domingo, 26 de janeiro de 2014

[Dando Uma] Serra Pelada

Mais uma crítica irresponsável de cinema.

Hoje quero dar pitaco sobre um dos poucos filmes que vi no cinema no ano de 2013: "Serra Pelada". Desde o dia que eu vi esse filme eu quis fazer uma postagem sobre ele, mas a certeza de que nem 5% dos leitores incertos deste blog teriam assistido ao mesmo me fez desistir da ideia. Então eis que a Rede Globo, para meu espanto, resolveu exibir esse filme como uma espécie de minissérie no começo deste ano, fato que renovou minha esperança de ter público para esta postagem.

Pois então. É sempre bom reforçar, sobretudo para os navegantes de 1ª viagem neste blog, que eu sei tanto de cinema quanto a maioria das pessoas sabe sobre as regras do golfe, a ponto de eu sequer saber ao certo o que faz um diretor. Ah, mais uma vez, essa não é uma sinopse de filme, logo não se destina a resumir a história, portanto, a leitura será mais proveitosa para quem já tiver assistido ao longa metragem. Na realidade, acho que vou falar mais da verdadeira Serra Pelada do que do filme... Mas enfim, vamos lá!


Não precisa ser um expert em cinema pra perceber que "Serra Pelada" foi uma produção bem pobre financeiramente. Elenco principal pequeno, poucos atores medalhões, poucos cenários etc. Mas o que mais me intrigou não foi isso, e sim o fato de terem explorado tão porcamente uma história tão rica. Serra Pelada é a história de um Eldorado em pleno século XX, no meio do nada e em meio aos perigos da floresta amazônica; a história de milhares de homens vindos de diferentes pontos do Brasil que largaram tudo para perseguir um incerto sonho dourado, o sonho de enriquecer achando ouro, mesmo sem nunca na vida terem sequer garimpado. Em síntese, como dito no próprio filme, é a história da maior concentração de trabalho humano desde a construção das pirâmides do Egito.


Pelo menos esse aspecto geral o filme conseguiu demonstrar. Conseguiu mostrar como esse sonho dourado foi capaz de contaminar tanta gente - dos mais variados tipos, diga-se de passagem. Os protagonistas do filme são um espelho disso: duas pessoas que deixaram São Paulo em direção a um garimpo desconhecido no interior do Pará, de onde corria Brasil afora a notícia de haver muito ouro a ser extraído. Aliás, até que a história dos protagonistas é interessante, consegue prender a atenção, mas ainda assim, os verdadeiros personagens de Serra Pelada mereciam um pouco mais.


É claro que "Serra Pelada" é um filme de ficção, e não um documentário, mas explorar tão pouco alguns detalhes da Serra Pelada verdadeira foi um pecado. Falaram tão pouco das loucuras feitas pelos bamburrados, das visitas ilustres de mulheres como Rita Cadillac em um ambiente no qual elas eram as únicas mulheres em um raio de quilômetros, assim como das dificuldades de se viver no interior do Pará - no meio da floresta amazônica, em meio à malária e outras sérias doenças, em meio ao calor infernal etc. Digo isso mal acostumado por histórias de filmes bem feitos como "Carandiru", que mesmo em meio a tantos detalhes a serem explorados, conseguem contar satisfatoriamente a história de muitos personagens simultaneamente. Mas pensando bem, não se pode exigir muito de um filme financeiramente pobre...

[Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a verdadeira Serra Pelada, recomendo esta reportagem especial feita pela Rede Record, dividida em duas partes: Parte 1 e Parte 2. O que mais me intriga nessa reportagem são as histórias do bamburrado que bancou um voo exclusivo de Belém pro Rio de Janeiro, sozinho em um avião no qual cabia mais de 100 pessoas e pagando mais de cem mil reais (em dinheiro atualizado), e do cara que depois de ser milionário hoje vive miseravelmente e mesmo assim diz que se pudesse voltar no tempo gastaria tudo de novo! São essas coisas que me atraem tanto na história de Serra Pelada]

Enfim. Serra Pelada é muita história para um filme de pouco orçamento. De qualquer forma, valeu a tentativa. Algumas coisas são extremamente boas no filme, como, por exemplo, a trilha sonora, sobretudo das cenas passadas no "30"; músicas que se encaixam muito bem com o contexto regional e social. Gamei nesta música aqui, de um artista falecido que descobri se chamar Frankito Lopes (também conhecido como "o índio apaixonado"):



O filme também consegue tratar muito bem a questão da violência naquele cenário amazônico onde sobrava testosterona. São cenas muito boas de corre-corre, tiros e gritaria. E a Sophia Charlotte (acho que é assim que se escreve, não vou pesquisar)? Pessoalmente não acho ela uma grande atriz e muito menos uma das mais bonitas. Pensei que ela seria muito europeia pra fazer o papel que lhe deram no filme. Mas vou te dizer, no final das contas ela é a cereja do bolo no filme. Acho que como era o primeiro filme dela ela tava topando fazer tudo. Sem rodeios, ela mostrou ser bem gostosa. Belos peitos! Sobre a atuação dela? Sei lá. Acho que nem reparei. Como é que você vai reparar em interpretação numa hora dessas?

