sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Transeunte

Os dias passam e, na minha inocência de menino, ainda acho que hoje é terça-feira, em plena quinta-feira.

Não faz diferença se quinta ou terça. O cronograma não se segue e a vida prossegue. 

Ora às 9h-11h15-12h-19h30-1h ou às 7h15-8h-11h15-12h-19h30-2h. É só escolher. Como um vagão do metrô, cruzando sempre os mesmos trilhos com alguma variação de horário.

Uma vida asséptica, anestésica, vegetal. Sem grandes emoções, reações e paixões. A insensibilidade e a frieza são as maiores provas de decisão quando se quer aparentar força. Uma força desumanizadora, afastadora e isoladora. Uma encrenca que remete às polacas meninas da noite do final do século XIX. Encrenca. Galegas. Há uma praga no ilusionismo dos seios rosados.

Livre como um cachorro errante pela madrugada, vagando entre a o barulho da fome e o silêncio das lembranças. 

O coração de uma mulher é um oceano. Um primeiro beijo de novela, roubado sob a benção dos desvalidos, em meio a um beijo de despedida acompanhado de um inocente "vê se não some". Desmanchou-se no ar. Sumiu para nunca mais.

Nem todos os lábios têm fome. Nem todos os dias têm sorte. E a sorte do dia é que não há mais encanto no Facebook. Uma fuga para não mais ver. Até o mendigo do thirteen sabe em sua loucura que o que os olhos não veem o coração não sente.

Se o bicho pega, o pau canta na rua. Se o ócio traz lembranças, é preciso rasgar-se, morrer de trabalhar. Colocar sem tirar. Um harakiri de exaustão para que o corpo possa engolir a mente e os músculos possam ser mais importantes do que a inteligência.

Soldado sem emoção vai à guerra sem ambição. Luta por obrigação. Mata sem contestação. Morre sem preocupação. Piloto automático.

Passada a frustração, resta a resignação e a vegetação.

Sabe-se lá, oh Deus, o que disso sairá. Talvez a concretização de objetivos sem sentido e a entrega de resultados relevantes. É fácil dar frutos aos outros. Frutos muito bons, inclusive. 

Difícil mesmo é matar a verdadeira fome que habita em nós mesmos. Aquela invisível aos votos de  feliz ano novo.

Nenhum comentário: