sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Blasfêmia

A ordinariedade do que é pago é um misto de destempero com ignorância - a mesma que me faz escrever "ordinariedade" ao invés de "ordinarice" ou "safadeza".

A cretinice prevalece sobre a seriedade e a responsabilidade.

Rio acima há uma Rondônia de emoções e uma São Paulo de solidão.

O verão é a estação mais pobre - e triste. Toda aquela bobeirada padronizada de sol e praia. Ora bolas! Ao sul da linha do pecado é sol e praia o ano todo. E curvas nos catiras de uma mulher. Qual a novidade?

A novidade é a frieza travestida de ingratidão.

Que cada um viva sua luz e seu amargor. Só não pode vacilar. Nessa de tem sol na ponta do deque, o padre subiu aos céus levado por balões.

Dizem que a beleza está na aleatoriedade, na mistura das tintas, das peles e das palavras. Também acho.

Palavras ao vento.

Gritos no deserto.

(Me) Escreva.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Ele não

Quando dizem que não está acontecendo nada é porque algo está acontecendo.

Um mistério. Não o de feiurinha. Mas um mistério.

Todos eles merecem a oportunidade do "sim", inclusive mais de uma vez; ele não.
Todos eles merecem momentos de doçura e de piadas com cumplicidade; ele não.
Todos eles merecem o perdão e a tolerância; ele não.
Todos eles merecem o interesse e o frio na barriga; ele não.

A ele, cabe o compartilhamento dos momentos de incerteza, dúvida, desengano, tristeza e, amizade.
A ele, cabe o ouvido e, não a boca.
A ele, cabe ser compreensivo e conselheiro; não o Antônio, um antônimo, talvez.
A ele, cabe o descarrego de indiferença, silêncio e ignorância.

A alquimia do ser.

Nele, humildade se torna vaidade.
Nele, experiência se torna prepotência.
Nele, qualidade se torna defeito.
Nele, carinho se torna apego.

Distanciamento.

Em nome da proteção, recomendou-se o isolamento.
Em nome da quarentena, recomendou-se a noventena.
Em nome da razoabilidade, recomendou-se o extremismo.
Em nome da fidelidade, recomendou-se a promiscuidade.

Fome.

Um Big Mac de indignação.
Um peroá de rejeição.
Uma paçoca de frieza.
Uma lasanha de frustração.

Não queira ele ser eu.

Eu não.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Em silêncio

Há vida no silêncio.

E desejo. Desejo de que o apocalipse se concretizasse de modo repentino, sem aviso prévio, sem anticristo e tudo mais. Que o céu pudesse se abrir e ceifar toda essa gente que vive em e de desgraça. Sei que eu iria junto para o inferno, mas se sadismo é pecado, eu ao menos teria o prazeroso pecado de ver certas pessoas sofrerem. Em meio ao caos do apocalipse, me restaria um sentimento de justiça, de dever cumprido, uma contraditória leveza da alma, enquanto me afastaria gradativamente da beleza da divina luminosidade celeste rumo aos confins dos porões do inferno.
Eu queria o apocalipse, ainda que ele pudesse custar minha vida.
É a escolha mais covarde entregar a Deus e aos anjos a esperança e a humanidade que não somos capazes de concretizar. Não me importaria de ter meus projetos interrompidos pelo repentismo do juízo final. Aliás, até gostaria.

Mas enquanto o apocalipse não vem, resta o silêncio; a indiferença. Não a desistência. Nada a falar, nenhuma vontade de provocar. O coração nem balança.

O silêncio e a indiferença; quanto aos rumos do país, quanto às escolhas alheias, quanto aos sentimentos. Aliás, no silêncio há mais instinto do que sentimento. O instinto de sobrevivência que se sobrepõe a tudo que possa representar perigo. O silêncio instintivo que anseia por previsibilidade, por segurança e que não se sujeita ao vexaminoso constrangimento que um "não" afetivo é capaz de proporcionar. O instintivo silêncio de quem só quer andar na linha e se auto-preservar, tentar chegar até o final sem se pôr a pensar sobre qual final.

Seguir. Com a força do preto. Sem modismo ou rock and roll. Só preto. A imponência e a presença de quem se põe em preto. No silêncio do preto não tem mimimi, sacanagem ou deslealdade; há só seriedade. Há vida.

As tristezas do coração são como esterco. Fazem florescer a alma. Num jardim de sentimentos não correspondidos, a indiferença é a chuva que faz a alma frutificar. Não há nada que seja digno de se falar, nem convite que seja merecedor de se arriscar. É preciso silenciar, não se constranger, não se envergonhar. Se para sorrir depois é preciso chorar antes, melhor não querer sorrir, para não ter que chorar.

