e talvez nem quisesse entender. Mas para Alves fora uma vingança pessoal contra as mulheres passageiras. Sentia-se vitorioso. Isso que importava.

No dia seguinte, no outro, no outro e ainda por meses, voltou a encontrar a cavala e a italianinha na mesma fila de espera e no mesmo ônibus. Mas desde então nunca mais dirigira alguma palavra a uma delas ou a qualquer outra mulher dentro de um ônibus, por mais linda que fosse.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pará

Quer saber?
Vou-me para o Pará.
Não Belém!
Quem sabe Marabá...

Pegar um trem
Aquele de Carajás!
Queria ontem,
Mas vou já!

Estrada de ferro
Coração de aço
Ar de minério
Me dê um abraço

Meia passagem,
Uma ida.
Meia viagem,
Uma vida.

Ôh Sônia, Ôh Sônia
Preciso te encontrar.
Na Amazônia
Ou qualquer lugar.



sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amélie

Hoje vi um filme bem novo. Deve ter só mais de uma década que foi lançado... hahaha
Da série coisas que se faz quando se está de férias.

Le fabuleux destin d' Amélie Poulain (O fabuloso destino de Amélie Poulain)

Conhecem? Imagino que quase todo mundo já teve a oportunidade de ver esse filme na última década. Por todos esses anos tive uma curiosidade inexplicável de ver esse filme; um fascínio anormal. Até mesmo algumas músicas da trilha sonora eu já tinha baixado da internet, mesmo sem ver a obra.


A primeira impressão? Uma obra delicada. Extremamente delicada, aliás. Um filme tão delicado quanto sua protagonista. Cada mínimo detalhe, cada personagem, tudo muito bem trabalhado. Por certo, para quem curte filmes mais objetivos, "O fabuloso destino de Amélie Poulain" é um filme chato, arrastado. De fato, é um filme meio paradão. Mas esse paradão é justamente um reflexo do modo de vida dos personagens da obra. 

Aí é que está o grande charme dessa película: os personagens. Seres comuns. Pessoas normais. Mas tão normais que parecem exóticos. É exatamente isso que a apresentação de cada personagem, dizendo o que eles gostam e detestam parece mostrar. Mostra que seres comuns, na sua intimidade, gostam de coisas incomuns, como enfiar a mão bem fundo em um saco de grãos, mas detestam coisas triviais, como que seus dedos enruguem após um banho quente. Pessoas comuns são apresentadas como se fossem excêntricas. É como se a obra quisesse dizer que, de alguma forma, mesmo as pessoas mais "normais" possuem suas "loucuras".

Amélie é uma menina de vida sem graça. Como tantas pessoas que cruzam conosco todos os dias. Uma menina de trajes simples, de beleza simples e de agir comum. Até que um acontecimento incomum, muda todo o seu destino. Na verdade, não é o destino dela que muda ao encontrar uma caixinha escondida em um buraco de seu quarto, mas o jeito dela conduzir a vida e, consequentemente, de construir seu destino. A personagem passa a fazer coisas incomuns. A fugir do óbvio.


Não consegui segurar as risadas com as traquinagens de Amélie com o quitandeiro e, sobretudo, com seu próprio pai. É hilária a história das viagens do anão de jardim!

É interessante notar que ao mudar sua forma de agir no dia a dia, Amélie passa a alterar a vida de todas as pessoas comuns que estão ao seu redor. Ela passa a produzir novidades, boas e ruins, na vida de todos eles. Passa a tira-los do costume. Tira-lhes do conforto, do marasmo. Mas ao mesmo tempo que muda a vida de todos, Amélie segue mantendo-se omissa em relação aos destinos de sua vida. Não se decide sobre sua vida afetiva. É contraditório. Ela rompe a inércia em direção ao rapaz que lhe atrai, mas quando consegue coloca-lo na sua zona de influência, quase deixa, por inércia, escapar a possibilidade de se relacionar com ele. Ela o conquista com suas condutas de ousadia, porém foge do contato, da relação amorosa, quando percebe que o conquistou.


Amélie tem coragem de lançar novas cores sobre a vida de todos, mas não tem coragem de iluminar sua própria vida. É intrigante. Ela é uma menina boba e atrevida ao mesmo tempo. O mundo precisa de mais meninas como Amélie. Na verdade, acho que devem existir muitas, mas elas devem estar escondidas por aí, ainda se escondendo da vida, dos contatos e dos relacionamentos. Aliás, se eu achar uma "Amélie" que fale francês, eu caso com ela sumariamente. Como é doce e agradável ouvir uma mulher falando francês...

E a atriz? Nunca tinha ouvido falar dela antes, contudo, preciso reconhecer que ela é de uma beleza apaixonante. Beleza simples. Em geral não acho bonito mulheres de cabelo curto como o dela, mas consegui abrir uma exceção. Não sei porque, mas eu achei o rosto da atriz muito igual ao da Catherine Zeta-Jones mais nova. Eu sei, elas não se parecem...

      
                                             Catherine                                          Audrey Tautou

Voltando à personagem, Amélie é fabulosa. Aliás, todos os personagens são fabulosos. Pessoas normais, de vida chata e sem graça até o dia que Amélie começa a criar novidade na vida deles. E aí fica a grande mensagem do filme. A vida é cheia de pontos de conforto. De momentos em que escolhemos não se arriscar e se entregar ao comodismo das coisas que se repetem e não nos exigem novas respostas e atitudes. E os anos passam dessa forma repetitiva e só depois vemos o quanto desperdiçamos. Pessoas normais tendem a ser vegetais, a perguntar "tudo bem" sem realmente se importar com a resposta; a dizer que o tempo está quente só para não ter que movimentar uma conversa de verdade.

"O fabuloso destino de Amélie Poulain" é um filme de história delicada. Que nos toca com sutileza se nos dispormos a analisar cada pequeno detalhe da história. Aliás, são muitos os pequenos detalhes que tornam o filme algo que foge ao roteiro comum do que costumam ser as películas românticas.

Amélie nos convida à vida. A nos expormos um pouco mais. A sairmos de dentro da concha e a nos atirar com ousadia para construirmos nossos próprios destinos fabulosos.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

The Champion of the World


Hurricane

Pistol shots ring out in the ballroom night
Enter Patty Valentine from the upper hall
She sees the bartender in a pool of blood
Cries out, "My God, they've killed them all! "
Here comes the story of the Hurricane
The man the authorities came to blame
For somethin' that he never done
Put in a prison cell, but one time he could-a been
The champion of the world

Three bodies lyin' there does Patty see
And another man named Bello, movin' around mysteriously
"I didn't do it, " he says, and he throws up his hands
"I was only robbin' the register, I hope you understand
I saw them leavin', " he says, and he stops
"One of us had better call up the cops. "
And so Patty calls the cops
And they arrive on the scene with their red lights flashin'
In the hot New Jersey night

Meanwhile, far away in another part of town
Rubin Carter and a couple of friends are drivin' around
Number one contender for the middleweight crown
Had no idea what kinda shit was about to go down
When a cop pulled him over to the side of the road
Just like the time before and the time before that
In Paterson that's just the way things go
If you're black you might as well not show up on the street
'Less you wanna draw the heat

Alfred Bello had a partner
and he had a rap for the cops
Him and Arthur Dexter Bradley were just out prowlin' around
He said, "I saw two men runnin' out
they looked likemiddleweights
They jumped into a white car with out-of-state plates. "
And Miss Patty Valentine just nodded her head
Cop said, "Wait a minute, boys, this one's not dead"
So they took him to the infirmary
And though this man could hardly see
They told him that he could identify the guilty men

Four in the mornin' and they haul Rubin in
Take him to the hospital and they bring him upstairs
The wounded man looks up through his one dyin' eye
Says, "Wha'd you bring him in here for? He ain't the guy! "
Yes, here's the story of the Hurricane
The man the authorities came to blame
For somethin' that he never done
Put in a prison cell, but one time he could-a been
The champion of the world

Four months later, the ghettos are in flame
Rubin's in South America, fightin' for his name
While Arthur Dexter Bradley's still in the robbery game
And the cops are puttin' the screws to him
lookin' for somebody to blame
"Remember that murder that happened in a bar? "
"Remember you said you saw the getaway car? "
"You think you'd like to play ball with the law? "
"Think it might-a been that fighter
that you saw runnin' that night? "
"Don't forget that you are white. "

Arthur Dexter Bradley said, "I'm really not sure. "
Cops said, "A poor boy like you could use a break
We got you for the motel job
and we're talkin' to your friend Bello
Now you don't wanta have to go back to jail
be a nice fellow
You'll be doin' society a favor
That sonofabitch is brave and gettin' braver
We want to put his ass in stir
We want to pin this triple murder on him
He ain't no Gentleman Jim. "

Rubin could take a man out with just one punch
But he never did like to talk about it all that much
It's my work, he'd say, and I do it for pay
And when it's over I'd just as soon go on my way
Up to some paradise
Where the trout streams flow and the air is nice
And ride a horse along a trail
But then they took him to the jail house
Where they try to turn a man into a mouse

All of Rubin's cards were marked in advance
The trial was a pig-circus, he never had a chance
The judge made Rubin's witnesses
drunkards from the slums
To the white folks who watched
he was a revolutionary bum
And to the black folks he was just a crazy nigger
No one doubted that he pulled the trigger
And though they could not produce the gun
The D. A. said he was the one who did the deed
And the all-white jury agreed

Rubin Carter was falsely tried
The crime was murder "one, " guess who testified?
Bello and Bradley and they both baldly lied
And the newspapers, they all went along for the ride
How can the life of such a man
Be in the palm of some fool's hand?
To see him obviously framed
Couldn't help but make me feel ashamed to live in a land
Where justice is a game

Now all the criminals in their coats and their ties
Are free to drink martinis and watch the sun rise
While Rubin sits like Buddha in a ten-foot cell
An innocent man in a living hell
That's the story of the Hurricane
But it won't be over till they clear his name
And give him back the time he's done
Put in a prison cell, but one time he could-a been
The champion of the world
(fonte: http://www.vagalume.com.br/bob-dylan/hurricane-traducao.html)


Foi assim que Bob Dylan cantou uma das histórias mais dramáticas que alguém já pôde ter vivido neste mundão de meu Deus. A letra da música, por si só, já conta tudo (aliás, Bob Dylan, mais uma vez, deu aula e mostrou que sim, é possível escrever música em inglês com sentido). Por isso, não quero usar este espaço para contar a história toda, até porque há milhares de sites na internet que trazem versões bem completas dela. O que eu quero é fazer uma homenagem a Rubin "Hurricane" Carter, o homem, o negro, o atleta, que ficou 19 anos preso pela prática de um homicídio que não cometeu.

Virou filme. "The Hurricane" ("Hurricane - O furacão", em português). Foi interpretado por Denzel Washington lá pelos idos dos anos 1990. Vi esse filme em uma noite de sábado no SBT, no auge dos meus 13 ou 14 anos, mas nunca mais esqueci desta história. Como um homem pode ficar preso por 19 anos por um crime que não cometeu? Mesmo sendo um talentoso boxeador que disputou um título mundial de boxe? Mais um negro vítima da racista sociedade americana dos anos 1960.

Rubin Carter não perdeu apenas anos de sua vida atrás das grades. Perdeu a chance de ser um grande campeão do boxe. Quem sabe a chance de ter sido um campeão do mundo. Mas mais do que isso, carregou o rótulo de assassino por anos atrás das grades, condenado por um sistema jurídico racista. Isso acaba com qualquer homem, com sua dignidade como pessoa. Mas ele venceu. A história da incrível injustiça sofrida por ele movimentou a opinião pública americana, gerou manifestações de apoio de celebridades e foi eternizada em uma música por Bob Dylan...

Em entrevista dada em 2011, Rubin Carter disse: "Eu não iria desistir. Não importa que eles me condenassem a três vidas na prisão, eu não iria desistir. Só porque um juri de 12 pessoas mal informadas me considera culpado, isso não significa que eu sou culpado. E porque eu não era culpado, eu me recusei a agir como um culpado." (http://oglobo.globo.com/esportes/morre-ex-lutador-de-boxe-rubin-carter-12250204#ixzz3091LmmZB)

Pra mim, ele foi um campeão do mundo, ele venceu o mundo, como um legítimo hurricane. Aliás, isso me lembra uma passagem da Bíblia bem assim: "Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem; eu venci o mundo." (Jo 16,33). Essa é a minha singela homenagem a Rubin "Hurricane" Carter, o homem que morreu de câncer de próstata em 20 de abril de 2014, aos 76 anos, mas que nunca deverá ser esquecido por aqueles que militam por sistemas jurídicos efetivamente justos, por igualdade racial e, acima de tudo, pela defesa da dignidade e da vida humana.


 hurricane... Como todos os fenômenos da natureza que se vão, você deixou suas marcas por onde passou.

domingo, 26 de janeiro de 2014

[Dando Uma] Serra Pelada

Mais uma crítica irresponsável de cinema.

Hoje quero dar pitaco sobre um dos poucos filmes que vi no cinema no ano de 2013: "Serra Pelada". Desde o dia que eu vi esse filme eu quis fazer uma postagem sobre ele, mas a certeza de que nem 5% dos leitores incertos deste blog teriam assistido ao mesmo me fez desistir da ideia. Então eis que a Rede Globo, para meu espanto, resolveu exibir esse filme como uma espécie de minissérie no começo deste ano, fato que renovou minha esperança de ter público para esta postagem.

Pois então. É sempre bom reforçar, sobretudo para os navegantes de 1ª viagem neste blog, que eu sei tanto de cinema quanto a maioria das pessoas sabe sobre as regras do golfe, a ponto de eu sequer saber ao certo o que faz um diretor. Ah, mais uma vez, essa não é uma sinopse de filme, logo não se destina a resumir a história, portanto, a leitura será mais proveitosa para quem já tiver assistido ao longa metragem. Na realidade, acho que vou falar mais da verdadeira Serra Pelada do que do filme... Mas enfim, vamos lá!


Não precisa ser um expert em cinema pra perceber que "Serra Pelada" foi uma produção bem pobre financeiramente. Elenco principal pequeno, poucos atores medalhões, poucos cenários etc. Mas o que mais me intrigou não foi isso, e sim o fato de terem explorado tão porcamente uma história tão rica. Serra Pelada é a história de um Eldorado em pleno século XX, no meio do nada e em meio aos perigos da floresta amazônica; a história de milhares de homens vindos de diferentes pontos do Brasil que largaram tudo para perseguir um incerto sonho dourado, o sonho de enriquecer achando ouro, mesmo sem nunca na vida terem sequer garimpado. Em síntese, como dito no próprio filme, é a história da maior concentração de trabalho humano desde a construção das pirâmides do Egito.


Pelo menos esse aspecto geral o filme conseguiu demonstrar. Conseguiu mostrar como esse sonho dourado foi capaz de contaminar tanta gente - dos mais variados tipos, diga-se de passagem. Os protagonistas do filme são um espelho disso: duas pessoas que deixaram São Paulo em direção a um garimpo desconhecido no interior do Pará, de onde corria Brasil afora a notícia de haver muito ouro a ser extraído. Aliás, até que a história dos protagonistas é interessante, consegue prender a atenção, mas ainda assim, os verdadeiros personagens de Serra Pelada mereciam um pouco mais.


É claro que "Serra Pelada" é um filme de ficção, e não um documentário, mas explorar tão pouco alguns detalhes da Serra Pelada verdadeira foi um pecado. Falaram tão pouco das loucuras feitas pelos bamburrados, das visitas ilustres de mulheres como Rita Cadillac em um ambiente no qual elas eram as únicas mulheres em um raio de quilômetros, assim como das dificuldades de se viver no interior do Pará - no meio da floresta amazônica, em meio à malária e outras sérias doenças, em meio ao calor infernal etc. Digo isso mal acostumado por histórias de filmes bem feitos como "Carandiru", que mesmo em meio a tantos detalhes a serem explorados, conseguem contar satisfatoriamente a história de muitos personagens simultaneamente. Mas pensando bem, não se pode exigir muito de um filme financeiramente pobre...

[Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a verdadeira Serra Pelada, recomendo esta reportagem especial feita pela Rede Record, dividida em duas partes: Parte 1 e Parte 2. O que mais me intriga nessa reportagem são as histórias do bamburrado que bancou um voo exclusivo de Belém pro Rio de Janeiro, sozinho em um avião no qual cabia mais de 100 pessoas e pagando mais de cem mil reais (em dinheiro atualizado), e do cara que depois de ser milionário hoje vive miseravelmente e mesmo assim diz que se pudesse voltar no tempo gastaria tudo de novo! São essas coisas que me atraem tanto na história de Serra Pelada]

