sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

God bless America

Volta e meia eu me pego sentindo inveja dos americanos (norte-americanos ou estadunidenses, se você preferir). É estranho sentir inveja de alguém que você não conhece de perto, mas apenas de ouvir dizer. Eu sinto. Sinto inveja da história construída por meio de luta e do sentimento de nação dos americanos. Sinto inveja da história que cada estrela daquela bandeira traz em si.

Mas tem uma coisa que me desperta uma inveja ainda mais acentuada: a maturidade dos meios de comunicação norte-americanos, mais precisamente, a coragem que eles têm de serem parciais. Sim. Eles são parciais. E eu acho isso fantástico, porque eles não têm medo e nem vergonha de serem assim.

Já aqui, abaixo da Linha do Equador (ou do pecado), se uma emissora assume ser parcial, ela é praticamente "excomungada". Aqui, os meios de comunicação, sobretudo os de televisão, enchem a boca para dizer que são imparciais, como se ser parcial fosse um problema. A realidade, senhores, é que nossos meios de comunicação são tão ou até mais parciais do que os americanos, mas não assumem. É aí que reside a covardia, na minha opinião.

Ser um meio de comunicação parcial não é um problema quando o público tem conhecimento deste fato. Nos Estados Unidos é muito interessante ver como algumas emissoras de TV (como a Fox News), alguns programas, apresentadores e jornalistas se posicionam claramente em prol do Partido Democrata ou do Partido Republicano durante as eleições. E eles não sentem vergonha nenhuma disso. Todos sabem previamente que estão diante de uma emissora/programa/jornalista republicano ou democrata. Aliás, é até engraçado ver programas de humor fazendo campanha contra alguns candidatos. Acho isso lindo, porque representa o que de fato é a liberdade de imprensa.

Já aqui, há revistas, canais de televisão e jornalistas anti-governo e pró-governo que fingem que são imparciais e que não têm interesses políticos. Pelo amor de Deus! Por que fazem isso conosco? Por que não assumem de que lado estão? Não aguento esse papo de imparcialidade. Ninguém consegue ser imparcial de verdade. Não tenho prova científica, mas não acredito que somos capazes de agir imparcialmente em nada. A imparcialidade pode e deve ser uma meta (utópica, aliás) a ser observada para a prática de algumas condutas, mas não podemos nos iludir achando que somos capazes de atingi-la. Cada escolha que fazemos já traz em si um pouco de parcialidade, um pouco de nós mesmos, seres parciais por natureza.

E como é que um meio de comunicação, que, além de ser formado por pessoas de concepções de mundo das mais variadas, é alimentado por interesses de seus financiadores, pode se dizer imparcial? É uma piada. Mas não no Brasil. Aqui é um lugar meio estranho pra algumas coisas. Sei que não tem nada a ver, mas lembrei de uma frase de Tim Maia bem assim: "O Brasil é o único país em que além de puta gozar, cafetão sentir ciúmes e traficante ser viciado, o pobre é de direita." Faltou dizer que aqui a imprensa também é imparcial.

O que fazem com a gente é covardia. Por que não se assumem? Por que não dizem logo quem querem que seja o próximo presidente? Aí sou obrigado a ficar vendo William Waack abrindo 8 em cada 10 Jornal da Globo fazendo uma análise crítica (geralmente um breve comentário de uns 15 segundos) contra o governo federal antes de anunciar as manchetes do jornal. Porra! Assume logo. Tá chegando as eleições e já tá começando a campanha partidária disfarçada. No auge do processo eleitoral, os meios de comunicação vão dizer que "estão fazendo uma cobertura imparcial das eleições para ajudar o eleitor a conhecer todos os candidatos e fazer sua escolha democrática". Bla bla bla. E depois de acabar de falar isso, vão fazer coisas como o que fizeram com o candidato que liderava até então as pesquisas pra prefeitura de São Paulo em 2012 (coincidência ou não, ele liderava as pesquisas e depois nem foi pro 2º turno). Só pra constar, a ideia era dar ao candidato a oportunidade de, por alguns minutos, falar de suas propostas para a cidade...


Ser parcial não é um problema, desde que se assuma isso ao público. É um crime enganar os telespectadores dizendo-se imparcial. Eu, como telespectador, gostaria de saber quem apoia quem, porque pelo menos assim saberia ao assistir ao canal "X" que ele está inclinado a favorecer "A" ao invés de "B". Ou seja, eu saberia previamente o que esperar de cada meio de comunicação. Ora, por que a revista Veja não se assume? É pecado dizer que apóia PSDB e DEM e que não gosta do PT? Não é pecado ter um lado, mas é uma tremenda covardia fingir e negar de pé junto que não tem.

Ano que vem vai começar tudo de novo. A mesma historinha de imparcialidade/democracia. Vai começar a festa da hipocrisia. Acabou a ditadura, meus filhos. Democracia requer meios de comunicação livres para serem o que quiserem, inclusive parciais politicamente. Na democracia ninguém precisa fingir nada. Pra mim, mais importante do que se dizer imparcial, um meio de comunicação precisa ter transparência, deixar claro quais são suas verdadeiras convicções.

Mas fazendo um meia culpa. Será que nós, brasileiros, já temos maturidade suficiente para lidar com meios de comunicação assumidamente parciais como nos EUA? Será que não somos nós que de alguma forma ainda preferimos acreditar em imparcialidade e exigimos isso dos meios de comunicação? Você já viu a reação que muitas pessoas têm quando alguém fala daquela revista chamada Carta Capital? Dizem coisas do tipo "Ah, aquela revista é de esquerda, não dá pra dar credibilidade ao que ela diz do governo". Ora, melhor ler sabendo que ela é assumidamente de "esquerda" do que ler achando que ela é imparcial. Pelo menos eu penso assim. Mas às vezes tenho dúvidas se de fato as pessoas preferem isso. Enfim, falei demais.

Por Don Quasímodo, um apoiador assumido dos Sans Culottes.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

[Dando Uma] Cisne Negro

Aprendi muitas coisas com os blogs que sigo, sobretudo sobre a liberdade de postar o que der na telha, sem compromisso de seguir sempre uma mesma temática e um jeito de escrever. Sinto falta de alguns blogs "inativos", como o Polvo. Por isso, gostaria de neste momento "dar uma" de Polvo, postando sobre algo que muito gostava de ver por lá, textos sobre filmes. Me perdoem a homenagem mal feita e sem conhecimento técnico de cinema.

Inicialmente, é preciso que se fique claro que entendo tanto de cinema quanto uma mulher comumente entende de futebol. Não entendo nada sobre a fotografia de um filme, por exemplo, e tenho dificuldades até mesmo para entender porque um diretor consegue ter tanto destaque se nem é ele que escreve o roteiro. Mas enfim... Vou falar sobre o que eu, leigo, senti de um filme que vi na calada da madrugada do último sábado/domingo (deixando claro que não era o filme "Emanuelle").


Na madrugada do último domingo me peguei vendo na Grobo um filme "feminino" e meio desatualizado: "Cisne Negro". Sim, demoro muito para ver filmes que fizeram sucesso, coisa em torno de anos. Queria entender porque este filme era tão falado. 

Dizem que ganhou Oscar, mas ainda não parei pra conferir no Google, porque vai contra o que me propus a fazer aqui: falar só o que eu acho, com a pureza das minhas próprias impressões. Não me proponho a fazer uma sinopse do filme, logo, me parece um texto para quem já viu o filme.

