sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2011, fique mais um cadinho...

Sei lá, não curto muito o período que antecede o ano novo, fico meio azedo com as pessoas. Não curto muito toda aquela coisa de "que o próximo ano seja melhor do que o que está acabando" ou "quero no próximo ano fazer isso, aquilo...". Sei lá, na minha cabeça somos plenamente capazes de atuar na construção de nosso futuro, embora não possamos controlar tudo que possa ocorrer. O que quero dizer? Quero dizer que você pode mudar "sua sorte" agora. Hoje. Em 2011.

Não é preciso esperar virar o ano ou ficar torcendo para que o "cosmos" lhe traga um ano melhor. Arregace as mangas e comece a construir sua "sorte" desde agora. Não é pecado querer um ano melhor, principalmente quando se teve um ano ruim, afinal, o ser humano é um ser desejante, quer sempre o melhor, condições melhores de vida. É até normal querer um ano melhor.

Mas na minha opinião, foge à lógica apenas desejar/sonhar/torcer/esperar estaticamente que todas as coisas naturalmente possam acontecer em 2012. 1- Você não deve ficar desejando/sonhando/torcendo/esperando um ano melhor, você deve fazê-lo melhor.



2 - Por que as coisas que você quer não podem começar a acontecer em 2011? Isso depende fundamentalmente só de você. Por exemplo, há anos que queria tornar caminhadas/corridas na praia um hábito. O que fiz? Assim que surgiu a primeira brecha (ainda em dezembro) comecei. Não esperei virar o ano para começar algo que poderia começar em 2011. E digo mais aos "esperadores" de 2012: pretendo manter meu saudável hábito de 2011 em 2012. Que abuso, não? E o design deste blog. Reparou? Deu uma louca em 2011 (ao apagar das luzes - 29/12/11), uma vontade de ir para um pub na Irlanda beber cerveja preta e cantar alegremente junto com meus amigos bárbaros, aí como não tinha dinheiro pensei em fazer uma doidera por aqui. Esperar 2012 para quê? Vamos inovar agora, amanhã, depois, dias 31/12, 01/01, 02/01, 28/02...

Engraçado que tenho ouvido um papo (meio irônico, diga-se de passagem) de "viva 2012 como se fosse o seu último ano". Qual é? E se eu te disser que HOJE pode ser o seu ultimo dia! Amigão, você pode morrer a qualquer tempo e nem ao menos chegar ao "fim do mundo - dezembro de 2012". Qual é, brow? Se liga.

Quer saber? Sou azedo demais nesse período que antecede o ano novo! Acordei tão azedo hoje que pensei: "Em dias assim tenho pouco a oferecer às pessoas. Acho que só tenho meu sangue. Então vou lá doar." E assim fiz. Doei tudo que dava para doar. Só esqueci de avisar na triagem que eu estava sofrendo de azedume nesses últimos 3 dias, afinal, vai que passo meu azedume para alguém...

PS: Doe sangue, principalmente nessa época de festas de fim/começo de ano, pois é maior o número de acidentes e menor o de doadores.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Redemption Song

- Tadinho... Ele era um menino de cabeça tão boa. Está cada vez mais maluco o pobrezinho... [disse minha vó lírica depois de ler este texto]

Eles estão por toda a parte. Em pleno século XXI ainda somos escravos. Do quê? Ué, você ainda não reparou? Quanto mais a humanidade evolui e se torna independente, mais dependente ela fica. Hã??? Temos uma liberdade, na melhor das hipóteses, assistida. Não somos plenos, somos parciais. Somos seres humanos pelas metades. Isto é preocupante.

Escravos do tempo. Pessoas que não sabem medir um dia sem saber que ele tem 24 horas. Ora, há liberdade maior do que gozar o dia sem saber que horas são? Sem ter que se adequar às horas? Sem ter que fazer coisas em momentos pré-determinados pelo relógio? E o tal relógio biológico? Você tem? Você usa? Ah tá...

Escravos das obrigações. Pessoas cujas principais atividades feitas ao longo do dia são obrigações. Pessoas que não escolhem o que fazer e precisam a todo o tempo segurar a vontade de fazer o que realmente querem fazer. A escravidão é tão intensa que chega ao extremo de em dados momentos esquecermos que temos vontades e introduzirmos as obrigações dentro de nossas vontades como se de fato elas (obrigações) fossem desde o início aquilo que queríamos. Calamos o grito e nos enganamos dizendo que desde o início nunca quisemos o grito, mas o silêncio (a obrigação do silêncio). Nos podamos para encararmos a rotina como se fosse aquilo que fazemos porque queremos. Nos anestesiamos da impotência que é não poder ocupar o dia com coisas que realmente nos interessam.

Escravos dos meios de comunicação. Pessoas que estão sempre perto de quem está longe, mas sempre distantes de quem está perto. Pessoas que estão mais preocupadas em aparentar ser nas redes sociais do que em ser na realidade social. Escravos da internet. O mundo conectado na ponta dos dedos e a vida off-line em segundo plano. Pessoas que realmente acham que não é possível ficar um dia sem acesso à internet ou ao aparelho celular. Mas você não é livre? Como não consegue viver sem estar na rede mundial? Ah, faz sentido. Fora da rede mundial você não existe, afinal, se a rede não sabe onde você está, você é como um avião que sumiu dos radares. É um fantasma.

Escravos do hedonismo. Pessoas que exercem a liberdade de modo a torná-la escravidão. E essa é das "brabas". É uma escravidão disfarçada de liberdade, afinal, você acha que está sempre no comando da situação, quando na verdade a situação/sensação prazerosa é quem está no controle. Troca-se uma vida inteira por segundos, minutos de prazer. Tudo é feito de modo a lhe direcionar para o prazer. O constante apelo sexual: as mulheres bonitas e gostosas nos programas de TV e nas propagandas mantém os homens quase que num estado de eterna ereção (aqueles que conseguem, diga-se de passagem); as músicas que estimulam a prática sexual; a moda das roupas cada vez mais curtas e justas (dizem que é decorrência do nosso clima...). A vinculação da liberdade com o álcool (antes era com o cigarro, mas a própria sociedade tratou de mascarar essa escravidão proibindo as propagandas tabagistas): o prazer (quase obrigação) de beber uma cerveja todo fim de semana para gozar a liberdade junto dos amigos; o prazer da liberdade de estar bêbado e "no controle". E o prazer de se "libertar" sendo escravo da erva, do pó ou do crack? Preciso nem comentar, né? Percebe? Escravos da sensação de prazer. A felicidade plena só se alcança tendo prazer. Talvez esse seja o tópico mais complicado de explicar. Não nego o prazer, e, sim, a forma com que somos levados a direcionar nossas condutas para alcançá-lo. O prazer pode ser uma expressão de liberdade, mas a sua busca dificilmente é.

Escravos de outras pessoas. Pessoas que têm em outras a sua única razão de existir. Pessoas que não conseguem viver se não for ao lado de outras pessoas específicas. Não me refiro à afinidade. Mas ao buscar no outro a sua ÚNICA motivação de existir. Fazer e logo em seguida parar para pensar o que a outra pessoa vai achar sobre o que fiz. Não saber andar por si próprio. Não buscar no mundo a motivação para viver. Não saber como fazer/viver se não estiver perto de uma outra pessoa específica. Subordinar as suas vontades SEMPRE aos desejos e ordens de outrem. Isso deveria ser crime. Mas é só dependência. É mera escravidão.

Escravos do consumo. Pessoas que fazem do ter a razão de ser. É preciso ter para ser. Pessoas que não têm como viver com o necessário, precisam do desnecessário. Pessoas que consomem tudo que se mexa: desde bundas até ameixas (essa poesia foi pra você J.C.). Sério. Não basta o que é preciso. Minto. Basta ter o que é preciso, mas o problema é que o rol daquilo que é preciso está sempre aumentando. Sempre é preciso TER algo diferente. Aquilo que era preciso ontem virou lixo. A vida que TIVE ontem não é tão boa quanto a vida que quero TER amanhã.

Escravos da alienação. Pessoas que vivem sem saber o que de verdade se passa ao redor e que sustentam a vida em cima de meias verdades. Pra mim é a pior ou uma das piores escravidões. É viver num constante estado de "café com leite". Ser passado para trás e não saber. Acreditar em falácias. Ter uma meia visão do mundo, uma meia liberdade de escolha e uma meia vida. Dizia Rui Barbosa que "sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escuro, vida na soledade, vida no medo, morte em vida [...]". Acrescento: é vida na escravidão. É vegetar. Não é viver. Me perdoem. Me arranquem um braço, mas não me tirem o criticismo, a consciência da realidade. Queira Deus que eu morra lúcido! Não quero virar boneco na mão dos outros. Ter alguém pensando e decidindo por mim.

Escravos do medo. Pessoas que não sabem viver se não for tendo insegurança. Ora! Medos todos temos, mas há pessoas que não sabem como proceder se não for tendo que tê-los. Pessoas que fazem da covardia um escudo. Pessoas que usam o risco, ainda que natural, como uma justificativa plausível para não serem aquilo que poderiam ser. Pessoas que se escondem. Pessoas que têm na aparência de fraqueza uma escolha de vida. Pessoas que só sabem ser se for para ser vítima. Se recusam a emancipar-se. Aceitam o conforto da escravidão causada pela insegurança. Ué? Faz sentido. Se omitindo você tem mais chances de saber o que vai acontecer do que fazendo (exercendo a sua liberdade de agir). Seria a escolha da proteção proporcionada pelo medo um exercício da liberdade de escolha? Sim. Mas o uso da liberdade para optar pela escravidão.

Domingo, lá pra meia-noite e qualquer coisa, vi na Record News uma matéria analisando o momento ruim vivido pela cantora Vanusa, aquela que errou/inovou a letra do hino nacional numa cerimônia pública. Em dado momento ela disse ao repórter algo como: "Não aguento mais essa realidade fingida na qual todo mundo finge que é feliz. As pessoas compram coisas para serem felizes e depois que compram descobrem que não são felizes. Eu não sei viver nesse mundo. Eu me sinto um ET. Não consigo viver assim." Aí, por um instante pensei: "Caraca, quero ver se o repórter vai ter peito para largar a pose jornalística e num acesso de sinceridade e criticismo apoiar o que ela disse". Qual foi a resposta dele? "A cantora Vanusa está sofrendo de problemas financeiros e de depressão. Precisou se internar numa clínica e blá blá blá". Porra! A mulher falou algo extremamente lúcido e pertinente sobre nossa "feliz" sociedade e o cara vem e desmerece TUDO o que ela falou atribuindo o momento de lucidez dela à depresão e aos problemas financeiros que ela tem vivido! Ainda que seja por depressão, ela não disse nenhuma mentira. Pelo menos eu acho. Talvez eu também esteja deprimido, deve ser isso, né, Record?

Assumo que é natural não sermos 100% livres, afinal, o viver no mundo civilizado impõe uma série de restrições às nossas liberdades, uma certa escravidão. Dizem os teóricos do Estado que esse é o preço de viver em sociedade, que se não aceitássemos restrições em nossa liberdade viveríamos num constante estado de luta de todos contra todos, de predominância da força, insegurança, violência e morte. Seria o mundo animal. Contudo, sinceramente, não sei mesmo se "fizemos" uma boa escolha em viver em uma sociedade civilizada. Temos nos perdido demais. Temos sido cada vez menos livres. Cada passo que damos em "evolução" damos igualmente em escravidão. Isso me assusta. Me assusta como deixamos tudo isso ocorrer de modo tão passivo. Como achamos tão natural sermos cada vez mais dependentes de coisas que nunca fomos antes.

Saudade dos tempos em que erámos apenas escravos de Jó...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Tragam as crianças para casa

- Quixote, diga adeus à Dulcinea. Deixe-a ir.


Fiquei quieto e fui deixando as coisas acontecerem. Os amigos mais próximos parecem ter percebido que eu fiquei praticamente silente sobre este assunto desde o dia em que a presença dela em minha vida tornou-se semanal ao invés de sazonal. Contraditório, né? Afinal, era agora que eu deveria estar cheio de histórias para contar. Mas não. Eu, categoricamente, tenho sido omisso sobre o assunto. Mas chegou a hora de falar e fechar o tema. Falo agora porque em menos de um mês ela escorregará mais uma vez de meus olhos e sabe-se lá quando voltarei a vê-la novamente (se é que voltarei). Tudo voltará a ser como sempre foi antes do últimos 3 meses. Ser definitivo é mera pretensão, afinal, o destino só Deus sabe.

Quis esse mesmo destino que eu passasse a vê-la semanalmente. Foi assim por 3 meses. E nesse período não toquei mais nesse tema neste blog. 3 meses depois e há menos de um mês de não vê-la mais preciso dizer.

Preciso dizer que não deixei de gostar dela. Mas que aprendi a gostar de um jeito diferente. Ela era quase como uma santa da qual eu era devoto. Só de vê-la de longe meu coração mudava o ritmo. Bastava ver uma foto dela e eu ganhava o dia. Ela exercia um fascínio inexplicável sobre mim, sempre tão racional. Então eis que aqueles contatos (ainda que rápidos) que antes eu tanto queria tornaram-se frequentes. Pronto. Será que eu teria um infarto toda vez que a visse? Assim não dá, né?

Pois então. Aprendi a me controlar. Amadureci. E isso se tornou lindo. Tudo se tornou melhor. Pude conhecer mais aquela pessoa por detrás daquela imagem que eu tinha congelado há algum tempo na cabeça. Pude ouvir a voz dela, perceber que possui diferentes entonações. Vi que ela é gente. Tem carne e osso. Ela existe, Quixote! Ela existe!

Passei a torcer pelo sucesso dela. Ela parece ter talento, ter nascido para brilhar. Não cabe na palma de uma mão, precisa de espaço para evoluir, se desenvolver, caminhar. E eu descobri, felizmente, o meu lugar. É na plateia. É vendo o crescimento dela. É não atrapalhando; no máximo incentivando. O meu coração já não dispara mais quando a vejo, embora eu ainda goste dela. E cada dia mais intensamente. Mas é diferente. E também é igual. Eu passei a vê-la em contexto. No espaço e no tempo. Isso mudou muito meu entendimento sobre as coisas. Eu adoraria ter alguma coisa com ela, ainda que apenas por 5 minutos, mas por outro lado, cada vez menos eu sonho com isso e cada vez mais passo a ficar feliz apenas de vê-la evoluindo e fazendo o que gosta, ainda que ela nem sequer saiba que eu gosto dela e que eu desejo que algo entre nós seja possível. Entende? É um gostar diferente. Um gostar de quem apenas quer vê-la feliz e bem, indepedente de que seja distante de mim. É meio fraternal. É um pouco surreal. Ela é assim.

Ela não me faz ganhar o dia. Não penso nela. Respeito-a cada vez mais, assim como as escolhas e o espaço dela. Ela precisa de espaço para respirar, para poder VIVER. Apenas curto cada instante ao lado dela. Me contento com o gargalhar juntos, com o beijinho de despedida na bochecha. Me contento com o contemplar, embora eu adorasse poder participar. Mas isso não faz falta. Não incomoda mais. Se tornou uma questão de: "se o destino permitisse eu faria tudo para ser bom, mas se a realidade não deixa, também não há problemas, pois a vida continua completa". É contraditório, mas hoje é assim. E eu fico feliz apenas de vê-la feliz. Pode isso? Pode. Isso é demais. E vai acabar em breve, quando não mais a encontrarei uma vez por semana. E o que pensarei ao final: "Foi bom! Foi muito bom! Mas voe. Você precisa voar rumo ao infinito. Chegue mais longe que puder, ainda que eu te perca de vista. Voe. Voe. Se um dia voltar, vou adorar, mas se não der, saiba que na minha mente irei sempre imaginar que você terá chegado lá."