 

Se é pra falar de verdade sobre interpretação, posso dizer que mais uma vez Wagner Moura deu show. Um personagem pitoresco, cheio de trejeitos e de cenas inesquecíveis. Uma pena que talvez a melhor cena desse personagem não foi mostrada na minissérie da globo. Aliás, lamentável essa minissérie... O filme em si já é de enredo meio pobre, e com cenas cortadas então, virou quase uma sequência de fotografias. Creio que quem viu o filme só na Globo teve a sensação de que o filme era pior do que realmente era. Uma pena...

Um aspecto que me chamou a atenção no dia que vi o filme no cinema era a monotonia da história em razão dos poucos personagens e cenários. No entanto, isso tem um aspecto interessante, pois o filme consegue, ainda que involuntariamente, passar a quem o assiste a mesma monotonia que devia marcar a vida dos homens que viviam naquele garimpo amazônico, no meio do nada. Entende? É como se a pobreza de enredo fosse justamente para reproduzir a monotonia daquela vida de poucos cenários que aqueles homens tinham.

É um filme pobre cuja maior qualidade é a história de fundo: a história do garimpo de Serra Pelada. Foi justamente essa a motivação que me fez ir ao cinema ver esse filme. Eu nem sabia qual era a história dos personagens do filme e tampouco conhecia direito o elenco. Meu negócio mesmo era ver aquela loucura de 100 mil homens fervendo no meio da floresta em busca de um sonho tão incerto. Nesse aspecto, o filme merece uma menção honrosa, pois conseguiu mostrar bem como a busca pelo ouro era insana, como mexia com os valores daqueles homens, a ponto deles mesmo depois de conseguirem dinheiro suficiente para voltar para casa preferirem ficar lá para tentar conseguir ainda mais. É um ciclo vicioso. Nunca chega a hora de voltar, até que você perca todas as suas fichas. Serra Pelada se mostra como uma droga, como o vício em jogo, no qual após ganhar uma quantia significativa o jogador prefere reinvestir tudo o que ganhou para tentar ganhar mais.


Os protagonistas do filme vivem essa realidade. Acham ouro, mas preferem reinvestir para achar mais, tornando-se, assim, donos de barranco. Joaquim (vulgo "professor"), mesmo vendo, através de fotos, sua única filha crescer sem ele em São Paulo, resiste por anos em retornar para casa. Aquilo que era só uma aventura - ir, achar ouro e voltar - se torna algo viciante. Não há outra palavra além de "ganância" que seja capaz de explicar a escolha dos personagens em se deixar ficar voluntariamente naquele fim de mundo.

Sobre esse aspecto a reportagem da Record destacada anteriormente é um primor. Mostra a história de homens que nunca mais voltaram para suas terras depois de pisar em Serra Pelada. Homens que vivem há décadas naquela região ainda na esperança de poder pegar o ouro que talvez ainda exista abaixo daquela terra. Homens que não sabem mais como viver se não for sonhando com o ouro de Serra Pelada, que seriam incapazes de voltar "pra casa" depois de tantos anos. Homens para os quais Serra Pelada se tornou casa e continuará sendo mesmo se ainda conseguirem bamburrar numa improvável última garimpagem no local.

É o poder dos sonhos. Muitas vezes aquilo que era sonho se torna ilusão, mas não conseguimos perceber ou relutamos em aceitar.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Hero

Um dia me senti herói.
Herói da espada de pau
Ou seria um herói perna de pau?
Mas fui herói.

Um herói daqueles que vivem em cavernas,
Sem janelas.
Prontos a sair para salvar o mundo
E a voltar para casa no escuro.

Já cantava Bowie:
We can be Heroes
Just for one day.
Eu fui um hero,
Just for one day...

Ganhei o beijo da minha Mary Jane,
Os louros da vitória,
Os créditos,
E a realização.

Depois,
Descobri que não fui herói
Que pouco resolvi
Talvez nada fiz.

Se foi a glória.
Minha Mary Jane?
Desde esse dia nunca mais a vi.
Deve estar por aí.

Voltei à caverna;
Aquela sem janelas,
Numa sobreloja
Com goteiras sem fim.

É Bowie...
Just for one day
We can be heroes
Eu pude sentir.