domingo, 26 de junho de 2016

Vida ou morte

A morte é a fronteira final. Aquela que separa nosso mundo relativamente previsível de um mundo totalmente desconhecido, do qual tudo que se conhece são crenças, incertezas e probabilidades. 

Não saber com certeza o que há do lado de lá talvez explique o medo que todos, de alguma forma, têm de morrer. Apesar de não facilmente assumido, talvez esse seja o maior medo de todos nós, aquele nos faz diariamente adotar medidas que, mesmo sem gostar, se fazem necessárias para a proteção de nossas frágeis vidas. Esse medo é força motriz, nos faz viver com cuidados, desenvolver um senso de autopreservação em meio aos perigos que nos cercam.

E quando não se tem medo de morrer?

Se vive com mais liberdade e sem muito senso de preservação de si mesmo. Se vive com desprendimento e com menos medos. Se vive sem senso de humanidade.

Todo animal traz em si como instinto mais agudo o instinto de sobrevivência, não necessariamente por entender o que sentido do que representa a morte. No entanto, quando um homem, deliberadamente, resolve renunciar ao medo da morte, ele consequentemente, torna o seu instinto de sobrevivência um instinto secundário, abaixo de outros como, por exemplo, o instinto de reprodução da espécie.

Um homem sem medo da morte não tem muito amor próprio e é um passageiro vagante por entre plataformas desertas da madrugada, fumando pacientemente um cigarro, enquanto não passa o trem da morte.

Um homem sem medo da morte leva uma vida "mercenária", daquelas que só se justifica enquanto tiver algo a oferecer de bom. Mas não se engane! Quem leva uma vida "mercenária" não quer morrer "de graça", não atravessa sinal verde no centro da cidade. Para essas pessoas a vida é como um jogo, no qual enquanto se tem fichas é preciso continuar jogando até que elas definitivamente se encerrem.  E para elas, o fim das fichas não é um problema. Não ter medo de morrer é não tê-la como uma preocupação e, não necessariamente, querê-la como opção.

O pior inimigo é aquele que não tem medo da morte. É frio.

O pior criminoso é aquele que não tem medo da morte. É capaz de amarrar uma bomba na cintura ou de sair praticando roubos por aí com uma arma na cintura sem qualquer medo de morrer ou peso de consciência por matar inocentes. É por isso que a luta armada contra o terrorismo é quase uma fantasia. Quem não tem medo de morrer, não tem pudor em matar. Como lutar contra quem não tem medo de morrer? Oferecendo o risco de morte?  É uma questão psicológica, mental. A guerra precisa ser psicológica, é preciso penetrar nas mentes, na cultura e na educação. Por isso é tão difícil, sobretudo, em uma realidade cultural e histórica tão permeada por guerras.

Muito tempo atrás, vi uma entrevista na qual um menino do tráfico de uns 10 anos dizia não ter medo de morrer e falava com segurança que, se ele morresse, o tráfico o substituiria por alguém "pior do que ele" ("pior" no sentido de ainda mais cruel). Seria a guerra armada contra o tráfico nas favelas também uma fantasia? Os menores que estão desde cedo convivendo com o crime, em geral, são mais frios do que os adultos, mais dispostos a matar e com menos medo de morrer (têm menos a perder, sendo que perder a vida não é uma preocupação), talvez até pela falta de um amadurecimento que já os tenha permitido entender o que significa a morte.

Oferecer a morte a quem não tem medo de morrer não é a solução. Por isso defendo uma cruzada de educação, de formação cultural e religiosa, bem como de dignidade humana, em resposta ao tráfico. É preciso "sequestrar" as mentes dos jovens que se alistam para o exército do tráfico. É preciso dar sentido a essas vidas, a ponto de se criar um medo em perdê-las - o medo de morrer. Estamos longe de conseguir essa proeza, o que torna ainda mais insana e sem sentido a luta armada contra os suicidas do tráfico e do fundamentalismo religioso/político.