Enfim. Serra Pelada é muita história para um filme de pouco orçamento. De qualquer forma, valeu a tentativa. Algumas coisas são extremamente boas no filme, como, por exemplo, a trilha sonora, sobretudo das cenas passadas no "30"; músicas que se encaixam muito bem com o contexto regional e social. Gamei nesta música aqui, de um artista falecido que descobri se chamar Frankito Lopes (também conhecido como "o índio apaixonado"):



O filme também consegue tratar muito bem a questão da violência naquele cenário amazônico onde sobrava testosterona. São cenas muito boas de corre-corre, tiros e gritaria. E a Sophia Charlotte (acho que é assim que se escreve, não vou pesquisar)? Pessoalmente não acho ela uma grande atriz e muito menos uma das mais bonitas. Pensei que ela seria muito europeia pra fazer o papel que lhe deram no filme. Mas vou te dizer, no final das contas ela é a cereja do bolo no filme. Acho que como era o primeiro filme dela ela tava topando fazer tudo. Sem rodeios, ela mostrou ser bem gostosa. Belos peitos! Sobre a atuação dela? Sei lá. Acho que nem reparei. Como é que você vai reparar em interpretação numa hora dessas?

 

Se é pra falar de verdade sobre interpretação, posso dizer que mais uma vez Wagner Moura deu show. Um personagem pitoresco, cheio de trejeitos e de cenas inesquecíveis. Uma pena que talvez a melhor cena desse personagem não foi mostrada na minissérie da globo. Aliás, lamentável essa minissérie... O filme em si já é de enredo meio pobre, e com cenas cortadas então, virou quase uma sequência de fotografias. Creio que quem viu o filme só na Globo teve a sensação de que o filme era pior do que realmente era. Uma pena...

Um aspecto que me chamou a atenção no dia que vi o filme no cinema era a monotonia da história em razão dos poucos personagens e cenários. No entanto, isso tem um aspecto interessante, pois o filme consegue, ainda que involuntariamente, passar a quem o assiste a mesma monotonia que devia marcar a vida dos homens que viviam naquele garimpo amazônico, no meio do nada. Entende? É como se a pobreza de enredo fosse justamente para reproduzir a monotonia daquela vida de poucos cenários que aqueles homens tinham.

É um filme pobre cuja maior qualidade é a história de fundo: a história do garimpo de Serra Pelada. Foi justamente essa a motivação que me fez ir ao cinema ver esse filme. Eu nem sabia qual era a história dos personagens do filme e tampouco conhecia direito o elenco. Meu negócio mesmo era ver aquela loucura de 100 mil homens fervendo no meio da floresta em busca de um sonho tão incerto. Nesse aspecto, o filme merece uma menção honrosa, pois conseguiu mostrar bem como a busca pelo ouro era insana, como mexia com os valores daqueles homens, a ponto deles mesmo depois de conseguirem dinheiro suficiente para voltar para casa preferirem ficar lá para tentar conseguir ainda mais. É um ciclo vicioso. Nunca chega a hora de voltar, até que você perca todas as suas fichas. Serra Pelada se mostra como uma droga, como o vício em jogo, no qual após ganhar uma quantia significativa o jogador prefere reinvestir tudo o que ganhou para tentar ganhar mais.


Os protagonistas do filme vivem essa realidade. Acham ouro, mas preferem reinvestir para achar mais, tornando-se, assim, donos de barranco. Joaquim (vulgo "professor"), mesmo vendo, através de fotos, sua única filha crescer sem ele em São Paulo, resiste por anos em retornar para casa. Aquilo que era só uma aventura - ir, achar ouro e voltar - se torna algo viciante. Não há outra palavra além de "ganância" que seja capaz de explicar a escolha dos personagens em se deixar ficar voluntariamente naquele fim de mundo.

Sobre esse aspecto a reportagem da Record destacada anteriormente é um primor. Mostra a história de homens que nunca mais voltaram para suas terras depois de pisar em Serra Pelada. Homens que vivem há décadas naquela região ainda na esperança de poder pegar o ouro que talvez ainda exista abaixo daquela terra. Homens que não sabem mais como viver se não for sonhando com o ouro de Serra Pelada, que seriam incapazes de voltar "pra casa" depois de tantos anos. Homens para os quais Serra Pelada se tornou casa e continuará sendo mesmo se ainda conseguirem bamburrar numa improvável última garimpagem no local.

É o poder dos sonhos. Muitas vezes aquilo que era sonho se torna ilusão, mas não conseguimos perceber ou relutamos em aceitar.