sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Saudade dos humanos

- Bora escrever?
- Só se for agora. Topa?
- Então vamos.

Dia desses me bateu uma saudade estranha. Eu senti saudade dos humanos. Não é estranho sentir isso? Peguei-me procurando-os ao meu redor e parecia que a realidade em que eu estava (e ainda estou) era muito frágil e temporária para haver humanos nela. Eu via corpos, ditos humanos, em todos os cantos, mas sei lá, eles não pareciam humanos, faltava algo neles.

Desde esse dia passei a reparar que as pessoas estão se desumanizando. Ou melhor, o mundo está se desumanizando. De alguma forma, estamos nos substituindo no dia-a-dia. Tudo está muito virtual, muito artificial, muito frágil.

Estamos desde os tempos mais remotos criando e tentando criar engenhocas e técnicas capazes de facilitar as nossas vidas, o que é ótimo. Esse poder criativo é algo admirável na humanidade, mas por outro lado, parece que já estamos criando demais, estamos tentando deixar tudo muito perfeito na vida cotidiana, estamos tentando eliminar todas as dificuldades que podemos ter em nossas vidas; resumindo: estamos criando muitas facilidades e sem perceber estamos ficando um pouco mais mortos (mais sedentários, pouco sociáveis e até certo ponto, menos criativos).

Estamos nos acostumando com tudo muito perfeito e artificial. Estamos nos acostumando, cada vez mais, com as máquinas trabalhando e até pensando por nós. Os robôs estão cada vez mais inteligentes, capazes de fazer desde atividades complexas e demoradas até as mais corriqueiras da existência humana, como dar abraços.

Olhe em volta: máquinas que pensam como e pelos humanos; robôs que estão sendo criados para agir como pessoas de verdade e interagir com elas; comida elaborada em fábrica e pronta para ser consumida após ser posta por alguns segundos no microondas; conversas virtuais; escrita digital; música eletrônica; sexo virtual; máquinas fotográficas e softwares capazes de eliminar qualquer IMPERFEIÇÃO da REALIDADE; chips de identificação...

Eu tenho medo disso tudo. A palavra é essa mesmo: MEDO. Não sei onde iremos parar com tanta modernidade. Estamos deixando aos poucos todas as funções e informações humanas para as máquinas. Estamos deixando, sem perceber, nossas vidas ao abrir mão de pequenos encargos do dia-a-dia. Ok, pode parecer coisa de ficção científica, mas eu sinto um desconforto imenso quando vejo aqueles nerds orientais criando robôs "humanos": robôs que abraçam (sem sentir o afeto humano), que imitam sentir dor, que dançam, que fazem funções domésticas... É preciso pôr um limite nessas inovações científicas enquanto ainda há tempo (o que pode soar algo sem sentido e até certo ponto ditatorial).

Assim está demais. Já estamos criando sem objetivo. É muita criatividade sendo usado com facilidades supérfluas. E o pior é que há problemas reais a serem resolvidos: catástrofes climáticas; doenças; fome...

Estamos abrindo mão de pequenos problemas humanos, problemas que de alguma forma só existem porque somos humanos. Deixar que as máquinas resolvam por nós é, de alguma forma, humanizá-las e deixarmos um pouco de sermos humanos. A questão toda é essa. Sem limites nas criações científicas, creio que em menos de 100 anos não teremos mais o que fazer e não precisaremos mais interagir com outros humanos se não quisermos, logo, teremos perdido o que entendo ser algo da essência do ser humano: a vida em sociedade e as relações interpessoais.

Exagero? Pessimismo? Pensamento retrógrado? Sei não... O ser mais sociável existente neste globo que chamamos de Terra anda pouco sociável. Anda sem muito "saco" para necessitar dos seus semelhantes. A convivência social mostra-se cada vez mais insustentável para alguns, por variados motivos (alguns bem egoístas por sinal).

Estamos nos maquinificando demais. Estamos muito artificais; pouco naturais. Estamos aparentando demais e sendo de menos, ou seja, estamos mais preocupados em aparentar do que em ser efetivamente. Estamos cada vez mais vazios de existência. Estamos muito acelerados e sem querer perder tempo com pequenas coisas que, querendo ou não, nos tornam mais humanos. Estamos em busca da perfeição, sendo que ser humano é ser naturalmente imperfeito. Estamos construindo uma realidade e uma existência frágil, capaz de se desmanchar no ar em meio ao ritmo acelerado que temos imprimido a nós mesmos. Temos deixado muitas coisas importantes passarem em nossas vidas sem nos atentarmos; temos valorizado o frágil ao invés do sólido.

Tenho apenas 20 anos, logo, não vivi muito, apesar disso já sinto saudade dos humanos.

Naquele dia em que me bateu aquela saudade que narrei no 1º parágrafo perguntei para uma máquina bem humanizada, dessas que encontramos ao montes por aí:

- Cadê os humanos que estavam aqui?
- Viraram máquinas. - respondeu-me ela, humanamente, diante da minha cara de órfão.

Aí me bateu saudade.

Percebi que sinto falta das pessoas reais. Sinto falta das pessoas de carne; das pessoas que não se preocupam em se maquinizar para ser, porque elas já são pelo simples fato de existirem como ser humano. Sinto falta das expressões faciais voluntárias; das pessoas que envelhecem; das pessoas que têm rugas e que não se envergonham delas por saber que as mesmas representam uma vida repleta de experiências. Sinto falta das pessoas com cicatrizes. Sinto falta das mulheres que não são de plástico, silicone ou de papel (mulheres de revista). Sinto falta do gosto da comida humana feita manualmente. Sinto falta de escrever no papel. Sinto falta das pessoas que se sujam e até se machucam tentando dar um jeito para consertar suas próprias coisas. Sinto falta das cartas aos invés dos e-mails. Sinto falta dos livros ao invés das "xerox". Sinto falta de fazer força para fazer algumas coisas funcionarem. Sinto falta de perder tempo com afazeres realizados por máquinas. Sinto falta do MANUAL ao invés do AUTOMÁTICO. Sinto falta até de alguns problemas humanos.

Sei lá, tive saudade de ser humano, de fazer coisas de humano, de ter problemas de humano, de ter carne, de se socializar com humanos de verdade.

Máquinas ainda dão "tilt" (pelo menos nesse estágio da história), por isso pergunto: até quando vamos suportar virarmos máquinas sem darmos "tilt"?

Eu acho que acabei de dar "tilt" e precisarei ser reiniciado.


http://www.dorlingkindersley-uk.co.uk/static/clipart/uk/dk/medieval/image_medieval005.jpg


Mas que saudade...