Definitiva.
Uma postagem final acerca desse assunto.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Queda Livre


ca.ir
(lat cadere) vti e vint 1 Descer no espaço, em virtude da gravidade, quando libertado da suspensão ou suporte: Cair ao solo. A pedra caíra na sala. Os soldados iam caindo pelo despenhadeiro abaixo. O suicida caiu sobre um transeunte. Caíra e morrera.
(Dicionário Michaelis - versão digital)

Cair.
Tá para existir sensação mais estranha.
Mais estranha que os 19 significados apontados pelo Dicionário Michaelis para a palavra cair.
Ufa!
Digo cair no sentido de ir ao chão.
De perder todo o referencial por uns minúsculos segundos e encontrar o solo.

O chão é o limite, Senhores.
O limite horizontal.
O limite que nos dá um ponto de partida e um ponto de chegada.
Mas esquecemos.
Esquecemos que o chão existe e que está ali só pra isso.

Você está todo seguro de si e de repente...
Chão.
Um flash nas alturas/Um flash no chão.
Tudo muitíssimo rápido.
Aí você acorda.
Percebe que você não é essa Coca Cola toda.
Que você é fraco.
Que você - todo poderoso e seguro de si - não é capaz de impedir uma simples queda.
Por quê?
Porque você não sabe quando pode cair.

Ué?
Por que nos seguramos em algo/alguém quando achamos que podemos cair?
Por que tanto medo? Mesmo quando a queda parece ser incapaz de gerar qualquer lesão.
É o medo da sensação de cair.
O medo da impotência proporcionada por cair.
É preciso sempre estar por cima, vivendo no limite da verticalidade, longe da horizontalidade.

Um dia o horizontal caiu sobre meu vertical.
Um pedaço do teto da minha casa caiu sobre mim.
É verdade.
Fiquei sujo de terra e com gosto de reboco na boca.
Um gosto ruim. Tão ruim quanto a sensação de cair.
Não queremos a terra.
A origem de tudo.
Não queremos perder os referenciais.
Mesmo aqueles que nem percebemos.
Querems a segurança.
Não queremos o gosto da terra.
Eu devia ter lambido a terra que ficou em meus lábios.
Era o gosto da queda.
Não da minha.
Era a queda do horizontal sobre o vertical.

A verdade é que não estamos prontos para cair.
Não queremos a impotência.
A sensação da fragilidade.
Coisas frágeis caem e quebram.
Não se pode quebrar.

Somos feitos para durar.
Mas temos medo de quebrar.
Cair é isso.
É
quando se é libertado da suspensão ou suporte.
Não sou eu quem digo.
É o Michaelis.
Meu velho amigo Michaelis.

Por isso eu digo:
É preciso cair.
Não! Não vou dizer que o importante é levantar depois!
Mas é preciso cair.
Não para se levantar.
Mas para lembrar que se está vivo.

Para lembrar que não somos eternos.
Para lembrar que somos mortais.


A Dan Wheldon e Marco Simoncelli
, que fizeram do limite a vida e nos lembraram que (ainda) somos mortais.

sábado, 15 de outubro de 2011

Um estádio e outras histórias

Chegue mais perto, preciso lhe contar um segredo. Não é nada muito extravagante, mas eu ainda tenho certo receio em dizer. Está pronto para ouvir? Então eu vou lhe contar.
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"Estou viciado. Desde o início de agosto, todo fim de semana eu tenho ido lá. Ligo para meus amigos, marcamos um horário no Terminal e vamos. Não perdi nenhum jogo da Desportiva Ferroviária em seu retorno ao futebol; fui em todos os jogos da 'TIVA' no Engenheiro Araripe." (Don Quasímodo, 17-09-11)

1. A minha primeira vez
Ainda guardo em minha carteira o registro da minha primeira vez. Comecei em grande estilo numa tarde nublada de domingo em 2008. Eu e meus amigos-irmãos do CEFETES marcamos quase como de zuera e fomos. Mais um daqueles eventos dos nossos últimos suspiros de CEFETES. Nos encontramos no Terminal de Vila Velha, tomamos um 500 e partimos. Descemos na estação, atravessamos a Rodovia e fomos em direção ao "Coliseu". O público era pequeno, é verdade, mas era dia de clássico, e isso por si só já bastava, embora os dois times não tivessem mais chances de disputar a fase final do Capixabão, ou seja, o jogo não valia nada. Perdurava a dúvida se o craque (Sávio - o "anjo loiro da gávea") jogaria ou não, mas ainda assim queríamos ver.

Tudo era novo: desde a ida à bilheteria até o sentar a bunda na arquibancada. Ainda não tinhamos uma preferência sobre pra quem torcer, mas você sabe como é o amor, né? Surge quando a gente não espera. Naquele dia, escolhemos sentar no cantinho reservado à torcida visitante (Desportiva) e assim começou o amor. Eu que já tinha uma certa simpatia, comecei naquele dia o meu processo de "Desportivação". Não vibrava ou esbravejava como os demais torcedores, no máximo ria do descontrole emocional de alguns deles. Estava torcendo, mas mais do que isso, contemplando, vendo como era diferente ver a bola rolar tão próxima dos olhos. Não perdia nenhum detalhe. Naquele dia eu era mais cientista do que torcedor. O jogo em si foi feio. 1x0 para eles num gol aos 10 do primeiro tempo. E ficou nisso. Jogo entediante.
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1.1. O Santo Graal
Dizem que o melhor sempre fica para o final, né? Pois então, eis o grand finale: Acaba o jogo e um torcedor do Rio Branco de uns 60 anos (um típico torcedor do "Asilo" - como comumente chamamos a torcida desse time) entra em campo (sabe-se lá como) segurando o "Santo Graal" (ou, se preferir, uma ave que me pareceu vista da arquibancada ser uma galinha de angola). Direção: Corria dentro do campo em direção ao jovem goleiro da Desportiva com o "Santo Graal" entre os braços. Galinha. Goleiro. Te lembra alguma coisa? Acho que isso também lembrou algo ao goleiro da TIVA, que sem fazer qualquer cerimônia deu logo um empurrão no velho e tentou chutá-lo. Prontamente a polícia interveio e o goleiro, que entrou em campo de luvas, saiu de algemas. Obviamente que não deve ter ficado preso nem 30 minutos, mas essa cena inusitada ficou em minha retina como uma lembrança da minha 1ª vez. Hoje lembro desse episódio com humor, mas na época ele me soou como um "Nunca mais boto o pé nesse antro de amadorismo chamado futebol capixaba!"
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2. Hiato
E assim se fez. Afastei-me por todo o ano de 2009 dos jogos da TIVA. Não assisti a nenhum, nem mesmo a final da Copa ES de 2008, o último grande triunfo da TIVA. Voltei apenas em 2010. Eu e meus amigos do CEFETES presenciamos a campanha do rebaixamento, na qual os pontos altos foram a vitória de 1x0 sobre o campeão Rio Branco e um dramático e cheio de histórias jogo do rebaixamento contra o Espírito Santo de Anchieta (essas histórias eu deixo para outra ocasião). Foi na campanha do rebaixamento que me tornei, em definitivo, um GRENÁ. Fomos rebaixados. E assim, o clube-empresa Desportiva Capixaba encerrou suas atividades, vindo a ser sucedido (após intensas e ainda não finalizadas batalhas judiciais) pela legítima e tradicional Desportiva Ferroviária em meados de 2011, após 1 ano inteiro sem futebol e de incertezas para os seus fiéis torcedores.
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3. A torcida
Como é de se esperar, a maior parte é formada por homens, MAS, também há muitas crianças e mulheres (e elas também gritam, e como gritam! - por falar nisso, minha mãe tá toda animada para ir ao estádio comigo qualquer dia desses, embora ela deteste ver futebol na TV). Há pessoas que parecem ir lá desde os tempos áureos do futebol capixaba. Há velhinhas apoiando o time. Casais. Velhos de muleta. Gente feia. Gente bonita. É interessante ver na torcida pessoas que você nunca imaginou que pudesse ver por lá, como ex-professores, servidores da Universidade etc.
A torcida é sempre muito exigente, seja com os atletas e treinadores, seja com os juízes. Ela quer o espetáculo de míseros R$ 10,00 (R$ 5,00 no meu caso). Mas tá sempre pronta para apoiar. É o estopim da bomba. É sempre interessante observar as reações: olhos vidrados; faces de incerteza e súplica; faces de fúria; bocas de incredulidade; bocas que sorriem ou balbuciam táticas; gestos para todos os lados. Muitas faces e reações por segundo.
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3.1. As organizadas

Eu pessoalmente não curto. Foi um dos meus traumas da minha 1ª vez: um grande tambor descompassado e um bando de moleques cantando gritos de provocação à torcida adversária. Moleques de costas para o campo, ignorando veementemente o jogo, preocupados apenas em provocar. Sensação do primeiro contato: não vieram para torcer. Senti um certo desconforto pela proximidade com eles, embora tenha percebido que as organizadas (mesmo as voltadas para briga) têm certo respeito pelo torcedor comum.

Com o tempo observei que nem todas as organizadas são como aquela que vi no primeiro jogo, pois há aquelas que são da paz e essas fazem um lindo espetáculo: cantam apoiando o time o jogo inteiro; tocam compassadamente o tambor; criam músicas que apoiam o time, mas que também gozam o adversário (sem chamar para a porrada) ou xingam o juiz; lançam papel higiênico e acendem sinalizadores na entrada do time em campo; aplaudem os jogadores. Essas conseguem até animar a torcida comum, que não goza da organização necessária para puxar cânticos, mas no máximo para aplaudir.

Por outro lado, há aquelas organizadas que sempre chegam após o início do jogo, que marcam brigas fora do campo, que criam emboscadas para pegar a torcida organizada rival, que têm no futebol apenas um motivo secundário para brigar. Cães de briga. Chega ao extremo de dia desses eu ver uns 30 moleques virem da Serra para o jogo em Cariacica e nem chegarem a entrar no estádio para assistir o jogo e apoiar o Serra. Motivo: chegaram cantando e provocando, querendo brigar, mas em menos de 3 minutos (juro) foram botados para correr pela torcida organizada rival que os esperava na porta do estádio após o início do jogo. Ou seja, andaram uns 50 minutos ou mais de ônibus para em 3 minutos (!) serem botados para correr, pegarem o ônibus e voltarem para a Serra... Faz sentido? Isso é torcedor?

Tenho que reconhecer uma questão: as organizadas são quem animam as arquibancadas. São quem comandam os cânticos da torcida. Podem tornar o espetáculo muito bonito, desde que venham de fato pra torcer. MAS, considerando que hoje, as torcidas organizadas que surgem parecem voltar-se mais para organizar brigas do que torcer, creio que elas devem ser impedidas de entrar nos estádios. Uma medida extrema que acaba punindo aquelas torcidas que vão para torcer, mas que serve para proteger o espetáculo contra marginais que querem apenas ter o futebol como pano de fundo para brigar.


4. A atmosfera
Os cientistas e os atores que me perdoem, mas perdem no estádio um ótimo laboratório humano; seja para estudo das sensações humanas ou para a criação de diferentes faces para personagens. A atmossfera de um estádio é apaixonante. Por algum motivo que não sei explicar, as pessoas conseguem extravazar uma energia muito forte assistindo a um jogo, seja bom ou ruim. São pessoas no estado in natura, não há essas superficialidades comportamentais que costumamos ver por aí. Parece haver uma ponte instantânea entre emoção e ação. As pessoas oscilam de humor umas 30 vezes dentro de 1 minuto! Raiva. Esperança. Felicidade. Desespero. Incerteza. Desânimo. Inconformismo. Humor. Incentivo. Tudo junto! Você percebe que se contaminou quando começa a sugerir jogadas aos jogadores quando os mesmos pegam na bola, quando começa a levantar a bunda da arquibancada quando o time chega próximo à grande área do adversário, quando começa a esbravejar contra jogadores que erram jogadas e contra os juízes. É estranho. Você xinga alto, faz gestos obscenos para o campo, grita, aplaude (mesmo lances feios), canta desafinado com a torcida, pede falta mesmo sabendo que não foi. Pura insanidade. Você põe tudo pra fora. Sei lá. As sensações ficam à flor da pele. Você sente e reage aos estímulos recebidos em tempo recorde. Eu tenho vergonha de gritar até mesmo para o motorista abrir a porta em um ônibus cheio, mas no meio daquele bando de desconhecidos do estádio eu me sinto à vontade para gritar a plenos pulmões. Por quê? Não sei. Ninguém parece se importar com as reações alheias, até porque todos parecem ser um só. Todos na mesma sintonia e vibração. Seja para incentivar, comemorar ou xingar. Todos respirando o ar da mesma atmosfera. Em menos de um minuto a incerteza e a raiva coletiva pela derrota pode transformar-se no orgasmo da vitória.
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5. O gol
O ápice da ida ao estádio. O momento em que aquele ar que todos prenderam enquanto a bola caminhava para a rede solta-se inesperadamente. É perceptível o sumiço do ar no momento que antecede o gol, parece que todos puxam para poder soltá-lo depois a pleno pulmões. O que se sente neste instante é maravilhoso. É como se por um instante fosse possível sentir o céu com a ponta dos dedos. O gol traz a sensação de poder. De que tudo pode ser diferente. Se a vitória era dúvida, torna-se certeza. Se o time jogava mal, renasce a esperança de vê-lo jogar bem. O feio torna-se belo. Acho que deve ser uma boa hora para pedir uma mulher em casamento (hahaha, principalmente se ela também estiver envolvida na emoção do jogo). E a festa? Só para se ter ideia, lembro de ter abraçado um desconhecido no gol da vitória contra o Rio Branco na campanha contra o rebaixamento.
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E se o gol for do advesário? Silêncio. Uma multidão de mudos. Centenas ou milhares de vozes em silêncio por uns 5 segundos Ouve-se até os sons da comemoração dos atletas dentro do campo. São segundos sepulcrais. É nessas horas que penso como deve ter sido engasturante um Maracanã mudo em 1950 após o 2º gol do Uruguai na final da Copa do Mundo. Muito estranho. É como morrer de olhos abertos. Parece que a respiração some e o coração não bate neste instante. Depois, pode ser que a torcida comece a apoiar o time ou a esbravejar contra um culpado, tudo de modo desarmônico, como uma manada de babuínos. É o momento crítico.