O que me atraiu na chamada do filme foi a palavra perfeição, a busca de uma pessoa pela perfeição. Me identifiquei com a obsessão da personagem em ser perfeita naquilo que fazia. Não entendo nada de balé e tampouco conhecia a tal história dos cisnes, mas me interessei muito pela história do filme. "Cisne Negro" desperta diferentes sensações, a maioria delas ruins, uma agonia tremenda com aquelas viagens da personagem. O tempo todo trafegando entre a linha da realidade e da imaginação, sem que fique claro qual hora você está vendo a Nina delirando ou no mundo real. Até agora não sei muito bem o que era realidade e o que era imaginação dela. Ainda me pergunto se ela realmente morreu no final. Aliás, que final, senhores! Pelo que entendi, na história dos cisnes há uma mulher aprisionada dentro de um cisne e quer se libertar e o filme conseguiu fazer o oposto, ou seja, um cisne querendo se libertar de dentro de uma mulher. Que sacação! Eu diria que genial!


E a atriz? Aquela que não sei o nome. Não vou no google! Nicole Portman? Algo assim. Sei lá. Perfeita. Antes de dizer que ela é uma gata, uma magra com belos seios, preciso dizer que ela é a personificação de uma garota frágil. Perfeita para a Nina. É simplesmente angustiante ver aquela garota tão frágil, inocente e frígida ir se transformando em alguém tão diferente, tão forte, tão viva e ao mesmo tempo...tão morta. Ela começou a morrer no momento em que começou a ser intensa. Foi tão intensa que perdeu o controle da própria vida.


Outra coisa. Não entendo nada de balé, teatro, cinema e afins, mas que agonia que deu sentir que um/uma artista de qualidade pode precisar se "prostituir" para ter uma chance de brilhar; precisar puxar saco, se deixar assediar sexualmente por um diretor ou sei lá o quê. De alguma forma parecia que Nina não sabia dessa realidade, mas quando soube também não fez nada para evitar, se ofereceu ao jogo, embora em muitos momentos pareça estranhar e sentir nojo dessa realidade, se recusando a ceder de alguma forma. Nina é contraditória neste aspecto. Aliás, o que são aquelas cenas da Nina se masturbando e tendo uma relação sexual com sua "rival"? Como é bom ser homem e ver a Nicole (vou chamar ela de Nicole mesmo) fazendo caras e bocas nesta situação. Sem mais. Uma magra muito sensual!

Meu tempo tá acabando, mas preciso destacar que me identifiquei na busca da Nina pela perfeição. Me reconheci na Nina pré mudanças, na Nina disciplinada, mas frígida. Pude perceber que pouco vale ser disciplinado e não sentir o que está fazendo. Há pessoas que são tão boas que conseguem ser perfeitas sem disciplina excessiva, conseguem fazer com naturalidade o que sabem, como a rival da Nina na imaginação dela. E há outras que não são boas, mas que são tão disciplinadas em aprender algo que alguma hora se tornam boas. Apesar disso, de tanta disciplina esses obstinados não conseguem fazer o que aprenderam com naturalidade. A Nina, a meu ver, estava nessa segunda categoria, mas conseguiu chegar ao lado de lá, ingressar no lado dos naturalmente talentosos. É lindo vê-la passar de um lado para o outro gradativamente (junto com o cisne que vai saindo de dentro dela) e chegar à perfeição, mas é triste ver o preço que ela precisou pagar para ser perfeita e mudar de lado.

Amo a perfeição e, infelizmente, acho que ela existe. Acho que a perfeição é alcançada, por aqueles que são disciplinados e sem talento inato, sempre que eles agem no limite, entre o racionalmente possível para a maioria e a linha do até onde estão dispostos a ir por ela. Por isso acho tão bela e desafiante a perfeição, pois as pessoas "comuns" só chegam a ela quando arriscam ir além do que a maioria considera ser seguro ir. Mas o que é a perfeição? Não seria algo muito subjetivo? Pois então, Nina alcançou aquilo que seu diretor julgava ser perfeito. Esse é o risco de se amar a perfeição. O que cada um considera perfeito não é o que todos consideram. Algumas modelos acham que ficam mais próximas da perfeição quando param de comer. Para alcança-la elas acham que precisam ir além da linha do racionalmente possível, ou seja, do que é saudável.

Nadia Comaneci e o 10 perfeito. 
Detalhe que o placar não estava preparado para marcar uma nota 10
De alguma forma, Nina começou a morrer quando foi se aproximando da perfeição, indo além daquilo que poderia conquistar só tendo disciplina. Mas repito, o que é a perfeição? Para mim, leigo em balé, Nina era perfeita desde quando ainda era só uma bailarina normal. Mas para o diretor dela ela não era. Vale a pena ser perfeito? Alcançar a perfeição deve ser como usar crack, deve ser uma sensação boa muito rápida, que logo passa. Vale a pena buscar a perfeição? Se isto for o que te manter vivo, essa busca insana por limites a serem quebrados, talvez valha. Mas de que vale ir morrendo aos poucos para buscá-la? Será que não é melhor ser imperfeito, porém ser uma pessoa viva?

Senna pagou com a vida sua busca pela volta perfeita
Tudo em 1 hora ou nada. Uma dentro e nada mais.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Falando merda

Espero depois deste texto dar um tempo nos textos de temática boiola e voltar a falar de coisa séria, que foi o que me consagrou junto aos meus leitores fictícios.

Vou falar de tudo que tá aí, só não sei se com muito nexo. Tampe os olhos se não quiser ler! Tampe os ouvidos também, porque vou falar merda como nunca antes.


Cara, que mundo egoísta é esse nosso. De gente mesquinha, que briga por centavos. Servidores públicos cobram aumento porque outra categoria ganhou, como aquele irmão que não aceita o outro ganhar dos pais um presente um pouco melhor. Tocam marcha fúnebre em frente a casa do povo (Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo) porque os deputados não querem dar aumento salarial pra eles. Acham que a população tem que se solidarizar com vocês? E vocês? Tão dispostos a tocar marcha fúnebre e fazer greve pelo pai de família comum que ganha um salário mínimo e vai se aposentar no INSS pra ganhar um salário mínimo? Filhos da puta! Vocês têm mais privilégios que qualquer trabalhador comum da iniciativa privada, que trabalha aos sábados, não tem estabilidade no emprego, não tem nem a terça parte dos auxílios que vocês ganham mensalmente. "Ah, mas eu estudei e conquistei esse direito" Então é isso? Você pode porque teve condições de estudar, mas o trabalhador comum não pode porque estudou menos que você. Legal essa lógica. Então, já que você pode e ele não, deixa todos os agricultores fazerem greve por um mês porque vão se rasgar no sol pra se aposentar pra ganhar 1 salário mínimo que eu quero ver quem vai fazer mais falta pra sociedade. Se você ficar sem comida pra comprar com o seu dinheiro, coma o seu diploma. Não é nada pessoal, mas sinceramente, falta semancol pra quem já ganha tão acima da realidade nacional e acha que merece ainda mais. Acho que o povo comum não quer pagar suas férias na Europa só porque você ocupa um cargo público de nível superior. O problema não é você ganhar 10 mil, 5 mil. O problema é o povo que paga o seu salário ter que viver com 700 reais em um mês e você achar isso normal. Tão normal que você acha que tem direito a ter, por exemplo, um mísero aumento de uns 700 reais. O sindicato dos motoristas de ônibus param a cidade e todos os setores da economia e da vida social quando acontece uma briga entre um passageiro e um cobrador em uma linha de ônibus lá do fim do mundo, mas não aceitam aderir a uma greve de professores em solidariedade a essa outra categoria profissional. Isso aconteceu em Vitória/ES no mês passado. Coletividades individualizadas. São isso que são os sindicatos! Minha categoria primeiro. Todos por um e ninguém por todos.

