sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

[FILÉ COM FRITAS] Fé na bala

[FILÉ]

*Dedicado ao meu amigo Tobs, para quem as postagens deste blog tornaram-se chatas e sem poder de entretenimento...


- Mãeeeeeeeeee, o filé queimou!

Não imaginava que eu demoraria tanto tempo para, enfim, oferecer a vocês o filé que prometi (implicitamente) na postagem "Anedota da vida real", há mais de 1 mês. Tá meio queimado por ter ficado muito tempo no forno, mas foi feito com carinho, espero que gostem...

Depois de todo mundo já ter falado sobre Tropa de Elite 2, acho que chegou a minha vez. Era a última 6ª feira de outubro e eu não precisava ir ao estágio. No cinema: Tropa de Elite 2, lançado há menos de um mês por essas bandas. Infelizmente eu não tinha ninguém para me acompanhar no cinema, afinal, todo mundo já havia visto ou então tinha algo para fazer naquela 6ª feira à tarde. Mas quer saber? Pensei: "Ir sozinho ao cinema não deve ser tão ruim. Deve, inclusive, ter suas vantagens." Fui.

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Eu estava tão empolgado antes do filme que parecia até que eu havia ganhado os ingressos de graça para vê-lo. Em geral eu não curto violência, incluindo nesse rol aqueles UFC's da vida (no máximo eu assisto uma luta de boxe). Mas eu sou sádico por violência nos filmes nacionais (detesto os filmes violentos enlatados, digo, americanos, ou de artes marciais), adoro aquele porradeiro repleto de palavrão falado em bom português, parece até que eu desconto minha violência assistindo-os (na falta de um joão-bobo serve...).

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Com Tropa de Elite 1 não foi diferente. A violência me seduziu do início ao fim. Apesar disso, eu gostei muito da mensagem, do enredo, do roteiro (sei lá como os críticos de cinema chamam isso). Eu enxerguei o Tropa de Elite 1 mais ou menos assim: "Temos um problema no Rio e a solução é a violência, é meter bala nos vagabundos, é subir no morro e aterrorizar. É fé na bala!" Ou seja, no primeiro filme a solução do problema era simples demais, era até confortante, afinal, a solução parecia ser subir com um grupo do BOPE em cada favela tomada pelo tráfico e atropelar tudo e todos (na verdade a expressão "tomada de favela" não é adequeada, pois só se toma o que antes pertencia a alguém, mas as favelas nunca pertenceram ao Estado, afinal, ele nunca subiu o morro com saúde, educação, saneamento, ele só subiu com polícia - para prender e matar -, portanto, as favelas não foram tomadas do Estado pelo tráfico pelo simples fato de que elas nunca foram do Estado, logo, elas podem ser, no máximo, conquistadas - não reconquistadas - por ele).

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E estás a valer. Começa a minha sessão solitária. Eu só queria mais um filme nacional cheio de palavrão e violência (assim como a maioria dos brasileiros que foram ver a continução do Tropa de Elite 1). Eu sabia que provavelmente o 2 não repetiria a violência extrema do 1, por isso eu esperava um filme mais "cabeça", o que poderia colocar todo o roteiro a perder e fazer do filme um grande fiasco para a maioria daqueles milhões que foram ao cinema atrás de violência e de humor sádico (ou você acha que esse filme deu tanta bilheteria porque as pessoas queriam ver um filme "cabeça"? O povo queria violência gratuita, que nem no 1º). Enfim, eu sabia que o 2º não seria tão violento, mas ainda assim eu queria ver algumas cenas memoráveis de socos e palavrões (acho que eu queria mesmo era ver uma partida de rúgbi) para esquecer dos meus pensamentos deprimentes e pessimistas acerca da violência urbana e do narcotráfico. Eu queria ser inundado por aquela fantasiosa fé na bala estampada no Tropa de Elite 1.

E o que eu vi? Polícia corrupta. Política aliada com o narcotráfico. O Estado que reprime também é o Estado que protege o ilícito. Milícias. Morte aos homens de boa vontade. Legislativo sujo. Os interesses escusos da imprensa. Sujeira, merda, caca, fezes, por todo lado. Caos.

Ou seja, o filme que deveria me anestesiar para essa realidade, me levar ao fabuloso mundo de Bambuluá através da violência gratuita, fez sangrar ainda mais as minhas concepções acerca da violência urbana e do narcotráfico. No Tropa 2 o BOPE vira uma máquina de guerra e não soluciona o problema do narcotráfico e da violência urbana? Por quê? Era essa a pergunta que eu não gostaria de me fazer, pois a resposta eu já sabia e o filme fez questão de esfregar na minha cara. Me senti, como estudante das leis, uma peça do sistema corrupto mostrado pelo filme. Me senti desânimado com o Direito. Me senti, mais uma vez, sem força para mudar o mundo. Me lembrei do que dizia um professor meu no 1º semestre de Direito: "Leis são como salsichas; você não sabe como ambas são feitas e é melhor que seja assim".

O filme me fez relembrar o mundo fora daquele cinema vazio. Não deixou soluções anestesiantes para o problema da violência urbana e do narcotráfico como o Tropa de Elite 1. Na verdade, não deixou soluções, ao contrário do 1º, no qual a solução era só meter bala. O filme acabou e eu sentia o peito e a mente pesados. Os olhos pareciam querer marejar. Minhas pernas pesavam ao sair do cinema. Nesse momento descobri que não se deve ver filmes assim sozinho, principalmente no cinema. Detestei o filme pela sinceridade. Eu fui em busca de soluções mentirosas para os problemas sociais que atormentam minha cabeça, e o que achei? Um filme muito real pro meu gosto. Por isso, saí tonto, mas resignado: "Não saio daqui sem sentir um pouco do gosto mentiroso de nossa sociedade!". Fui direto para o McDonald's (o que não fazia há muito tempo) e comi um delicioso Big Mac! Esqueci do mundo lá fora por longos minutos naquele picles, naquele queijo...


(coisa linda do papai...)

Espero que o filme tenha servido ao menos para mostrar aos que foram em busca de violência gratuita (repito, estimo que muita gente) que temos um grande problema social e que esse problema não se resume a fé na bala. Se bem que do jeito que eles são é capaz de terem pensado assim: "Que bom que isso é só no Rio..."

Cerca de um mês após meu "Mc Dia Infeliz" no shopping (em razão do filme), voltei a ter fé na bala (aquela mesma fé anestesiante de antes). Viram que lindo os tanques de guerra no Complexo de favelas do Alemão? Viram como no fim a solução é a violência? Viram como é simples? Viram como a violência da polícia é a solução? A imprensa fortaleceu bastante essa ideia no último mês e parece que muita gente embarcou (esperançoso) nessa, incluindo muitos daqueles que assistiram Tropa de Elite 2. Viram como esse infeliz filme estava errado e o Tropa de Elite 1 estava certo? A solução é meter bala! Né!? Diz que sim, diz...

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Recomendo uma leitura sobre o tema, uma só: Uma guerra pela regeografização do Rio de Janeiro. Entrevista especial com José Cláudio Alves

Um abraço!
Partiu!

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