sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

God bless America

Volta e meia eu me pego sentindo inveja dos americanos (norte-americanos ou estadunidenses, se você preferir). É estranho sentir inveja de alguém que você não conhece de perto, mas apenas de ouvir dizer. Eu sinto. Sinto inveja da história construída por meio de luta e do sentimento de nação dos americanos. Sinto inveja da história que cada estrela daquela bandeira traz em si.

Mas tem uma coisa que me desperta uma inveja ainda mais acentuada: a maturidade dos meios de comunicação norte-americanos, mais precisamente, a coragem que eles têm de serem parciais. Sim. Eles são parciais. E eu acho isso fantástico, porque eles não têm medo e nem vergonha de serem assim.

Já aqui, abaixo da Linha do Equador (ou do pecado), se uma emissora assume ser parcial, ela é praticamente "excomungada". Aqui, os meios de comunicação, sobretudo os de televisão, enchem a boca para dizer que são imparciais, como se ser parcial fosse um problema. A realidade, senhores, é que nossos meios de comunicação são tão ou até mais parciais do que os americanos, mas não assumem. É aí que reside a covardia, na minha opinião.

Ser um meio de comunicação parcial não é um problema quando o público tem conhecimento deste fato. Nos Estados Unidos é muito interessante ver como algumas emissoras de TV (como a Fox News), alguns programas, apresentadores e jornalistas se posicionam claramente em prol do Partido Democrata ou do Partido Republicano durante as eleições. E eles não sentem vergonha nenhuma disso. Todos sabem previamente que estão diante de uma emissora/programa/jornalista republicano ou democrata. Aliás, é até engraçado ver programas de humor fazendo campanha contra alguns candidatos. Acho isso lindo, porque representa o que de fato é a liberdade de imprensa.

Já aqui, há revistas, canais de televisão e jornalistas anti-governo e pró-governo que fingem que são imparciais e que não têm interesses políticos. Pelo amor de Deus! Por que fazem isso conosco? Por que não assumem de que lado estão? Não aguento esse papo de imparcialidade. Ninguém consegue ser imparcial de verdade. Não tenho prova científica, mas não acredito que somos capazes de agir imparcialmente em nada. A imparcialidade pode e deve ser uma meta (utópica, aliás) a ser observada para a prática de algumas condutas, mas não podemos nos iludir achando que somos capazes de atingi-la. Cada escolha que fazemos já traz em si um pouco de parcialidade, um pouco de nós mesmos, seres parciais por natureza.

E como é que um meio de comunicação, que, além de ser formado por pessoas de concepções de mundo das mais variadas, é alimentado por interesses de seus financiadores, pode se dizer imparcial? É uma piada. Mas não no Brasil. Aqui é um lugar meio estranho pra algumas coisas. Sei que não tem nada a ver, mas lembrei de uma frase de Tim Maia bem assim: "O Brasil é o único país em que além de puta gozar, cafetão sentir ciúmes e traficante ser viciado, o pobre é de direita." Faltou dizer que aqui a imprensa também é imparcial.

O que fazem com a gente é covardia. Por que não se assumem? Por que não dizem logo quem querem que seja o próximo presidente? Aí sou obrigado a ficar vendo William Waack abrindo 8 em cada 10 Jornal da Globo fazendo uma análise crítica (geralmente um breve comentário de uns 15 segundos) contra o governo federal antes de anunciar as manchetes do jornal. Porra! Assume logo. Tá chegando as eleições e já tá começando a campanha partidária disfarçada. No auge do processo eleitoral, os meios de comunicação vão dizer que "estão fazendo uma cobertura imparcial das eleições para ajudar o eleitor a conhecer todos os candidatos e fazer sua escolha democrática". Bla bla bla. E depois de acabar de falar isso, vão fazer coisas como o que fizeram com o candidato que liderava até então as pesquisas pra prefeitura de São Paulo em 2012 (coincidência ou não, ele liderava as pesquisas e depois nem foi pro 2º turno). Só pra constar, a ideia era dar ao candidato a oportunidade de, por alguns minutos, falar de suas propostas para a cidade...


Ser parcial não é um problema, desde que se assuma isso ao público. É um crime enganar os telespectadores dizendo-se imparcial. Eu, como telespectador, gostaria de saber quem apoia quem, porque pelo menos assim saberia ao assistir ao canal "X" que ele está inclinado a favorecer "A" ao invés de "B". Ou seja, eu saberia previamente o que esperar de cada meio de comunicação. Ora, por que a revista Veja não se assume? É pecado dizer que apóia PSDB e DEM e que não gosta do PT? Não é pecado ter um lado, mas é uma tremenda covardia fingir e negar de pé junto que não tem.

Ano que vem vai começar tudo de novo. A mesma historinha de imparcialidade/democracia. Vai começar a festa da hipocrisia. Acabou a ditadura, meus filhos. Democracia requer meios de comunicação livres para serem o que quiserem, inclusive parciais politicamente. Na democracia ninguém precisa fingir nada. Pra mim, mais importante do que se dizer imparcial, um meio de comunicação precisa ter transparência, deixar claro quais são suas verdadeiras convicções.

Mas fazendo um meia culpa. Será que nós, brasileiros, já temos maturidade suficiente para lidar com meios de comunicação assumidamente parciais como nos EUA? Será que não somos nós que de alguma forma ainda preferimos acreditar em imparcialidade e exigimos isso dos meios de comunicação? Você já viu a reação que muitas pessoas têm quando alguém fala daquela revista chamada Carta Capital? Dizem coisas do tipo "Ah, aquela revista é de esquerda, não dá pra dar credibilidade ao que ela diz do governo". Ora, melhor ler sabendo que ela é assumidamente de "esquerda" do que ler achando que ela é imparcial. Pelo menos eu penso assim. Mas às vezes tenho dúvidas se de fato as pessoas preferem isso. Enfim, falei demais.

Por Don Quasímodo, um apoiador assumido dos Sans Culottes.