6. A esperança
O que me entristece é que o futebol em nosso estado é tão amador que muita gente que costumava vir ao estádio não mais o faz, assim como aqueles que nunca foram não têm a menor vontade de ir. Sempre que posso, convido amigos que nunca foram ou há tempos não vão. É preciso valorizar o que é da terra, senhores! Quando se fala em futebol, parecemos colônia do Rio de Janeiro. Só se fala em Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo... Ok, torço para um time de São Paulo, mas te juro que se meu time viesse aqui jogar contra a TIVA, eu iria ao jogo com a camisa da minha TIVA torcer por ela. Acima de tudo, sou capixaba, valorizo o que é da minha terra!
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Mas eu ainda tenho esperança, embora ainda veja coisas absurdas como uma arbitragem amadora como a que apitou o clássico entre TIVA e Rio Branco na tarde de hoje. Um espetáculo visto por tantas pessoas não poderia ter tido o juiz como protagonista. É como bem cantou a torcida grená: ("EEE TEM UM VIADO QUERENDO APARECER") hehe
O que ainda me faz acreditar é ver que embora haja um total descrédito e falta de apoio da imprensa e da iniciativa privada com nosso futebol, as pessoas ainda lembram que aqui se pratica o nobre esporte bretão. Ganhei o dia ao ouvir de uma garota (aquela para quem dediquei os poemas errantes deste blog) que ela conhece o nome de times daqui! Achei surreal, afinal, além de não parecer ser muito fã de futebol, ela mora nesse estado onde as pessoas praticamente não ouvem falar do futebol local. Sem dúvida, ainda há razões para ter esperança em relação ao nosso futebol. Em pleno sábado à tarde as arquibancadas estavam cheias de torcedores e torcedoras querendo ver o clássico local (que há cerca de 1 mês já reuniu 2.500 pessoas numa manhã de domingo)! As pessoas, como aquela garota, já ouviram falar num tal futebol capixaba, só precisam ser cativadas a conhecê-lo. Fiz um pouco da minha parte neste texto, mas reconheço que é preciso um esforço muito maior para sair desse poço de amadorismo. É preciso um esforço coletivo da iniciativa privada e da pública. Quem sabe um dia a minha história do Santo Graal soe como uma lenda em nosso futebol...

Domingo, eu vou ao Araripe
Vou torcer pro time que sou fã,
Vou levar foguetes e bandeira
Não vai ser de brincadeira,
Ele vai ser campeão

Não quero cadeira numerada,
Vou ficar na arquibancada
Prá sentir mais emoção

Porque meu time bota pra ferver,
E o nome dele são vocês que vão dizer
Porque meu time bota pra ferver,
E o nome dele são vocês que vão dizer
(ô, ô, ô ) Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô TIVA! Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô TIVA!

sábado, 13 de agosto de 2011

Smell

É o cheiro. Dizem que ele está por toda parte. Quem tem nariz, cheire.

Cheiro de podridão. O cheiro civilizado da Europa me dá náuseas. É cheiro de excremento. O cheiro das veias abertas da América Latina cheias de bosta. O cheiro do sangue ralo das crianças africanas derramado. No fim, se você balançar direitinho a taça de vinho ainda dá pra sentir um pouco do cheiro da pólvora. Cheire.

Cheiro de ferrugem. Ideias velhas para trazer o novo. Cheiro dos dentes podres do cão que ladra e não morde. Cérebros cheios de ideias vazias. Marx tem mau hálito e barba cheirando à marofa. Aroma de silêncio em meio aos gritos. Cheire.

Cheiro de gente. À venda por alguns xelins ou vendida sem olhar os dentes. Por toda a parte. É o cheiro da liberdade do Novo Mundo. Buenos aires trazem o cheiro amadeirado de sangue com plata. Cheiro de hipocrisia com falso moralismo e... deixe eu adivinhar... corrupção! Que delícia! Cheire.

Enquanto isso, contorno a Sainte Devote em direção à Mirabeau sentindo o leve frescor da Riviera Francesa dissipando o cheiro da gasolina do meu V8. É um cheiro frutado de juros e dividendos misturado com cabernet sauvignon. Se você cheirar bem dá pra sentir um aroma silvestre de carne humana em pratos africanos de fome. Bon Appetit. Cheire.

Cheiro de fumaça. O futuro está nas pontas dos charutos. Cheiro de tarde vazia cheia de balas e doenças. Cheiro de corpos ao chão. Os urubus esperam sem pressa a refeição da tarde caminhar nua em meio a ossos e moscas. O tempo não pára. Aroma de morte. Smells like Somalia. Cheire.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6Dmf0gpYXxIdZrLPS19BV0VKto2qeuBeJp2PzU9g483VB7xeCfLAXaXdSVRoxxBisuuKx2GNCfAjPiGEvtgO29Ag7RcxU8HKFCC41TbtCNO3IsN2KtWGWVVqEGzfbJVv9juZwTEklHOk/s1600/criancas%2520na%2520somalia.jpghttps://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSRT5sRCxGXxprjdurHYIQGc8oOaJcbU2zk7koh0Ih0xH3AM7Bq-6HWsSycdtePirUZLwmjxuP_zfs9xQI1713lKcWYrD-w-fCH9VZ7Tqr46KFDkZOypgCvUvW6Dlv72I7FWYd3PoZcqs/s400/urubu+e+crian%C3%A7a.bmp

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Às crianças somalis que todos os dias deixam vidas que nunca começaram.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Homem de meia moral

Não é uma história de ficção.
[01:28 A.M.]

Há algumas poucas horas, enquanto voltava de um aniversário infantil juntamente com minha mãe, vivenciei uma cena inusitada. Enquanto vinhamos rompendo as ruas semi-desertas do Centro de Vila Velha por volta das 22 horas, fomos abordados por um jovem com um cigarro aceso em uma das mãos e calmamente paramos para ouvi-lo sem saber ao certo o que nos esperava. Ele devia ter uns 25 anos, era moreno claro, usava roupas simples, mas não cheirava mal.

- Casal, vocês podem me dá um minuto de atenção? Não sou ladrão; tô indo de São Paulo pra Recife; tô dormindo na pracinha, mas roubaram minhas coisas e minha coberta. Vou ser sincero com vocês: Não tô com fome. Eu quero beber uma cachaça. Vocês têm umas moedas para eu comprar uma garrafa de cachaça?
- Pô, cara. Infelizmente não tenho nada. - respondi
- Tranquilo. Valeu, casal.

De fato eu não tinha nenhum centavo, provável que minha mãe até tivesse algum, mas ela não falou nada. Por um instante eu tive muita vontade de dar dinheiro para ele comprar a cachaça dele. Ok, eu sei... Eu sei que ele ia gastar meu dinheiro com bebida, mas nesse contexto em que vivemos, no qual a sinceridade e a honestidade parecem nada valer, tive vontade de recompensá-lo; recompensar a sinceridade dele com uma garrafa de pinga, afinal, muita gente na situação dele mentiria pedindo uns trocados para comer algo ou até mesmo nos assaltaria por umas moedas. Sei que não devemos agir com honestidade e sinceridade à espera de algo em troca, mas nessa sociedade fudida em que ninguém valoriza bons valores como esses, ser sincero com segundas intenções é um desvio moral pequeno diante de tanta gente agindo com desonestidade por aí. Senti que deveria recompensar a sinceridade do meu amigo desconhecido, afinal, são cada vez mais escassas pessoas assim; quis incentivá-lo a manter sua meia retidão diante de tanta gente corrupta e desonesta.

Faz quase uma semana que não vivo em paz; que não tomo um banho sossegado em meu banheiro; que subo todos os dias no telhado para ver o quanto ainda resta de água nas caixas d'água do prédio; que preciso economizar água até na descarga do vaso sanitário; que preciso tomar banho com os pés numa banheira pra economizar água; que preciso andar com baldes dentro de casa; que preciso segurar a vontade de mijar e de cagar; que preciso sair da intimidade da minha casa para tomar um banho na casa dos outros; que preciso sair às ruas com um banho mal tomado e com os dentes mal escovados. Nesse período com problemas de abastecimento de água, sinto que perco um pouco da minha dignidade e da minha moral em cada gota de água que me falta; sinto que perco um pouco da minha disposição em peitar o mundo podre que está lá fora. Um homem de meia dignidade e de meia moral se cala diante do errado e até incentiva o moralmente duvidoso. De que me valeu pagar todas as contas de água em dia, com honestidade, se nem água para as necessidades mínimas posso ter? Se nem a garantia de que usam meu dinheiro honestamente para a boa manutenção da nossa trintenária rede de abastecimento de água eu tenho? Enquanto eu, que pago em dia a conta de água, pego um balde de água na cozinha para dar descarga, economizar a água da caixa d'água do banheiro e tomar um banho meia-boca depois, em algum lugar um corrupto bebe um Johnnie Walker com meu dinheiro. Melhor então dar umas moedas para o cara sincero beber uma pinga e dormir bem.