Tem gente neste país morrendo de cólera! Puta que pariu! Cólera! C-Ó-L-E-R-A. Sabe o século XXI? Sabe o Iphone? Pois é. Tem gente que morre de cólera por não ter água potável pra beber no Brasil. E você em depressão porque tá vivendo uma incerteza em seu relacionamento. Você tem direito a querer se preocupar com isso. Claro que tem. Mas morrer de amor não dá. Me perdoe. Desce do palco, Xuxa! Drama do caralho!

Bando de gente louca e egoísta. As pessoas tão surtando nas suas individualidades. Casais não querem ter filhos para não perderam a privacidade e terem que gastar dinheiro e tempo criando filhos na melhor fase de suas vidas. Tem gente desesperada que só quer ser ouvida por alguém. E não é pouca gente não. Gente que só quer falar; coisa tão rara hoje em dia pra quem tem menos de 30 anos, nessa época de tudo ao toque dos dedos. Ainda não sei o que é whatsapp. Talvez por isso ainda me procuram pra conversar. Na miséria eu não fico. Vou psicologiar sem licença daqui a pouco. As pessoas estão perdidas em si mesmas e cada vez mais isoladas. Sucesso profissional? Enfia no rabo. Trabalham iguais doidos pra conquistar dinheiro pra curtir dois dias de prazer na semana. Bela matemática. Trabalha 5 ou 6 pra aproveitar 2 ou 1. Presos trabalham 3 dias pra conquistar 1 dia a menos de pena, sabia? É sério. E você trabalha 5 ou 6 por 2 ou 1 dias de "liberdade". Tá todo mundo louco dentro da sua própria ilha!

Relações amorosas só de prazer. Você se satisfaz me satisfazendo. Relações de puro egoísmo. Eu gozo e a mulher não. Problema dela. Ela quis dar sabendo que não ia gozar. A propósito, se você quiser dar eu como. Call me, baby. Por falar nisso, como tem mulher burra nesse nosso mundo egoísta. Burra não no sentido intelectual, mas sentimental. Mulher se rastejando por qualquer fração de apreço, mesmo que seja um apreço bandido, daqueles violentos e infiéis. Mulheres que não se sentem seduzidas por caras "comuns"; esses as burras gostam de ter como meros amigos. Elas preferem os caras que podem ter a ilusão de poder mudar. Mas também há mulheres que só se rastejam se houver um preço. Uma contrapartida. Você nunca mais me ligou, por falar nisso. Afeto se retribui (ou não), sabia?

Queremos que as pessoas sejam como nós queremos que sejam. Queremos que façam o que queremos que façam, sem querer saber se elas realmente querem ou sabem. Ninguém quer ensinar, mas todo mundo quer sugar. Vai tomar no cu! Queremos escravos. Dia desses eu tava pensando: Se o homem chegar a um planeta onde houver vida e encontrar seres corpóreos como nós, mas menos evoluídos, será que não tentaremos escravizá-los por não serem humanos? Tudo que queremos é ter alguém para podermos exercer poder sobre. Até relações sexuais se assemelham a relações de poder. Todos mimadinhos pelas modernidades. Tudo ajustável do jeito que eu quero e gosto. Tudo personalizável. Feito pra conseguir agradar a individualidade de cada um. Tamos virando um bando de frescos. Nem o Merthiolate arde mais! Se Darwin tiver certo sobre a evolução natural, em breve surgirão humanos com membros atrofiados pelo desuso em razão da tecnologia. Egoístas frescos. Tudo é vaidade, já dizia a Bíblia, livro que ninguém mais lê, mas acha que pode criticar pelo que ouviu falar. Ficamos putinhos quando as coisas não são do jeito que queremos que sejam, quando as verdades não são como queremos que fossem. Como se algo tivesse que acontecer naturalmente só porque queremos. Existem verdades absolutas, mas é melhor achar que elas não existem, porque relativizando tudo podemos nos sentir certos mesmo quando agimos em desacordo com essas verdades.

É engraçado como ninguém gosta de sentar ao lado de alguém quando há dois bancos livres no ônibus. Eu tento não ser egoísta e deixar os dois bancos pra alguma dupla de amigos que entrar no ônibus poder conversar sem que um deles precise quebrar o pescoço para falar com o outro por estarem em bancos separados, mas em geral as pessoas estranham você sentar ao lado delas havendo lugares livres. As pessoas querem apenas poderem gastar dinheiro consigo mesmas. Chiquinho Scarpa disse que ia enterrar um carro que vale 1 milhão de reais no jardim da mansão dele porque achou legal esse costume dos faraós egípcios de enterrar suas riquezas nas pirâmides. Alegou que o carro e o dinheiro são dele e que ele pode fazer o que quiser, mas isso incomoda o mundo todo. Mas e se ele "só" quisesse se enterrar vivo no jardim? Ia incomodar tanto? O dinheiro dele vale mais do que a vida dele, por certo. Vou ver se ele já enterrou o carro. Podem respirar que acabei de ler no G1 que ele não enterrou o carro. Disse ele, aliás: Eu fui julgado por querer enterrar uma Bentley, mas a verdade é que a grande maioria das pessoas enterra coisas muito mais valiosas que meu carro. Elas enterram corações, rins, fígados, pulmões, olhos. Isso sim que é um absurdo. Com tanta gente esperando por um transplante, você ser enterrado com seus órgãos saudáveis que poderiam salvar a vida de várias pessoas, é o mais desperdício do mundo. O meu Bentley não vale nada perto disso. Nenhuma riqueza, por maior que seja, é mais valiosa que um único órgão, porque nada é mais valioso do que uma vida"  - Se ele queria verdadeiramente passar essa mensagem desde o início ele foi foda!

Tô cansado de falar merda. Acho que já deu. Mas tem dia que é assim. Queremos só um espaço pra falar coisas que queremos dizer.

Pronto. Falei.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Cheio de graça

É muita desgraça.
Não quero nem de graça.
Isso tem graça?
Como é sua graça?
Te amo, Graça!
Pela graça divina.
Ela é uma graça...
Graças a Deus!
Conquistei uma graça.
Você tem graça no caminhar.
Nossa Senhora das Graças.
Ainda não caí nas suas graças.

Porque a vida é uma graça.

domingo, 18 de agosto de 2013

Metalinguagem esquecida

Chegamos ao ponto.
À indiferença.
Um texto bom ou ruim
Sem qualquer audiência.

Saias curtas em meio a carroceiros,
Posso dizer e você não verá.
Então irei escrever,
Mas você não vai escutar.

A porta bate,
O último que sair apague a luz!
Não apagaram
Então fiquei de voyeur.

Eu ainda falo
Pra quem quiser ouvir,
Mas só tem eu aqui.
Assim é ruim.

A rima é pobre,
Mas nunca foi rica.
Agora é mais flagrante
Que preto não é sua cor favorita.

A história foi escrita.
Venceu quem faz dela sua vida.
Agiu. Levou.
Respeite quem pode chegar onde a gente não chegou...

Faltou poesia,
Sobrou prosa.
Faltou ação.
Não teve paixão.

Agora dá!
Mas não pode mais.
Perdi o voo.
Sobraram navios.

Viva Rio!
Rio de Piracicaba.
Como um menino
Indo pra Pindamonhangaba.

Bom é assim:
Plateia vazia;
Caneta livre.
Só eu li.

Àquele campeão que disse que as melhores corridas dele foram aquelas que ninguém viu.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

É lá! É lá!

É lá que eu deveria estar!

Foi essa a sensação que tive no histórico dia 20 de junho de 2013; dia no qual cerca de 100 mil capixabas foram às ruas da Grande Vitória protestar contra "isto tudo que tá aí". Neste dia eu fui liberado do trabalho às 15 horas, tempo de sobra para me juntar aos manifestantes que iriam sair às 18 horas do campus da UFES. Era lá que meu coração dizia que eu deveria estar. Meu coração. Não minha razão.

