sábado, 4 de fevereiro de 2012

Devaneio prussiano 82%

Olhando nos olhos dela via mais do que a alma dela; via mais do que devia e mais do que podia. Via o futuro. Um futuro cheio de novidades. O que teria e o que nunca teve.

Cheiro de rum.

O toque de outra pele lhe causava choque. Era estranho. Não sabia muito bem como era sentir o contato com uma pele mais macia que a sua. Parecia pecado. Algo proibido. Só o sentir das mãos já era incrível. Ele adorava mãos, sempre reparava nelas. Mas as mãos de uma mulher nas suas ainda causava choque, afinal, a maior parte de seus dias foram sem tocar na pele de qualquer mulher.

Os dedos dela estavam retorcidos.

Pintas. Ela as tinha aos montes. No pescoço sobravam, o que criava um belo contraste com sua pele alva. Pintas marrons que se afogavam.

Naquela época joelhos ainda eram bonitos. Os dela eram lindos. Ao mesmo tempo em que escondiam algo maior eles também deixavam escapar.

Era muita doidera de uma vez só.

Ele a preferia sem maquiagem. Assim conseguia ver melhor a pele e aqueles sedutores e convidativos lábios rosados tão delicados. Dava vontade de mordê-los. Engoli-los. Ele nunca os beijaria.

Precisava partir. A campanha lhe chamava. Mas antes de ir precisava vê-la uma última vez naquele vestido rosa. Mas que lindos joelhos. Como eram saudáveis.

Bebeu o último gole e largou o desconhecido rumo ao infinito.



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Os dias nublados se tornavam convidativos dias ensolarados próximos à lagoa. Os bueiros e os morteiros inimigos não explodiam embaixo dos pés dela. As sandálias dela eram capazes de trazer a paz mundial mesmo àquelas trincheiras imundas da Prússia.

Ela flutuava ao vento. Levantava voo em pleno vendaval. Domava a tempestade com o balançar de seus braços e ainda tinha tempo de seduzir com seus cabelos negros ao vento. Na foto que recebera dela ela abraçava o poeta, mas ele não conseguia parar de olhar para as pernas finas bem torneadas naquelas vestes. Vontade de apertar. Ela dizia que o poeta havia parado de escrever e posto seu livro de poesias embaixo dos braços só para vê-la melhor. É preciso estar atento com esses poetas. De bobo eles não têm nada. Sentia o calor do abraço dela só de olhar a foto.

Saudade de comer aquela ambrosia que só ela sabia fazer. Se Cristovão Colombo tivesse provado antes, talvez nunca tivesse querido ir à América aplicar sua matemática pura.

Era preciso ir devagar. A floresta oferecia muitos perigos para um jovem soldado prussiano. Ela poderia estar escondida entre os arbustos. Não queria acordá-la. A floresta o recebeu de braços abertos. Lá de cima os alpes eram verdes de neve e ela era feia. Descabelada. Parecia ter icterícia. Mas ainda tinha um quadril convidativo. Pela primeira vez conseguia ver as pernas dela com nitidez. Lá de cima o mar era o céu e o céu era o mar. Havia uma ponte entre eles. Ela sumira. De repente, tudo ficou negro. Por seis vezes.



Esperou e o silêncio não se rompeu. E lá se foi a caminhada na praia.

Obrigado, Ray.