Não falar, não escrever. 

Delirar.

domingo, 2 de junho de 2019

Tokyo

Não haverá Tokyo em 2020. Aliás, não haverá 2020, 2030 e nem 2045, talvez só no Tesouro Direto.

Desta vez, não há que se falar em "treinei muito para ser roubado" e nem em roubo, afinal, não é possível ser roubado daquilo que nunca existiu ou daquilo que nunca se teve nem mesmo a posse. Mas eu me sinto roubado. Por um artista, talvez, ou somente por um cara legal com nome de flor. Ele não! Puta que pariu. Requintes de crueldade. Roubado daquilo que demorei para decidir e sonhar. Em minha alardeada prepotência faltou somente uma semana. Quiçá um mês. Mas faltou.

Nas últimas semanas era tão comum em minhas manhãs como respirar. Um costume, uma mania, o desejo de ver com meus olhos como as coisas caminhavam. Olhos grosseiros procuravam os quilos que prometiam sumir de modo promissor, enquanto os miolos pensavam como seria ser o pai de um Kataguiri. Paguei pela canalhice.

Quando decidi, perdi. Justo. No futebol é assim, a bola pune.

O que resta? Nada, talvez. Resta a dignidade de ser. E ser já é coisa pra caralho. Às vezes, resta isto: Ser. Um ser eu mesmo. Solitário. Resignado. Cumpridor de meus deveres e disposto a fazer o que precisa ser feito a maior parte do tempo. Previsível. Prepotente. Às vezes, muitas vezes aliás, fazer o que precisa ser feito é insuficiente. Erramos mais do que acertamos a maior parte do tempo, mas quem é capaz de saber o que é o certo quando todos estão perdidos?

Estou meio triste. É uma tristeza bandida, daquelas que se sente quando se sabe que é culpado. Dizem que quando o réu é culpado, ele chora. Eu só queria beber. Talvez com a garota mais organizada que eu já conheci na vida. Não sei exatamente o porquê. Só queria talvez não beber sozinho.

Parece que faltou tão pouco. Foi como perder o ônibus quando se estava prestes a conseguir embarcar nele, mas ciente de que o culpado pelo atraso fui eu. Talvez eu devesse estar feliz. Mas me falta um pouco desse altruísmo afetivo. Me resta parar de ver, como já fiz tantas outras vezes para esquecer. Mas quando assim é, me falta maturidade e passo a nutrir uma indiferença daquelas desumanas. Sem Tokyo, ainda me resta uma busca branca a cada novo amanhecer, a qual ainda busco com os olhos por alguma razão prepotente ou sadomasoquista que nem eu consigo entender.

Talvez, "talvez" seja  a palavra mais usada neste texto. Talvez eu só devesse viver minha vida e deixar as pessoas em paz. 

Não haverá Tokyo. Assim como não houve e não haverá outras. 

Às vezes, para não dizer talvez, é chato precisar ficar sóbrio no momento em que mais se precisa não estar.

Estou triste e não tenho uma Bud para beber.

domingo, 3 de março de 2019

Desonra

Com um longo delay, enfim assisti o filme "O último samurai", o qual inspirou o assunto desta postagem.

Em tempos de relativização, a própria ideia de honra tornou-se fluída. Em alguns momentos parece até que as pessoas não se preocupam em ser honradas.

Como o filme demonstra, a ideia de honra e de vergonha andam diretamente atreladas, surgindo assim a ideia de que nos desonra aquilo que nos envergonha profundamente. O problema é que se sentir profundamente envergonhado é algo muito subjetivo, sendo que nem sempre aquilo que considero uma grande vergonha é também para outra pessoa.

Isto me faz pensar que, no fim das contas, só sabemos o que nos desonra quando paramos para pensarmos com nós mesmos quais são os nossos valores e limites. Ocorre, entretanto, que nos tempos atuais não temos tanto tempo para visitarmos nossa própria consciência, de modo que não raro as pessoas não se sentem desonradas até que venham a vivenciar uma experiência realmente digna de todo o pudor.

Tento fugir dessa ideia, mas é recorrente em meus pensamentos o sentimento de que as pessoas levam vidas completamente afastadas de qualquer honra, dispostas a tudo e muito pouco sujeitas a constrangimento. Isto muda quando falamos dos tribunais, onde muitos se "sentem" extremamente sensíveis e portadores de grande honra quando o assunto é uma potencial indenização por danos morais.