Era o dia do "Basta". O dia de mostrar a cara, de dizer ao mundo, àqueles que sabemos quem, que não dá mais e que uma parte considerável dos brasileiros não está tolerando mais "isto tudo que tá aí." Eu estava envolvido emocionalmente e iria me manifestar por ímpeto, por amor à nação, por orgulho ferido como brasileiro. Eu iria por uma questão de pele, visceral. Eu iria só pra poder gritar com o povo que existimos e precisamos ser vistos. Eu iria, mas não fui...

Como sempre, quando coloco minha razão para funcionar, eu me torno um cara de atos lentos. Quando penso demais ajo com delay. Dou respostas lentas. E foi isso que aconteceu. Pensei demais e acabei dentro de um ônibus indo pra Vila Velha às 15 e qualquer coisa da tarde. Comecei a pensar quais resultados concretos ir às ruas traria para a população e aí eu não fui mais. Não fui por falta de coração. Ou será que por excesso de suposta racionalidade?

Pensei que enquanto o povo marchava nas ruas às 20 horas os deputados estavam em suas casas rindo da cara da população, pensando em como o povo é tolo e voltará a votar errado em 2014. Pensei que ir à Assembleia Legislativa quando os representantes do povo não mais lá estivessem seria como que ir a um puteiro sabendo que todas as meninas foram pra casa. É como fazer greve à meia-noite. Vai surtir que efeito? Pensei que ir às ruas tem um valor imenso sob o aspecto de resgatar um pouco do comprometimento do brasileiro com o rumo das coisas e pode efetivamente surtir efeito quando se tem uma bandeira bem definida. Pensei que o povo ter ido às ruas com o rosto pintado pressionando o congresso a derrubar o Collor, bem como anos antes ter ido às ruas exigindo "Diretas Já" só surtiu algum efeito porque as manifestações populares tiveram metas bem traçadas. Pensei que as manifestações dos estudantes do ES em 2005 só conseguiram abaixar as tarifas de ônibus e o passe livre porque a razão das manifestações era clara. Pensei que ir às ruas gritar "basta" contra tudo não tem muito efeito. É simbólico, sem dúvidas, mas pouco efetivo. Pensei que ir às ruas exige um mínimo de bandeira de luta. Metas claras. Pensei que não basta ir às ruas com cartazes de "chega de corrupção" e não pressionar os órgãos públicos responsáveis por combatê-la, por exemplo.

Talvez ter estudado direito me fez ver as coisas sob um prisma mais sistêmico. Explico. Sou um defensor do "sistema". Um defensor do uso dos meios de luta propiciadas pelo sistema. Conhecer um pouco das leis brasileiras me fez entender que, na maioria das vezes, mais faz um cidadão que faz uma denúncia anônima no Ministério Público requerendo investigação e apuração de uma situação de aparente mau uso de dinheiro público do que 1 milhão de pessoas que vão às ruas gritar "Chega de corrupção", mas nem sabem a quem denunciá-la. Não é que uma manifestação não tenha valor. Não é isso. O que quero dizer é que a população faz mais quando denuncia os fatos de que toma conhecimento aos órgãos competentes para apurá-los e se organiza em associações civis para cobrar medidas eficazes junto a esses órgãos. Felizmente temos instrumentos fornecidos pelo próprio sistema para lutar contra a corrupção e outros males que milhares foram às ruas gritar contra. O que falta é fazer uso desses instrumentos de controle social. Saber que há corrupção todos sabemos, o que falta é fazermos uso dos meios existentes para combatê-la. Quantos sequer sabem a que órgão dirigir uma denúncia de irregularidades na atuação de um deputado? Não falta lei e nem sistema pra combater a corrupção. Por isso, acho que ajudo mais ensinando as pessoas sobre as competências de cada órgão público, a quem se dirigir, do que indo pra rua gritar "basta".

Ano que vem voltaremos a eleger corruptos. Elegeremos corruptos que ficaram rindo, do alto de suas coberturas na praia, das 100 mil pessoas que foram às 20 horas protestar/gritar/pedir "pelo amor de Deus" diante de uma assembleia legislativa vazia. Isso fará com que muitos digam que tudo foi em vão. Mas eu que não fui às ruas digo que aqueles que foram não agiram em vão. Ir às ruas é sinal de força, embora não mude muita coisa quando as bandeiras de luta não são bem delimitadas. Direi que perdemos uma boa chance dia 20 de junho de 2013; uma chance de ter abraçado uma grande bandeira que é capaz de mudar profundamente "tudo que tá aí". Poderíamos ter ido às ruas lutando só por "reforma política já". Algo assim é realmente capaz de mexer com o espírito dos corruptos. Tudo que um corrupto não quer é ir contra a opinião popular. Pressionar o Congresso a votar a reforma política com manifestações diárias Brasil afora, como foram os protestos por "Diretas Já" e pela queda do Collor, dá resultado prático. Vide a votação da PEC 37 nesta semana. Vários deputados que eram a favor dela mudaram repentinamente de ideia porque houve pressão popular de todos os lados. É preciso ter racionalidade ao levantar uma bandeira nas ruas. É preciso saber jogar o jogo. Saber "chantagear" os corruptos que fazem tudo para não contrariarem a opinião pública de milhões que foram às ruas. As manifestações populares têm esse poder. Os representantes do Legislativo sabem que nós sabemos o que eles fazem e se valem de nossa falta de organização para continuar fazendo o que fazem.

O povo foi às ruas no dia 20 de junho de 2013 apenas com o coração. Não dá pra ser só assim. Mas é perdoável, afinal, não dá pra todos levantarem uma mesma bandeira em uma manifestação que surgiu de forma tão espontânea. Eu também queria ter ido gritar, botar pra fora. Mas não dá pra ser sempre assim. O erro, a meu ver, é levar pra cada nova manifestação de grande mobilização popular nas ruas algo próximo de 10 a 20 reivindicações. Não dá. Quem tudo quer, nada tem. Melhor seria se todas as novas manifestações Brasil afora tivessem bandeiras nacionais em comum, mas isso é difícil de se pensar quando se fala em movimentos com milhares/milhões de pessoas. É preciso que nesse momento de rara união nacional saibamos lutar por aquelas questões que são mais urgentes aos interesses da população (reforma política, reforma tributária...). É preciso que não desperdicemos esse momento, porque o Congresso tá cagando pra gente e só cede quando é pressionado pela população de maneira reiterada em relação a um tema específico. Quando se luta por melhorias em tudo, corre-se o risco de cair no senso comum, de se perder a razão e não se alcançar nada.

Anote aí. Ano que vem muitos vão dizer que o "gigante voltou a dormir", que foi tudo em vão e voltarão a dizer que "este país não tem jeito", "só tem corrupto", que faltam recursos pra educação, saúde etc. Como disse, penso que 20 de junho de 2013 não terá sido em vão, mas ficará uma sensação de que poderia ter sido melhor aproveitado. Espero que isso motive novas manifestações populares, que possamos aprender com o erro do 20 de junho de 2013 e que a partir disso o brasileiro volte às ruas, só que agora com reivindicações mais claras e pontuais, porque se for pra gritar sempre contra "tudo que tá aí" não vai dar pra mudar muita coisa e vamos nos decepcionar.

In memoriam dos blogs falecidos que ainda sigo na esperança de que "acordem".

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Maldita sea la intolerancia

Século XXI...

Dizem que representa uma Era de Liberdade e Tolerância, na qual, a grosso modo, cada um pode ser aquilo que quiser e todos os demais são obrigados a tolerar.

Isso parece ser bom. Mas pra quem? 
Ora, pois! É bom para todos! Não?!
Não. É bom para todos, menos alguns.