Eu sei que o álcool é uma droga e que ele mata um pouco o meu amigo a cada dia. Eu devo acelerar esse processo? Em condições normais eu diria que não, mas hoje, com um pouco menos de minha dignidade e de moral, entendo que sim; entendo que devo abreviar um pouco o sofrimento do homem sincero que vaga pelas ruas semi-desertas do Centro de Vila Velha às 22 horas. Melhor que ele morra logo a ter que perder um pouco de sua sinceridade e de sua dignidade a cada dia. Que ele ao menos morra com um pingo e uma pinga de dignidade.

domingo, 10 de julho de 2011

Cultura de Paz

Pois é, gordinho... Este blog realmente anda meio estranho ultimamente.

http://veja.abril.com.br/historia/crise-dos-misseis/_img/imagens_edicao/brasil-janio-quadros.jpg

Antes de começar esta postagem, pensei um pouco sobre o que me movia a escrevê-la: seria inveja? Dor de cotovelos? Se fosse, eu nem escreveria. Mas pensando bem concluí que não são essas as minhas motivações.

Dizem que o homem contemporâneo (ocidental) é sedentário e tende à obesidade, tendo em vista sua má alimentação, o stress e a pressa de seu cotidiano, bem como as facilidades tecnológicas e blá blá blá. Diante disso, soa bem ouvir que alguém entrou na academia, não soa? Soa como algo do tipo: "Que bom! Fulano agora está fazendo exercícios; cuidando de sua saúde."

Mas será que as pessoas que buscam uma academia estão mais preocupadas em melhorar a qualidade de vida ou em melhorar a estética? É claro que ambos objetivos podem andar juntos, até porque ambos são resultados naturais da prática de exercícios. No entanto, creio que é temeroso quando o único resultado pretendido pelas pessoas seja a melhora da estética ou quando o primeiro objetivo perseguido seja a estética e depois a qualidade de vida. Aonde quero chegar? Indo direto ao ponto: por que a moçada anda malhando tanto?

http://www.situado.net/fotos/2009/07/qual-a-idade-certa-para-comecar-a-malhar.jpg

Sinto que a maioria dos jovens que malham nem pensam em melhoria da saúde quando entram em uma academia, até porque nós (jovens) não temos (em geral) tantos problemas com taxas quanto os mais velhos, nem temos, como eles têm, um cotidiano tão cheio de ocupações que nos impessam de fazer qualquer atividade física ou de nos alimentarmos bem. Os membros não doem, a flexibilidade é quase perfeita, tudo parece estar no lugar e por aí vai. Enfim, estamos no auge da saúde física! Mas ainda assim, alguns jovens pensam que vão morrer se não entrarem logo numa academia. E pergunto: por quê?

Aí entra mais uma das minhas divagações... Porque estão preocupados principalmente (ou apenas) com o aspecto estético. Os rapazes querem músculos que impressionem e as garotas querem uma silhueta atraente. Vou focar meu discurso apenas nos rapazes, afinal, desse universo eu entendo bem por ser homem.

Mais músculos. Por quê? Para alguns, ter muitos músculos é bom porque as garotas parecem gostar de homens fortes (talvez seja até algo genético, algo ligado a um senso das fêmeas de buscar um macho que as dê proteção), e, para outros, são bons porque intimidam os outros caras. Ou seja, ter muitos músculos parece dar uma sensação de poder: poder de atrair o sexo oposto e poder de luta contra os demais do seu gênero. Me perdoem, mas são ideias que me soam muito pré-históricas; me soam como: "poder de escolher as mulheres que quiser e de as puxar pelos cabelos, e, força para brigar com os outros machos e não morrer". Não parecem serem essas as preocupações centrais da vida de um homem pré-histórico? A reprodução e o poder de brigar pela caça? Senhores, de alguma forma estamos regressando à pré-história.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrbVrTZdAay4dk6OifLsnR_RFSLpZPXmkLYRz1eERYIRSVCrLvN2SlsEE5KGEzBcg-6IhQzdeJqYHBp6lk2BreZAzuFWPs1jRqnt7O7TJi0X2TnC73u9OXeXDhPcXek2UaVFukBJ0HV60/s1600/caveman.jpg

Será que o volume dos músculos de um homem eram tão relevantes em sua vida na época dos nossos pais? Será que nossos pais eram preocupados em ter músculos fortes para conseguir fazer as coisas da vida? Ou era apenas para seduzir as mulheres? A sensação que tenho (nada científica) é a de que por evolução a tendência do homem seja evoluir cada vez mais para um corpo com pouca tendência a desenvolver os músculos. Por quê? Porque o mundo nos exige cada vez menos força para fazer as coisas. Tudo é feito para exigir pouca força do homem: seja trabalhando nas lavouras; seja ao volante de um carro; seja numa indústria; seja fazendo rotinas domésticas. Há máquinas para tudo; tudo é feito para ser leve, macio, requerer o mínimo possível de força. Se é assim, para quem acredita em evolução, parece que o destino é o atrofiamento dos músculos. Essa é a minha conclusão nada científica e sem qualquer embasamento técnico.

Nesse contexto, a meu ver, queremos músculos salientes por motivos fúteis: para desfilar com eles por aí; não porque ser forte é uma necessidade e nos facilite tanto as atividades da vida. Eu, por exemplo, tenho uns 1,77 m de altura e uns 63 Kg (sou magro), tenho músculos pouco salientes e não sinto muitas dificuldades na vida. Dá para viver normalmente. Ah, é claro que eu não sou um garanhão, mas tirando o lado da preferência feminina eu vivo normalmente como qualquer marombado.

Tirando de lado o objetivo "seduzir as garotas", a moçada está "se armando" para o quê? Está em busca de mais força para fazer o quê? Para abrir todos os frascos de vidro que lhe aparecerem pela frente? Para guiar cavalos xucros? Para trabalhar na lavoura e carregar uns sacos de café nas costas? Acho que não, né? Pra quê então músculos tão firmes? Ora pois! É para intimidar e brigar com os demais machos. É para cair no braço sem medo. Sabe o que é isso? Cultura de conflito; de guerra. Uma cultura individualista na qual cada um "se arma" até os dentes para quando se sentir ameaçado defender seus interesses no braço. Conversar para quê? Apesar de ser o poder de diálogo uma das características que dão racionalidade à raça humana, parece que nossos jovens marombados querem ser irracionais, salvagens. "Ah, Don Quasímodo. Você está sendo muito radical." Será mesmo? Olhe para o perfil dos caras que vão malhar. Converse com eles e pergunte o que buscam malhando. Pergunte se é saúde a preocupação principal. Por que os lutadores de UFC estão cada vez mais populares. Por que essas lutas dão tanta audiência? Quem não quer ver os gladiadores do século XXI numa gaiola se batendo até um deles ficar bem destruído? Quem não comentou o chute que o Anderson Silva deu na cara do Vitor Belfort? Chute na cara é legal, né? Ah tá, estou exagerando... Desculpe.