Com quem não teme a morte, a única forma de vencer é preenchendo o mosaico da vida, é despertando na vida tanto sentido que faça a morte parecer uma indesejada visitante.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Praça de Guerra

Diga-me o que tu escolhes e te direi quem és. Eu acredito em Deus, sabe? Talvez até o dia que a ciência consiga explicar porque o "Big Bang" só foi capaz de criar racionalidade na espécie humana entre trocentas espécies vivas; até lá, acreditar que, entre tantas espécies criadas, as reações fisioquímicas da grande explosão só privilegiaram a nossa espécie, com todo respeito, me soa tão insano ou sem sentido quanto acreditar em Deus. Então, se é pra escolher em qual "fantasia" acreditar, prefiro acreditar em Deus mesmo.

Mas não é de Deus que quero falar não. Quero falar de escolhas. Mas por que falei de Deus? Porque acredito que a ampla liberdade de escolha foi o maior dom dado por Deus à espécie humana, capaz de levar o homem ao sucesso ou à perdição. 

A vida humana é mágica justamente por causa desse poder de escolhas. São elas que tornam a vida tão imprevisível. Viver é um constante escolher; até respirar se pode escolher. Só não se escolhe nascer ou morrer, sendo que, nesse último caso, a escolha feita por um terceiro pode fazê-lo salvar sua vida antes mesmo que você consiga por fim a ela.

Eu acredito em vida de três esquinas. Tipo o centro daquela cidade horrorosa chamada Belo Horizonte. Nunca existem somente duas escolhas, na minha opinião. Sabe o "sim" e o "não"? Eu também acredito no "são", que, coincidentemente, remete ao verbo "ser". Acredito em Deus e na ciência; em coisas inexplicáveis à ciência pode haver Deus, assim como que pode haver ciência na religião. Acredito que entre os extremos tem sempre o meio termo que alia os dois, como é o ser humano em relação ao "bem" e ao "mal".

Mas essa terceira esquina é como viajar para Hogwarts pela plataforma 9 3/4, aquela que só os bruxos conseguiam ver por dentro de uma pilastra de concreto. Às vezes, é preciso ser míope na vida, pois só assim conseguimos ver o que foge ao olhar comum e ver a terceira esquina. Escolhas intermediárias, muitas vezes, são mais do que ficar em cima do muro, são a picareta para implodir o muro que nos separa de resultados e de nós mesmos.

O mundo pode ser muito mais legal com três opções. Porém, é preciso cuidado. Assim como a velha Belo Horizonte, quando se escolhe uma das esquinas e penetra profundamente por ela, desfazer a escolha e retornar à encruzilhada inicial de decisão nem sempre é fácil. Na vida, cada quadra percorrida envolve cruzar por mais um cruzamento de três esquinas, sendo que essas esquinas não são facilmente identificáveis e é difícil se saber de qual rua se partiu inicialmente. 

Escolher é um constante ir em frente, sendo que desfazer uma escolha já traz em si uma outra escolha. Nunca é um simples voltar atrás. Cada esquina traz em si uma chave de combinações possíveis, envolve uma análise combinatória. Lembra? Pois é. É difícil se saber para onde vai e mais difícil ainda conseguir voltar ao exato status anterior à medida que levamos à frente nossas escolhas cruzando por novas encruzilhadas decisórias.

Contudo, uma é a certeza, qual seja, a de que, aconteça o que acontecer, você colhe os resultados do que escolheu e é fruto de suas próprias escolhas. Se Deus existe, como acredito, esse foi o maior dom deixado ao homem, um dom que não assegura que seremos santos, mas que nos garante força criativa. Se você acredita só no "Big Bang", sem Deus, que sorte incrível essa que só nossa espécie teve após a explosão.

Viver às vezes envolve virar esquinas "cegas", aquelas de muro alto que viramos sem conseguir ver o que está do lado de lá. Entretanto, nessas horas, é preciso respirar fundo e virar, e seja o que tiver que ser.