Historicamente, minorias são alvo de toda forma de discriminação e precisam lutar muito mais do que as maiorias para poder gozar dos mesmos direitos. Hoje, felizmente, vemos um Brasil no qual cada vez mais as minorias têm voz, direito de se expressarem. Isso é bom? Não. isso é ótimo! O problema, a meu ver, é outro. A estranha sensação que tenho é a de que algumas minorias, quando conquistam voz, passam a fazer com maiorias aquilo que elas historicamente sofreram e lutaram contra. Trocando em miúdos, aqueles que antes lutavam por tolerância passam a agir com intolerância.

Sou católico e me sinto extremamente incomodado com a forma com que os evangélicos foram execrados nos últimos meses por causa do Pastor Feliciano e daquelas que seriam suas supostas ideias homofóbicas. É verdade que esse senhor fez algumas declarações infelizes? Sim. Mas, na minha opinião, isso não justifica a forma preconceituosa com que pessoas adeptas de outras religiões ou de nenhuma religião passaram a tratar os evangélicos, como se todos compartilhassem das mesmas visões de mundo do aludido pastor.

Fizeram com os evangélicos o que há alguns anos fizeram com os comunistas durante a ditadura brasileira. Só faltaram dizer que evangélicos comiam criancinhas (acho que não falaram isso porque preferem dizer que isso é coisa de padre católico). Sinceramente, o que alguns membros da minoria gay e adeptos de religiões não evangélicas fizeram com essas pessoas me soou tão intolerante quanto as ideias rotuladas de intolerantes do Feliciano.

É preciso que não se confundam as coisas: ideologia religiosa é diferente de discriminação.

Quero dizer o seguinte: eu posso, por questão de ideologia religiosa ser contra o casamento gay, mas não ser um cara preconceituoso. Esse é exatamente o meu caso. Vejamos: sou católico e, com fulcro nas ideias que sigo da minha igreja, não devo apoiar o casamento de pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, como jurista, não vejo porque em um Estado laico e plural como o nosso esse tipo de casamento ser proibido. Em suma, no exercício de minha profissão jurídica e em respeito ao espírito igualitário de nossa Constituição Federal devo lutar pelo direito dos gays, sem preconceitos, não obstante eu tenha convicções pessoais contrárias a esse tipo de casamento. Ou seja, tendo em vista a liberdade de crença que me é assegurada pelo art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, tenho o DIREITO de ser contra o casamento gay por opção religiosa. Por outro lado, tendo em vista o caput do mesmo art. 5º da Constituição (para quem não é da área jurídica, o caput é a primeira frase que está do lado do art. 5º no link que eu coloquei, ou seja, antes do inciso I), eu tenho o DEVER de lutar por leis que assegurem a todos um tratamento igualitário. É meu dever como cidadão brasileiro.

Assim sendo, posso ser contra o casamento gay por convicção religiosa, mas não tenho o direito de discriminar quem seja gay (aliás, além de ser contra a lei, também seria contra a Bíblia eu discriminar alguém por ser gay. Pra quem não conhece a Bíblia, tem um trecho bem assim: "Deus não faz distinção de pessoas" Rm 2,11). Tenho o dever de tolerar a liberdade sexual, assim como quem não é católico tem o dever de tolerar a minha liberdade de crença religiosa. A senha do dia é: TOLERÂNCIA.

 Infelizmente, no entanto, a liberdade religiosa tem sido alvo de ataques ferrenhos nos últimos tempos. Se tornou quase que sinônimo de falta de inteligência seguir uma religião. Os evangélicos em especial são vistos como acéfalos por existir quem siga pastores como o Waldomiro ou o Feliciano. Se tornou "pecado" ter religião. É como se os evangélicos fossem os responsáveis pelo atraso das leis brasileiras por causa da bancada evangélica em Brasília. Eu te garanto que se hoje tivesse um plebiscito sobre o casamento gay e sobre a legalização da maconha, por exemplo, não seriam os evangélicos os responsáveis pela vitória do NÃO. A verdade é que a MAIORIA nos meios de comunicação e nas redes sociais (ou seja, a MAIORIA que tem espaços midiáticos para voz) que defende a legalização da maconha, a liberdade sexual, o ateísmo, o desarmamento etc é MINORIA entre a população como um todo. Somos um país atrasado não por causa de uma suposta mentalidade religiosa acrítica e sem racionalidade da MAIORIA, como uma MINORIA que se julga "iluminada" tenta alardear de modo intolerante. O nosso atraso deriva de diversos fatores, reduzi-lo à religião é simplismo demais.

Voltando à intolerância, poucas coisas me soaram tão intolerantes nos últimos tempos quanto esta foto:
 
Duas mulheres se beijam durante uma visita de Feliciano a uma igreja evangélica em Belém Foto: Facebook / Reprodução
 clique na foto para ler sobre o fato
 Por quê? Porque essas duas garotas se beijaram durante um culto evangélico com o claro propósito de desafiar o pastor Feliciano que falava no palco. Pra mim, isso é um ato de intolerância religiosa, de intolerância com quem quer pensar diferente. Quer defender seu direito, utilize os espaços democráticos disponíveis para tanto, proteste na rua, entre na política, sei lá, só não viole um culto religioso, não seja intolerante.

Veja bem. Não estou apoiando as declarações de cunho racista ou homofóbico eventualmente feitas pelo pastor Feliciano, mas estou apoiando o direito que os adeptos da igreja dele têm de serem contrários ao comportamento homoafetivo. Ser contrário a algo e ser preconceituoso são coisas DIFERENTES. Como dizia Voltaire: "Discordo daquilo que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres."

É uma pena que estejam plantando em um país de tradição pacífica como o nosso a semente da intolerância religiosa. Não penso que possamos chegar a ter uma guerra religiosa, sobretudo porque nosso "problema" religioso não se confunde com questões de diferenças étnicas, mas temo pelo discurso intolerante de minorias que se defendem da intolerância atacando com a intolerância. A matemática é simples: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA + INTOLERÂNCIA SEXUAL = 2 INTOLERÂNCIAS

A luta das minorias deve sempre ser por tolerância e pelo respeito a seus direitos, e não pelo direito de serem intolerantes como as maiorias costumam ser.

Bendita sea la potencia de la tolerancia.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Segura que eu quero ver!

Escrever acalma; obriga as ideias a tentarem se organizar. Me dá um pouco de paz.

Cara, a vida é um fio.

Não é a primeira vez que penso sobre isso, mas cada vez que penso me surpreendo mais, como se fosse a primeira vez que chego a essa constatação.

O que nos mantem vivo é um fio de qualquer coisa muito fino. Sério. É muito fácil morrer. É até contraditório eu dizer no texto anterior que levo a vida como se nunca fosse morrer (o que é verdade) e agora eu vir e dizer que se pode morrer a qualquer momento. Entretanto, a dura realidade é essa, ainda que eu viva como se tivesse todo o tempo do mundo.

Um dos meus vizinhos tem uns 70 e qualquer coisa de idade. Clinicamente - até ontem - ele não tinha qualquer problema de saúde. Minto. Ele não andava normalmente, tinha algum problema que travava as pernas dele, que as deixava tão rígidas que ele mal conseguia andar. Ele tinha muito medo de cair ao andar, ainda que se locomovendo só 2 metros de um cômodo doméstico para outro. Só andava se agarrando às paredes ou sendo puxado pelos braços de alguém. Não saía à rua em razão desse problema. Dizem que era uma doença psicológica, decorrente do medo dele de cair. Vai saber... O que eu sei é que em razão disso, coisas simples, como tomar um banho, eram impossíveis de serem feitas por ele sozinho. No apartamento dele moram duas filhas e a mulher dele - uma senhora de uns 80 e tantos anos -, motivo pelo qual algumas vezes eu tive que ajudar a dar banho nele. Nunca tive nojinho dele estar cagado em algumas ocasiões ou sei lá o quê. Sou meio frio com essas coisas. Sei que não tenho noção de enfermagem e tampouco físico muito privilegiado para ajudar a segurar alguém mais pesado que eu. Mas sei lá. Acho que há boas ações que não devemos hesitar em realizar; há ações que só precisam de alguém para realizá-las e que devem ser feitas porque simplesmente precisam ser; todo o resto é besteira.