Hoje, as pessoas não parecem ter a necessidade de manter a palavra por honra ou tampouco de assumirem publicamente seus erros.

Enquanto em "O último samurai" um guerreiro é capaz de tirar a própria vida diante de uma profunda desonra, hoje somos capazes de tirar da própria vida qualquer ideia de honra, de modo a facilitar a tomada de decisões.

Penso que ser honrado é saber o limite da sua vergonha, envolve autoconhecimento, autocrítica e paz interior. Saber o que me desonra é libertador e pacificador.

Costumo dizer à minha mãe que se um dia eu cometer um crime, ela não terá a desonra de me ver mentir, pois irei assumir o que eu tiver feito. Minha honra envolve não negar meus erros e assumi-los, envolve não mentir e ter a paz de que não há nada mais a esconder. Esta seria a maneira de eu recuperar minha própria dignidade diante de um mal feito.

Mas esta é a minha medida da honra.

Não é possível impor nossos padrões honrosos a terceiros, esperar que os outros ajam com um padrão ético pessoal similar ao nosso.

Falar de honra às vezes parece papo de gente hipócrita, que não reconhece suas falhas morais e que busca apontar desvios nos outros. Não cabe aos outros medir nossa honra e nem nos atribuir desonra.

O que eu realmente aspiro é que as pessoas de fato tenham alguma honra, algum limite moral e senso crítico sobre si mesmas, de modo que consigam evoluir como pessoas.

No fim das contas, saber o que nos desonra é necessário para guiar algumas de nossas escolhas na vida.

Eu sei o que me desonra e é no sentido contrário disto que eu devo guiar minha vida, para que eu possa viver com mais paz e sem fantasmas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Sara

Malandro não para, só dá um tempo...

O mundo anda muito chato ultimamente. Aliás, as pessoas andam muito chatas. Histéricas demais, mais precisamente. Um absoluto descontrole. Gritos, rosnados, mordidas, tiros e tudo mais que seja ariano e impulsivo. Um saco.

As pessoas andam muito extremas, armadas com pistolas ou balanças de julgamento nas cinturas. Primeiro atiram e depois julgam.

Perdi um pouco do encanto de escrever, de debater, de ensinar e (porque não) de aprender. Tudo anda muito à flor da pele. 

Voltamos aos tempos em que as pessoas acreditam em ameaça socialista, em necessidade de combater a expansão dos costumes e ideologias que ameaçam a família. Eu realmente ando sem paciência para conversar com essa gente sobre sociedade/política. Não consigo. Simplesmente não consigo.

Comprei uma piscina de plástico e coloquei na varanda do meu apartamento. Não quero saber de mais nada. Só me interessa assistir mesas redondas de futebol e conversar sobre amenidades.

Por menos praia e mais educação. Menos sol e mais inverno. Os tempos de frio ensinam e os dias de calor desatinam. Talvez seja isto: o aquecimento global queimou nossos miolos e elegemos um cara teimoso e retrógrado. Odeio gente teimosa. Na teimosia falta humildade, sobra orgulho e extremismo e escolhas impulsivas. Mas o que é a vida senão uma sucessão de escolhas burras? O problema é quando nós é que precisamos suportar as consequências das escolhas burras do outros e, pior, ter que corrigi-las.

Um freak show.

Estou me tornando, além de velho, um cara chato e azedo. Mas um cara azedo doce, tipo agridoce (aliás, odeio molho agridoce), para o qual as pessoas ainda olham com olhos de carinho e ternura. Esta é a minha salvação, saber que as pessoas ainda gostam de mim e, inclusive, me leem. Inclusive, se eu pessoalmente te falei deste blog é porque gosto muito de você e confio meus sentimentos e pensamentos a você. Não que seja uma honra, mas uma mostra de profundo respeito e consideração por sua pessoa, afinal, não me interessam os holofotes, elogios e etc em torno do que escrevo por aqui. Em tempos de extremismo, ter alguém com quem compartilhar nossos pensamentos, sem medo de tomar um tiro ou ter o coração pesado na balança de Anúbis, é uma honra.

Mas escrever tornou-se subversivo, coisa de ideologia marxista. Então tenho dedicado meus dias a trabalhos braçais, mesas redondas de futebol, pornografia e ao estudo adestrado para concursos. Daqui a pouco, vou capinar um quintal, pela honra do meu querido Brasil. Então não me julgue e não me espere para o próximo texto, porque pode demorar.

Brasil!