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De alguma forma estamos voltando a ter uma cultura na qual os corpos necessitam ser atléticos. Não basta ser saudável, tem que ser atlético. Os gregos cultuavam os corpos atléticos em razão da cultura de guerra na qual viviam; em razão do contexto de constantes guerras da época. E nós? Não precisamos guerrear usando nossos corpos, né? Em regra não, mas isso está mudando agora, pois estamos recriando uma cultura de guerra (que remonta à pré-história em alguns momentos). Precisamos estarmos prontos para brigar, independente do motivo. E o pior, brigar tem se tornado um prazer para muitos. O prazer de bater.

Cultuamos os corpos atléticos. Buscamos corpos bonitos e não necessariamente saudáveis. Entendeu? Hoje, corpos atléticos não são necessariamente corpos saudáveis. Entendeu o tamanho do problema? Ser saudável não é o principal; precisamos ser atléticos, termos músculos que impressionem, ainda que não saibamos ao certo porquê. Anabolizantes servem para quê? Ah tá... O negócio é ter músculos salientes, custe o que custar. O problema é que na falta de utilidade prática para tantos músculos temos regressado à pré-história...

Apesar de não ter muito a ver com a temática central, recomendo o filme "Clube da luta".

E aí? Pareceu dor de cotovelos de um cara sem músculos salientes?

sábado, 2 de julho de 2011

[JUBILEU] Xepa

Ele estava em uma semana decisiva em sua vida, mas ainda assim queria encontrar tempo para presenteá-la, o problema era que ele não sabia o que fazer, ou melhor, como fazer. Antes de tudo, precisava encontrá-la, o que não seria nada fácil. Procurou, fuçou, revirou, mas não achou. É... Não tinha muito a se fazer. Apesar disso, sabe como é, né? As vontades têm vida própria e vêm e vão quando bem entendem.

Então, ao fim de mais um incomum dia frio naquela cidade litorânea, sentou-se todo agasalhado à mesa, pegou uma xícara do café requentado do dia anterior e começou a matutar o que poderia fazer para presenteá-la. No frio da madrugada, enquanto o vento travava uma feroz luta contra o vidro das janelas, lá estava ele fazendo fluxogramas, gráficos, mapas... Pensou em chamá-la pra sair: quem sabe uma caminhada na praia ao entardecer? Ou então uma ida ao cinema? Quiçá uma ida ao estádio? Calculou as probabilidades. Poucas. E esbarrou, mais uma vez, na dificuldade em encontrá-la...

Os primeiros raios de sol já viam dançando pelos céus, quando, enfim, Eureka! Chegou a uma ideia após meter a mão nos bolsos do casaco e encontrar alguns Cruzados e duas moedas de centavos de Real. Decidiu presenteá-la com palavras.

Levantou-se rapidamente da mesa. Pegou as chaves sobre o sofá. Desceu os quatro andares de escadas e saiu correndo pelas ruas às 5:30 da manhã. E corria; e como corria! Encarava o vento frio das ruas ainda desertas com o peito. Ia pegando todas as palavras que via nas calçadas, nos letreiros, nos prédios, nos outdoors. Ia correndo sem destino. Correndo. Livre pelas ruas, caçando a liberdade das palavras.

Ao fim de 30 minutos, já havia feito a xepa. Já havia pegado todas as palavras que viu pelas ruas. Palavras simples, sem sofisticação, algumas até erradas. Chegou em casa com a adrenalina à flor da pele e sem esboçar qualquer cansaço, apesar da noite em claro e da caçada enlouquecida pelas ruas. Jogou as palavras todas sobre o papel. E começou.

Foram dias assim. Escrevendo. Escrevendo. Escrevendo. Juntando. Separando. Não dormia. Não sentia fome, nem sede. Alimentava-se das palavras e elas lhe bastavam. Era preciso comemorar o jubileu que se aproximava, preparar uma homenagem para ela. Só pensava nisso e em mais nada. E assim fez. Foram 6 dias assim. Um texto para cada dia. Até chegar a esse aqui. Ele sabia que ela não iria receber a homenagem, mas ainda assim quis fazer uma singela e silenciosa homenagem ao seu jubileu de zircão.

Terminado o último texto, ele pegou as palavras que ainda tinham sobrado e as jogou pela janela, para que voassem. Voassem. Voassem. Voassem. E chegassem ao mais longe que pudessem.

Talvez algum dia ela descobra a homenagem, mas isso não é o mais importante.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

[JUBILEU] Fio de voz

Não tenho voz,
Mas preciso lhe dizer.
Eu tento gritar
E você finge não entender.

Preciso de voz
Ou de um megafone;
Talvez de um viva voz
Ou quem sabe do seu telefone.

Alô,
Tem alguém aí?
Consegue me ouvir?
Tu tu tu tu...

Se eu tivesse apenas um fio de voz
Eu virava o jogo;
Eu ganhava a eleição,
Eu tornava tudo novo.

O que sai é apenas uma voz entalada,
Embargada,
Sem força,
Sem nada.

Quero apenas um fio,
Ainda que fino.
Com ele teço uma conversa
E te trago ao meu mundo.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

[JUBILEU] O Texano e o Quadrado

Duelo.
Dois mundos num só.
De um lado o Texano
De outro um qualquer.

Rosa de tão branco
De cabelos loiros rebeldes ao vento
Com ar de relaxado
Posa de bem humorado.

De outro lado o comum.
A cor misturada
A atmosfera cerrada
Brilho nenhum.

O mundo do Texano é um mundo green
Onde tudo é sempre blue
Sem reais preocupações na vida
Tudo é azul.

De outro lado o bobo
Suas preocupações com o mundo
A prosa agressiva
O não poder perder nenhum segundo.

Mas é isso aê!
Diversidade é assim:
Um lúcido na madrugada
Outro bebendo umas geladas...

Vivas ao Texano!
À poesia!
Ao mundo de vidro!
À hipocrisia!

terça-feira, 28 de junho de 2011

[JUBILEU] Arc de Triomphe

E lá se vai mais um pedaço:
Uma parte que fica,
Uma parte que vai.
E parece que tudo ficou pra trás.

O ar de dever cumprido
A sensação de ir ao extremo
O silêncio da satisfação
A leveza da liberdade.

O corpo que dança estático
Os batimentos ao som da adrenalina
A coragem à flor da pele
O grito da transpiração.
Superação.

The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

segunda-feira, 27 de junho de 2011

[JUBILEU] Não vai subir ninguém!

É preciso ir.
Ainda que ficando.
Então diga ao povo que fico,
Ainda que andando.

Sendo vou estando,
Vou andando ficando,
Vou indo sendo,
Vou estando andando.
Vou.

Pra onde soul?
Dois pra cá.
Quem vou?
Dois pra lá.

Quer saber?
Isto é tudo fuleragem!
Larga mão de ser besta!
Vai indo ficando
E acaba com essa viadagem.

Cansei!
Este negócio de ir ficando
É puro problema verbal.
No fim, quem vai sempre fica,
Quem fica sempre vai.

À garota de nariz torto

domingo, 15 de maio de 2011

[FILÉ COM FRITAS] Estamos aí

[FILÉ]

Há muito tempo tenho me perguntado por que será que temos medos e somos inseguros? A conclusão a que cheguei foi, em linhas gerais, que temos medos e insegurança porque não sabemos de onde viemos e nem para onde vamos. Concluí que essa seria a base de todo o caos, a razão que antecederia todas as demais. É claro que algum "peito de aço" que por aqui passe pode se manifestar no sentido de que "eu não tenho medo de nada" ou de que "sou sempre um cara seguro de meus atos e escolhas". Mas eu questiono: será mesmo? Você nunca se questionou antes de tomar uma decisão? Ou então, você nunca se arrependeu de uma escolha feita? Esses dois momentos, ainda que sutis, já representam uma insegurança, ou não?

Enfim, a minha opinião é a de que todos somos inseguros (alguns mais, outros menos) e temos medos (desde os mais mesquinhos e individualistas até os mais genéricos). E qual a razão central? Ou seja, qual é a razão de todos os medos e insegurança? A incerteza acerca de onde viemos e para onde vamos. Explico.

