sábado, 28 de julho de 2012

Da propriedade

Muito se fala sobre os malefícios do sistema capitalista. Muito se critica. Se arrota muita coisa por aí. Tem gente que defende até mesmo um sistema econômico pensado em uma época na qual a indústria era o setor mais importante da economia. Enfim, fala-se muito.

Mas o que precisa ser dito é que gostamos de consumir. Que gostamos de ter, de dizer que é meu, e não seu. Pouco se estuda como fazer o homem se desapegar do gosto de adquirir. Pra mim, o capitalismo não cai tão cedo porque ele conseguiu conquistar o amor das pessoas, conseguiu incutir um amor por ter. Enquanto não matarem esse sentimento, podem teorizar mil modelos de economia, falar em revolução e o caralho, mas não vai dar certo.

Cheguei a essa conclusão pensando em por que sinto prazer quando compro algo novo. A sensação que você tem ao comprar uma coisa usada é a mesma que tem quando compra algo novo (fechado na embalagem, com aquele cheirinho que você vai ser o primeiro a provar)? Provável que não. Embora a versão usada possa te deixar exultante, por certo que o mesmo produto em sua versão nunca usada lhe deixaria tri-exultante. Por quê? Não sei. Só sei que é assim.

Adquirir é prazeroso. Dá uma sensação gostosa de poder. Alguns meses atrás, lendo um texto sobre Kant, vi uma afirmação (que não posso atribuir ao pensamento dele por não ter estudado bem) no sentido de que a propriedade é uma extensão do corpo. Disso concluí que aquilo que é de minha propriedade é como uma parte de meu próprio corpo. Você cria uma relação de afeto com aquilo que adquire com o suor do seu trabalho. De alguma forma, penso eu, quando você olha para um tênis que acabou de comprar, não é ele que você enxerga, mas um pouco do seu trabalho que permitiu adquiri-lo. Você vê um pouco de si. É como se aquilo fosse reflexo do seu esforço, uma recompensa do seu trabalho.

Pensando assim, cheguei à conclusão de que a relação que nutrimos com aquilo que adquirimos com nosso esforço é muito íntima, mexe com nossos sentimentos. De alguma forma, quando alguém furta aquilo que você comprou, você se sente violado, agredido, e às vezes, um pouco morto. É como se trabalhar não compensasse, pois seu esforço não é respeitado. Dói ser furtado. Dependendo do valor pecuniário daquilo que se leva, dói mais que um soco bem dado na cara. Percebe? A sua propriedade é algo muito corporal, íntimo. Para alguns mais, para outros menos. Mas praticamente todos sentem algum desconforto em perder algo que pôde adquirir por meio de seu esforço.

Mata-se para manter a propriedade sobre algo. Por quê? Porque quando se defende a sua propriedade é como se você defendesse um membro do seu corpo, uma parte de si, um pedaço da própria vida. Daí a velha discussão de por que as leis protegem tanto a propriedade? Ora, porque a propriedade é um pouco de vida. Quando você defende a sua propriedade, de alguma forma você também defende a própria vida, algo de si. É claro que alguns exageram e levam qualquer ameaça de violação à sua propriedade ao extremismo, talvez por nutrirem um vínculo sentimental muito forte com a mesma. Isso se justifica? Pra mim não. Mas, de alguma forma, é possível tentar entender.

{A gente tem que parar com essa mania de não tentar entender aquilo com o que não concordamos. É preciso ouvir as opiniões de que não gostamos e tentar entendê-las para poder refutá-las, ou não. Tem muito nego que arrota intelectualismo por aí, mas não consegue tentar pensar um pouco sobre as razões de quem pensa diferente. Eu posso não concordar com as ideias do Deputado Bolsonaro, por exemplo, mas não acho democrático querer cassar o mandato do mesmo por causa delas. Ora, ele defende uma parcela da população que pensa como ele, pessoas que o elegeram e que pagam os mesmos impostos que eu e você. Isso é democracia. Debate de ideias. Por mim até neonazistas deveriam poder criar partidos, manifestar suas ideias, desde que não tivessem e não estimulassem atuação paramilitar. É óbvio que um partido assim não conseguiria, no contexto atual, aprovar leis que promovessem discriminação por raça, até porque nossa Constituição veda a criação de leis assim, mas qual o problema desses caras também poderem defender e debater o modelo de sociedade que querem? Isso é democracia.}

Eu acho que não sou capaz de matar para manter minha propriedade sobre algo, mas aposto que se eu flagrar um ladrão fugindo de minha casa pela janela com algo em suas mãos que lutei muito para conseguir comprar, eu serei capaz de estrangulá-lo (talvez até a morte), se puder. Contraditório, não? Pois é, fazemos discursos que na hora em que nos deparamos com o problema não sabemos se somos capazes de manter. A propriedade sobre algo que é nosso mexe com nossos sentimentos. É claro que há outras variantes que motivam um comportamento extremado como esse, como, por exemplo, a descrença no Poder Público. Contudo é inegável o meu amor por aquilo que conquistei; é inegável que nutro sentimentos por aquilo que é meu. É um pedaço de mim que foi conquistado. Só eu sei o quanto precisei me esforçar, os sapos que engoli para conquistar.

É notório que para alguns, essa extensão do corpo chamada propriedade vale mais do que o próprio corpo, mas aí já é outra questão. Aonde quero chegar é no ponto de que aquilo que tanto nos alegra quando compramos algo novo é o sentimento de que estamos sendo recompensados por nosso esforço. Enquanto não conseguirmos mudar essa mentalidade e parar de sentir prazer em comprar, desculpem-me os utópicos, nós nunca sairemos do modelo capitalista. Não é à toa que nunca fez sucesso nos socialismos implantados por aí essa ideia de que é tudo de todo mundo e meu apenas o necessário. É difícil achar justo alguém ter o mesmo que você embora tenha se esforçado menos para merecer, isso causa insatisfação em muita gente. Escute, não digo que concordo, mas que entendo os motivos. É isso: ter é mais que apenas ter. Sua propriedade é parte de você, uma extensão de ti, que será defendida (mesmo que negues) porque é um pouco do seu ser.

Ele voltou.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

De cor

Sabe aquela sensação de que as coisas estão indo? Não? Deveria conhecer. De alguma forma que não sei explicar as coisas estão indo. Meio na trombada; no empurrão; no ímpeto; de coração. Não sei explicar. É um movimento meio ameboide. Algo vai te puxando. Você vai. Pergunta se pode entrar e quando vê já está entrando. Meio de intruso. Como diria o mestre: "Passou a cabeça passa o resto". É meio assim. Tenho feito o que precisa ser feito sem me perguntar se de fato precisa ser feito. Algo diz que precisa ser feito e eu vou lá e faço. Evito me perguntar se deveria ter sido feito. Me contento em imaginar que fiz o que deveria ter feito naquele momento. Isso é libertador. E enganador. Depois eu poderei ver que despendi tempo com o que não devia. Mas prefiro pensar que não. Prefiro pensar que todas as supressões se mostrarão necessárias no futuro. E se eu perceber que errei? Errei, oras. Fiz o que pareceu ser necessário fazer.

Por outro lado, me pergunto. Tudo pode não passar de apenas uma sensação. De uma ilusão. Mas o que é a vida senão um conjunto de sensações alternadas e simultâneas? Um constante andar para frente. Mesmo quando se retorna se está avançando, rompendo a inércia. Viver exige movimento. Ação. Uma vontade de ir; de fazer; de romper; explodir. Tenho tido vontade de incendiar o mundo. De ver o o vidro romper. Tenho sede de caos, embora trabalhe objetivando a ordem. Mas o que é a ordem senão um caos amoldado? Cada um amolda o caos como bem entende, mas ele não está preso. A qualquer hora ele pode romper e emergir. E aí vão perguntar: quem libertou? Ora, ele nunca esteve preso, apenas esteve contido por um tempo, como cabelos presos em rabo de cavalo.

Vão falar que eu estou louco, mas não é não. É apenas transmissão simultânea. A música entra. A cabeça traduz. Os dedos libertam. Os olhos veem o resultado. Em tempo real. Coisa de menos de 3 segundos. É fácil escrever quando se liberta o que quer falar dentro de si. Deixa sair. Liberta. Fumo nada não. Não bebo. Dizem que esses são os mais perigosos. É aquela sensação de que as coisas estão indo. Tá entendendo como funciona? É assim. Algo vai te conduzindo e você vai trilhando sem direção. Sem ordem. Com caos. Mas um caos que conduz à ordem, afinal, o que é o caos senão uma desordem organizada dentro de uma palavra, dentro de um vocábulo? Qual? "Caos". Vá meu amigo. Siga. Ande. Mexa-se. Viva.

Vai.