Enfim. Ontem pela manhã fui chamado a ajudá-lo. Não foi para um banho. Ele havia caído no banheiro, estava mijado e meio gélido. A esposa, uma das filhas e um filho dele que veio ajudar conseguiram colocâ-lo sentado em um banco no banheiro, todavia, ele não conseguia levantar a cabeça, falar e estava meio mole fisicamente (não conseguia manter-se sentado com a coluna ereta, precisávamos segurá-lo). Apesar disso, estava consciente e com movimentos nos braços. Me chamaram porque talvez eu pudesse ajudar o filho dele a colocá-lo em outro cômodo, contudo, uma vez que o senhor estava meio gélido e mole, preferimos segurá-lo sentado e acionar o SAMU. Tendo em vista que eu era o mais calmo no momento e que o senhor sempre confiou muito em mim por me julgar "estudado", tratei de ir conversando com ele para acalmá-lo enquanto esperávamos ajuda médica. Disse a ele para não ter medo, que tudo ia acabar bem logo, ainda que eu não tivesse qualquer certeza acerca disso.

E veio o SAMU. Os paramédicos, com minha ajuda e do filho do senhor, conseguiram colocá-lo sentado no sofá da sala. Após uma série de perguntas e exames rápidos decidiram removê-lo para um hospital para a realização de exames mais completos. Diagnóstico inicial: o senhor estava com a pressão bem alta, embora não fosse hipertenso ou tivesse alguma doença que justificasse esse aumento. Pelo cenário, eu que não tenho qualquer conhecimento de medicina, imaginei que era só um susto e que depois de fazer alguns exames e, no máximo, ser medicado, ele retornaria para casa - talvez ainda no mesmo dia. Foi mais ou menos isso que eu disse aos familiares dele para acalmá-los. E assim descemos o senhor por 3 andares de escadas em direção à ambulância. Levaram-no.

Então eis que 30 minutos depois recebo uma ligação da filha do senhor aos prantos dizendo que logo nos primeiros exames no hospital diagnosticaram uma hemorragia cerebral e que o velhinho ia ter que ser operado às pressas.

Um dia depois (hoje) ele está inconsciente e com grande chance de morrer a qualquer momento. E pensar que ontem eu disse a ele - olhando nos olhos dele - para não ter medo, pois daria tudo certo...

Como eu disse antes, essa não é a primeira vez que penso na fragilidade da vida. Já fui à janela com um pedaço de pão na mão e vi um vizinho ter uma morte súbita no meio da rua às 6:30 da manhã. Já vi um cara saudável passar o domingo no mesmo churrasco que eu e três dias depois morrer no hospital por complicações de uma apendicite que ele nunca soube ter. Fora os inúmeros casos que já vi na TV de gente morrendo do nada.

Sabe... É muito fácil morrer. Você pode morrer estando num ônibus desgovernado, tomando uma bala perdida, bebendo/comendo algo contaminado, indo em uma boate exatamente no dia em que ela vai pegar fogo (incêndio na Boate Kiss), tendo seu carro engolido na estrada por um motorista embriagado, estando em um avião que vai cair, sendo atropelado por um motorista que perde o controle do carro e invade inesperadamente a sua calçada ou simplesmente tendo uma veia estourando subitamente dentro de sua cabeça.

É muito fácil morrer. Nossa existência é muito frágil. O que nos faz ter a certeza de que terminaremos o dia de amanhã? Não há qualquer certeza. A verdade é que se pode morrer sem sequer sair de casa. Todos os dias temos muitas relações com o mundo, tanto de maneira consciente como insconsciente. Temos contato com muitas variantes que não podemos controlar. É como se todos os dias tivéssemos a oportunidade de morrer. Não quero ser pessimista, mas apenas demonstrar que somos algo muito frágil no universo, que não temos controle sequer sobre a nossa "hora". O que te fez terminar o dia de hoje vivo? Sorte? Deus? Destino? Seja lá qual for a sua resposta, seja grato. Quando a morte te escolhe, não dá pra segurar. Ela vem e leva.

A verdade é que é fácil morrer; difícil é viver.

Que esta não seja a hora do Sr. Valdir.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Balanço

De coração aberto para falar sobre assuntos que raramente gosto de conversar.

Tenho uma relação peculiar com o tempo. Pelo menos penso que tenho. Eu ajo como quem não se importa com ele e ele passa como quem não se importa comigo. E isso causa estranheza em algumas pessoas.

Não vivo como quem acha que pode morrer a qualquer momento - embora eu mesmo já tenha feito um texto neste blog defendendo que esse era o melhor jeito de levar a vida. Ajo como quem tem a certeza de que vai viver até os 100 anos; como quem não tem pressa em fazer o que pode ser feito a longo prazo. Ajo como quem consegue ter controle sobre o tempo e não sente ele passando. Isso tem muitas consequências, sobretudo, na minha falta de pressa em tomar decisões definitivas sobre diversos temas. Alguns dizem que é mera indecisão; eu prefiro dizer que é apenas falta de pressa.

Assim tenho vivido por 23 anos: resolvendo e buscando conquistar imediatamente aquilo de que minha própria subsistência e de minha família monoparental depende "pra ontem" e deixando todo o resto ser conduzido pelo tempo, como ele entender conveniente, até o momento exato de eu decidir em definitivo o que fazer.

Vivo como quem julga ter todo o tempo do mundo pra tudo - ou melhor, quase tudo. No próximo mês pego meu canudo na universidade e daqui há uns 2 meses pego minha carteira da OAB e fecho um ciclo de escolha profissional - isso na cabeça dos comuns. Na minha cabeça, ter uma carteira pra advogar e um diploma de nível superior não fecha qualquer possibilidade. Ainda acho que posso ser astronauta se me dedicar e tiver condições físicas para tal; ainda acho que posso ser campeão mundial de fórmula 1 se começar o quanto antes a andar de kart; e também acho que posso ser campeão olímpico de atletismo se eu começar a treinar. Ainda penso que dá pra ser professor, ator e até padre. "Este cara deve ser louco" - você deve estar pensando. Não sei se sou, mas essa "loucura" toda decorre da minha sensação de que ainda tenho tempo pra fazer quase tudo. Até que me provem de maneira inequívoca que não é possível fazer algo, eu não desacredito. É sério. Eu deixo como um projeto guardado, mas nunca como um projeto arquivado em definitivo.

Apesar desse aparente estado de indecisão, estou certo de que, por ora, vou fazer aquilo que me parece que dá pra fazer e que precisa ser feito por uma questão de subsistência. Não sou de mudar tudo 180º do nada. Achar que ainda tenho tempo pra tudo me faz não ter nunca a sensação de frustração por não ter conseguido concluir algo. A minha regra é não querer planejar tudo. É ter um ponto de partida e deixar o tempo ir ajeitando o resto pro momento oportuno eu ver se dá pra fazer ou não. Construo um caminho sólido sem ignorar que posso ainda construir outros.