Você pode me dizer que sabe de onde veio, afinal, tem sobrenome (logo, uma linhagem familiar) e veio da barriga de su mama. Mas analisando você, como Ser Humano, você é capaz de dizer com certeza por que existe ou por que o mundo existe? Vamos abrir um parênteses. Se você crê em uma entidade criadora do Universo com propósitos que só ela conhece, mas que você talvez imagine quais sejam, você se sente mais seguro quanto ao seu passado, sente certa firmeza no chão em que pisa. Se você crê no Big Bang como origem de tudo, você também tem certa segurança quanto à sua origem. Ou seja, seja pela fé ou pela ciência, temos um pouco de certeza sobre de onde viemos, ou melhor, um pouco menos de incerteza. Mas por outro lado, isso não resolve muita coisa, porque surge outra questão: por que eu estou aqui? Qual a minha finalidade? Aí o chão fica mole de novo. Enfim, as pessoas evitam se perguntar coisas desse tipo, porque acendem tantas dúvidas que tudo o mais passa a se tornar sem sentido.

Dessa forma, uma conclusão que já destaco é a de que o passado não contribui tanto quanto o futuro para as nossas inseguranças e medos, afinal, evitamos mexer muito com o passado para sempre termos algo no que pisar. Mas ainda assim contribui, pois sempre que vamos "cavucando" demais nossas origens como Ser Humano vamos perdendo um pouco da nossa segurança. Melhor então acharmos que sabemos de onde viemos, ainda que seja com base em verdades que abraçamos com todas as nossas forças.

"O bicho pega" mesmo é quando pensamos no "pra onde vamos?". Alguém deve ter pensado logo: "Ué, vamos morrer!". Concordo, vamos morrer. Mas o que é a morte? (Agora fudeu). Abro um novo parênteses. Ainda que tenhamos convicções religiosas sobre o que acontece após a morte e sobre o que ela pode ser, ainda assim tais conclusões se baseiam em verdades que abraçamos, mais uma vez, diga-se de passagem. Mesmo tendo como certeza ao olhar para frente a existência da morte, a questão é: o que vai acontecer até chegarmos lá? Não sabemos nem quando ela vai chegar... É muita incerteza junta! Dá pra surtar ou até pirar. É como se estivéssemos num túnel onde se olharmos para trás vemos um foco de luz ao fundo e se olharmos para frente não há luz, só trevas. É isso que dá medo e insegurança (na minha opinião): ter pouca certeza sobre de onde veio e menos ainda sobre para onde vai. Caminhamos em direção ao escuro sem saber o que pode acontecer. Isso não gera medos e inseguranças?

E o mundo nos cobra escolhas, nos cobra um constante andar para frente em direção à escuridão. Cada um acaba se virando como pode para conseguir caminhar no breu, sendo que basta um grito de alguém no túnel e tudo aquilo que construímos com um ar de certeza e solidez balança e, às vezes, cai. Por quê? Medo do escuro. Precisamos ir construindo nossas vidas sobre bases aparentemente sólidas para irmos ganhando confiança no túnel, o problema é que, como já dizia Marx (segundo o Google), tudo o que é sólido se desmancha no ar. Somos todos inseguros e medrosos que buscam solidez nas coisas para avançar na vida.

Pensando assim, por exemplo: o ladrão e o corrupto roubam porque são inseguros (como todos) e buscam na riqueza a segurança (solidez) para avançar no túnel; eu rezo porque a fé me dá solidez para avançar; você busca em sua família, em seus amigos, em sua namorada (ou seu namorado) segurança para ir à frente. E assim por diante.

Desde que nascemos temos medo, isso é normal da condição humana; há os que temem a morte, a miséria, a fome, a solidão... Comecei com esses pensamentos sobre os medos e inseguranças de cada um vendo um diálogo da peça "Auto da Compadecida" (de Ariano Suassuna - segundo o google) na forma de filme. Na parte final da peça/filme os personagens principais estão todos mortos (exceto Chicó) e sendo julgados por Jesus (Manuel) e pelo Diabo (Encourado), nesse instante João Grilo pede que Nossa Senhora (A Compadecida) interceda por ele e pelos demais. Segue o diálogo:

_____________________________________________________________

A COMPADECIDA
Intercedo por esses pobres que não têm ninguém por eles, meu filho. Não os condene.
MANUEL
Que é que eu posso fazer? Esse aí era um bispo avarento, simoníaco, político...
174
A COMPADECIDA
Mas isso é a única coisa que se pode dizer contra ele. E era trabalhador, cumpria suas obrigações nessa parte. Era de nosso lado e quem não é contra nós é por nós.
MANUEL
O padre e o sacristão...
Gesto de desânimo.
A COMPADECIDA
É verdade que não eram dos melhores, mas você precisa levar em conta a língua do mundo e o modo de acusar do diabo. O bispo trabalhava e por isso era chamado de político e de mero administrador. Já com esses dois a acusação é pelo outro lado. É verdade que eles praticaram atos vergonhosos, mas é preciso levar em conta a pobre e triste condição do homem. A carne implica todas essas coisas turvas e mesquinhas. Quase tudo o que eles faziam era por medo. Eu conheço isso, porque convivi com os homens: começam com medo, coitados, e terminam por fazer o que não presta, quase sem querer. É medo.
ENCOURADO
Medo? Medo de quê?
BISPO
Ah, senhor, de muitas coisas. Medo da morte...
175
PADRE
Medo do sofrimento...
SACRISTÃO
Medo da fome...
PADEIRO
Medo da solidão. Perdoei minha mulher na hora da morte, porque a amava e porque sempre tive um medo terrível da solidão.
MANUEL
E é a mim que vocês vêm dizer isso, a mim que morri abandonado até por meu pai!
A COMPADECIDA
Era preciso e eu estava a seu lado. Mas não se esqueça da noite no jardim, do medo por que você teve de passar, pobre homem, feito de carne e de sangue, como qualquer outro e, como qualquer outro também, abandonado diante da morte e do sofrimento.
(grifo nosso)
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Enfim, senhores, nossa existência tem fundamentos muito frágeis, somos pequenos diante da complexidade do Universo. É natural que tenhamos medos e incertezas em nossas vidas, afinal, não sabemos nem mesmo para onde caminhamos. Como poderíamos ser seguros e não ter medos numa situação dessas? É preciso se apegar em algo, seja na religião, seja na riqueza, seja nas pessoas... Ou então, melhor nem pensar nessa incerteza cruel quanto ao nosso futuro, afinal, às vezes mascarar incertezas dá coragem para seguir, ainda que seja apenas temporariamente.
Portanto, nesse contexto de tantos medos e inseguranças por não sabermos de onde viemos e para onde vamos, o melhor a se fazer é se apegar no que dá segurança. Por isso, creio que nunca devemos esquecer nossas "origens", de onde imediatamente e superficialmente viemos (nosso passado conhecido). Devemos sempre nos lembrar e respeitar nossa família, nossa origem social, nossos amigos de outrora. Essa é a nossa base "concreta", o nosso porto seguro, aquilo que compõe aquele chão (ainda que meio mole) no qual pisamos e do qual necessitamos para seguir. Isso é o que não se apaga, independente de para onde caminharmos e de quanto nos afastarmos de nossas "origens", isso pode ser aquela luz no início do túnel, porque de resto não sabemos para onde vamos. Apenas estamos aí, esperando sabe-se lá o quê para irmos embora para sabe-se lá onde. Apenas estamos aí...

* apesar do texto até certo ponto sem referenciais religiosos, saliento que tenho minhas convições e verdades religiosas acerca do assunto. Todavia, respeito quem não possui tais convicções e busca verdades em outros lugares, como na ciência, por exemplo.