Tudo que tenho são 23 anos. Me causa repulsa crer que por estar apto a exercer carreiras jurídicas a minha vida está resolvida. Tenho só 23 anos. O futuro me parece convidativo; não me causa um medo paralisante. Ele me causa curiosidade, vontade de ir e ver o que dá pra fazer. Sem planos de aos 50 anos ser juiz federal. Tenho planos para no máximo daqui a 2 meses, embora eu tenha metas secundárias de longo prazo (ter uma casa, um emprego prazeroso, filhos...). Penso que é preciso ter algumas metas de longo prazo, mas sem qualquer obsessão de cumprí-las. Neste mês conquistei muitas coisas no âmbito profissional e muita gente apareceu para me parabenizar e apontar o que fazer. Como pode quem nunca fez a minha barba querer me dizer com autoridade o que vou ser? Quantas vezes ouvi apontarem meu futuro? Quantas vezes ouvi me dizerem pra onde seguir a partir de agora? Quantas vezes ouvi que agora estou resolvido na vida? Muitas vezes em apenas 1 mês. Ainda bem que sou humilde e atencioso pra educadamente escutar, mas rebelde em obedecer. O meu futuro não é meu e tampouco de qualquer um que dê orientações sobre ele, ainda que de boa vontade. Posso planejá-lo, me preparar pra ele; mas não sei o que ele me reserva. É óbvio que sei que tenho participação na construção desse futuro, mas também sei que não tenho sequer 50% do controle sobre ele. É extremamente provável que eu não vá ganhar 5 mil reais no meu primeiro mês de advogado, como muitos planejam que eu vá ganhar, porém nada aponta em definitivo que eu não posso conseguir isso. Entende? Eu terminei uma fase e não tem nada pronto. Meu pacto com o tempo é assim. Eu deixo ele trabalhar em paz e ele me deixa ir ganhando dias, meses e anos com a sensação de que vou chegar aos 100 anos.

Fracassos? Tenho alguns com 23 anos. Dois me incomodam um pouco mais. Falhei miseravelmente em aprender línguas e na vida afetiva. Lidei com ambos temas naquele esquema de que tenho tempo pra tudo que não diga respeito à subsistência de minha família monoparental. Resultado: perdi uma boa chance que tive de não falar inglês como um aborígene da Austrália e até hoje não agi de modo conclusivo com nenhuma garota. Saliento, no entanto, que ambos fracassos ainda podem ser corrigidos! Quanto às garotas, o meu problema é que lido com elas com a sensação de que tenho todo o tempo do mundo para conquistá-las; sem desespero. Reflexo claro disso é que alguns amigos dizem que eu ainda tento algo com uma garota que conheci na época dos meus estudos para o vestibular em 2007 e que, apesar desse longo tempo, ainda não me resolvi em relação a ela. Em minha defesa tenho a alegar que tirando uma vez que a convidei para ir ao teatro e ela recusou - por um motivo que não sei ao certo se tinha a ver com um desinteresse por mim -, eu pareço nunca ter dado motivos para ela achar que eu estava efetivamente querendo algo com ela. Falha minha? Sim. 6 anos é tempo suficiente para eu já ter resolvido isso. Acho que nunca aprofundei nossos contatos a ponto de chegar numa situação de ela dizer "só te quero como amigo" ou "vamos nos conhecer como mais que amigos" e tenho uma explicação para essa lerdeza. Depois de 6 anos eu continuo achando que não tenho muito a oferecer a ela (ou a qualquer garota) além de um cara de bom coração e disposto a viver com cumplicidade o que tiver que ser vivido. Sei lá. Sinto que me faltam coisas que outros caras parecem poder dar (nem dançar eu sei - rsrs) e um pouco de referência para saber o que fazer no caso de conseguir convencê-la a me dar uma chance. Além disso, nunca soube se atendo ao nível que ela espera em um rapaz e nunca senti muita reciprocidade por parte dela no que tange a sentir algo maior do que amizade por mim. Enfim, hoje não estou tentando nada de concreto com ela, embora ainda não a tenha descartado, como quase tudo na vida. Apesar disso, meus amigos erroneamente entendem isso como um "não desistiu dela e não tem olhos para mais ninguém". Desistir, de fato eu não desisti, mas porque não desisto de quase nada na vida, e não porque eu só queira ela.

Apesar desses insucessos, eu vejo como virtude levar a vida sem excluir em definitivo algum caminho. Tento sempre entrar em uma porta específica e deixar todas as outras entreabertas. Ou seja, eu me decido, mas nunca à caneta. Escrevo minha vida a lápis e só passo caneta naquilo que julgo não ter risco de ser desfeito. Veja bem. Eu tomo decisões; caso contrário eu não teria chegado a lugar nenhum aos 23 anos e estaria imerso quase que numa anarquia comportamental. Mas eu também não planejo nada para muito distante. Dizem que é coisa de gente que pensa pequeno. Não sei. Só sei que até hoje conquistei muitas coisas que não planejei com antecedência e que para muitos seriam consideradas conquistas grandes. Pra mim é tudo natural. No tempo certo eu alcanço o sucesso profissional. No tempo certo eu terei a oportunidade de casar e ter filhos. No tempo certo eu morrerei. Deixo o tempo fazer o papel dele e vou tentando influencia-lo, sem obriga-lo a me conceder nada.

Antes de concluir, resta responder a uma indagação sua, qual seja: "Quando perceber enfim que não há tempo para fazer tudo ou ser tudo que ainda pensa em ser na vida, como irá reagir? Irá se frustrar?" Respondo: Me frustrar jamais. Tento apenas estar pronto e tentar fazer as oportunidades surgirem. Se não der pra ser, por exemplo, um astronauta, irei me conformar, desde que eu tenha a certeza de que fiz tudo aquilo que me competia fazer no tempo em que precisei tomar decisões que abortaram o projeto. E se eu não tiver a certeza de que fiz tudo também não me frustrarei, pois sei que não se pode ser tudo ao mesmo tempo na vida, ainda que se queira. Vou te dizer uma coisa, pode parecer que não, mas quando preciso eu sei me decidir e passar a caneta. O problema é que tem muita gente que tem uma noção de tempo diferente da minha e por isso me rotula de indeciso. Paciência.

Nesta semana, vi um jornalista dizendo que Neymar tem apenas 21 anos e não pode carregar o peso de ter que vencer uma copa do mundo com essa idade, principalmente por ser a primeira dele. E eu? Aos 23 anos preciso ser obrigado a fazer escolhas vencedoras na vida? É evidente que tenho que fazer escolhas, mas e se eu errar? Acabou? Estarei condenado ao fracasso do mau caminho que escolhi? Claro que não. O Neymar poderá jogar e vencer muitas copas na vida, ainda que perca a de 2014, e eu ainda terei muitos anos para viver, fazer escolhas que estarão certas e corrigir escolhas erradas do passado.

23 anos. É tudo que tenho - e muito pouco perto do que ainda posso ter.

Esse é o meu balanço.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Às vezes eu acho que sou um pouco atormentado da cabeça por ficar pensando em coisas assim. Espero que eu não seja o único desocupado que já parou para pensar sobre isto.

Aqui na região metropolitana de Vitória os ônibus intermunicipais (creio que todos) têm bancos amarelos especiais na metade do veículo; bancos reservados para idosos, gestantes, lactantes... e obesos. Quero me reservar a falar apenas do último grupo. Cara, há um critério objetivo para definir o que seria uma pessoa obesa? Tipo, para os idosos o critério é 65 anos, para as grávidas é a barriga, para as lactantes são as crianças de colo, mas e para os obesos? Você deve estar pensando: "O critério também é objetivo; é o peso." Mais ou menos. Qual peso define um obeso?

Eu pessoalmente penso que há uma objetividade implícita, ou seja, há casos em que a obesidade é incontestável, qualquer pessoa com meio cérebro consegue concluir que é um grave problema de peso. Mas, em regra, não é fácil estabelecer um critério. Se o critério for ter condições de entalar na roleta, ainda assim ele não será claro, porque muita gente razoavelmente gorda (fora dos casos que entendo serem extremos) tem sérias dificuldades para encarar a roleta.

Aonde quero chegar? Quero chegar no ponto de que se você estiver sentado num dos bancos amarelos e entrar uma pessoa gorda, fora daqueles casos EXTREMOS que são incontestavelmente quadros de obesidade, você nunca vai saber ao certo se deve oferecer o lugar para a pessoa gorda ou se deve esperar ela pedir o lugar.

 

É constrangedor para ambas as partes. Pode ser constrangedor para mim que ofereço um lugar a quem preciso atribuir, segundo meus próprios critérios, o rótulo de obeso, bem como para a pessoa convidada a sentar-se, que caso não seja obesa ou tenha algum tipo de problema em se aceitar assim, irá se sentir ofendida. Já no caso inverso, ou seja, no caso de o obeso pedir para eu me levantar para ele sentar-se, a situação será igualmente constrangedora, só que mais para ele do que para mim.

Enfim, os bancos amarelos não nasceram para ser usados por obesos. Nunca vi ninguém oferecendo-os a alguém possivelmente obeso ou então uma pessoa efetivamente nessa situação pedindo para sentar-se neles. Ninguém se arrisca a criar ou a passar por esse constrangimento. Resultado: os gordos, inclusive os flagrantemente obesos, ficam dividindo bancos espremidos com passageiros "comuns" ou ficam em pé suportando suas dores nas articulações. É um direito que ninguém parece poder usar ou aplicar sem ter que se submeter a um dano, ainda que leve, de ordem moral.

E tem mais. Quem tem coragem de após sentar-se em uma cadeira comum, ao lado de uma pessoa que não imaginava ser tão gorda, levantar-se inexplicavelmente e seguir a viagem em pé? Melhor seguir espremido ou levanter-se e deixar em evidência que o peso da pessoa é o que me impede de me sentar ao lado dela? Será que não seria um favor eu me levantar e deixar a pessoa pesada mais confortável sentada só?

Da série: Dúvidas cruéis que só devem existir na cabeça de um cara atormentado como eu.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

[Curtinha] Um peso. Duas medidas.

Já faz algum tempo que tenho ouvido por aí gente dizendo aos quatro cantos que o mundo é bi e que pessoas modernas são bissexuais. Pra mim, sinceramente, quem diz que alguém é moderno porque é bissexual incorre no mesmo preconceito que comete o heterossexual que diz que alguém é inferior por ser homossexual. Usa-se o mesmo peso (orientação sexual) para diminuir o outro grupo. A diferença é que ainda soa estranho conceber que um heterossexual possa ser alvo de preconceito por quem não é. Ora, desde quando opção sexual é sinônimo de vanguarda ou de atraso? É por essas e outras que sempre vejo com certa reserva o tema discriminação.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

República Popular das Bundas

Responda-me o mais rápido que puder à seguinte pergunta: quanto custa uma bunda no Brasil? Não me refiro a uma prótese de silicone e tampouco ao custo do sexo anal no mercado do sexo. Me refiro ao valor potencial de uma bunda; àquilo que se pode conquistar neste país tendo um generoso pedaço de carne na parte traseira do corpo. Desculpe se estou sendo um pouco grosseiro perguntando algo assim neste blog, mas sério, eu gostaria, sinceramente, de poder mensurar o valor de uma boa bunda na nossa sociedade.

Essa dúvida se tornou cada vez mais presente na minha vida no mês passado, durante o concurso Miss Bumbum 2012. Ver as concorrentes desse concurso exibindo a bunda em rede nacional pedindo votos não é o que me deixou incomodado durante o período que antecedeu esse concurso, e sim, a relação que as bundudas mantinham com suas próprias bundas; o quanto pareciam ser dependentes delas. Por um segundo tive a sensação de que perder as duas mãos não seria mais traumático para aquelas mulheres do que sofrer uma queimadura de 3ª grau nas nádegas. Por quê? Porque aquelas mulheres tiravam a sobrevivência delas de seus próprios bumbuns. Sem mãos elas talvez não pudessem estudar ou trabalhar, mas com bundas elas poderiam dominar o mundo (ao menos o Brasil), mesmo sem mãos.

Acompanhando as muitas entrevistas dadas pelas mulheres tanajuras durante o período que antecedeu o fim do concurso percebi que cuidar de suas nádegas (malhação, tratamentos estéticos, etc.) era a atividade que consumia a maior parte dos dias delas, algo que, aliás, era dito com um certo ar de orgulho por cada uma delas. Elas viviam em função de suas bundas e não pareciam querer e ter outra opção na vida.

Sendo mais razoável, se o corpo (ou parte dele) é o instrumento de trabalho dessas mulheres, é natural que elas tenham que ter cuidados com ele além daqueles tidos pelas pessoas que não dependem da estética corporal para pagar suas contas. Ou seja, é de se esperar que elas dediquem horas de seus dias cuidando de seu meio de trabalho. Isso não é o que me incomoda. Digo mais, simplesmente por trabalharem licitamente essas profissionais merecem meu respeito. No entanto, isso não me impede de fazer algumas objeções.

O que realmente me deixou desconfortável "acompanhando" o Miss Bumbum 2012 foi perceber o quanto se pode conquistar neste país tendo SÓ uma bunda bonita (apenas a bunda já é o suficiente, aliás, uma parte considerável das concorrentes do Miss Bumbum tinham rostos feios) e o quanto isso pode motivar algumas pessoas a não buscar se qualificar de outra forma que não acumulando carne e músculo no traseiro. Tive a sensação de que uma mulher bunduda precisa apenas ter bunda e saber utilizá-la de "n" maneiras quando necessário for. Não precisa sequer saber ler e escrever. Tive a sensação de que neste país é mais fácil vencer investindo no próprio corpo do que correndo atrás de um diploma. As "raimundas" são preparadas como os jogadores de futebol nas categorias de base. Não precisam estudar; não enquanto forem capazes de se manter com seus próprios bundões. E digo mais, aposto que hoje muita garota já percebeu que é mais fácil subir na vida com um belo corpo do que com estudo. Preconceito? Machismo? Se for, não é só meu, porque é assim que a sociedade trata as popozudas. Como gostamos delas neste país... Gretchen, Carla Perez, Rita Cadillac, mulheres frutas e outras mais não me deixam mentir. Acho que se um dia eu tiver uma filha vou estimulá-la desde jovem a não estudar e a investir tudo na "poupança" (brincadeira). Parece que no Brasil se pode tudo com uma bunda grande; basta querer e tentar que se consegue (emprego, dinheiro, casamento, fama etc). Somos a República Popular das Bundas. Como dizíamos na infância em uma brincadeira na escola: "Ordem e progresso. Abaixe as calças e faça sucesso".

O que quero afinal falando desse tema? Quero acabar com as potrancas? Não. De forma alguma. Melhor uma bunda bem cuidada na TV do que uma bunda em braille. No entanto, o que gostaria, sinceramente, é que não fôssemos tão cegos por bundas no Brasil e que as bundudas não dependessem tanto disso para sobreviver neste país. Gostaria que fôssemos capazes de colocar cada coisa no seu devido lugar e dar a elas o valor que fazem por merecer. Bundas são boas, mas não devem ter mais atenção do que merecem. É meio complicado falar disso, envolve comportamento, mercado, instintos e blá blá blá. De verdade, gostaria apenas que as moças do Miss Bumbum tivessem estudo/qualificação suficiente para conseguir sobreviver sem meia banda de bunda se precisarem algum dia. Desejo, de coração, o melhor para todas elas. Sonho com o dia em que seremos capazes de remunerar melhor quem faz esse país crescer do que quem consegue apenas fazer suas próprias nádegas aumentar.

E aí? Já sabe me dizer quanto custa uma bunda no Brasil?