quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Justo

Hoje, em meio a um momento de melancolia, me peguei pensando sobre o sentido do que seria justo.

Dizia um professor meu, daqueles arrogantes de bochechas rosadas, que justo são os sutiãs, pois oprimem os grandes e levantam os caídos... Coisa tosca. Até isto a gente tem que ouvir em uma universidade pública... Mas enfim, não é dessa gente que venho lhes dizer.

O que é justo, meu Deus? Assistindo ao noticiário, estava vendo o semi-desfecho da história de um cara de classe média alta que num surto, sob efeito de drogas, agrediu violentamente a faxineira de seu prédio, deixando-a com várias sequelas físicas e psicológicas após mais de 1 ano do fato.

Não pude deixar de pensar no quanto eu sou um cretino quando digo que estou sempre nos lugares certos, mas nas horas erradas. Cara, esta mulher deu um azar do caralho. Sabe?! Encontrou um louco em um momento de loucura e ele praticamente acabou com a vida dela. E a Justiça dos homens, o que disse? Disse que ele continua preso e será levado a Júri Popular. E o que vai acontecer? Ele vai ser punido, penso eu, de modo exemplar com uns bons anos de prisão. Mas e a faxineira espancada até quase a morte? Fazem 2 meses que ela começou a receber um auxílio-doença do INSS, após uns 10 meses tendo que depender de uma filha para sobreviver. Ah, mas ela vai ganhar, após uns bons anos de espera, uma indenização gorda no processo que deu entrada na Justiça Cível. Então está "tudo certo"; cada um terá o que lhe cabe por Justiça...

O que é justo, meu Deus? Por um momento, pensei no que passa na cabeça desta faxineira. Será que foi capaz de perdoá-lo de verdade e só quer mesmo que ele fique preso e lhe indenize? Ou será que ela só teria paz e sentimento de Justiça caso soubesse que ele foi morto?

Veja. A medida do que é justo é muito subjetiva. A Justiça dos homens aplica trocentas leis para tentar reger o mundo de forma que ele aparente ser justo e que as pessoas possam ter paz. Mas, por diversos fatores, é só uma falsa sensação de paz.

Em uma sociedade cada vez mais individualista, justo é o que eu acho ser justo. Cada um quer medir as coisas com sua própria régua de Justiça: "Eu matei porque ele mereceu morrer"; "Eu não vou pagar NADA porque o serviço não está do jeito que eu quero"; "Eu quero terminar com você porque você não é como eu queria que fosse."...

Somos injustos quando queremos fazer a nossa Justiça. 

Às vezes, somos injustos com nós mesmos. Não nos achamos dignos de vivenciar algo, de receber algum reconhecimento/elogio, de amar ou de ser amado por alguém e por aí vai. E esta, talvez, seja uma das maiores injustiças. Porque quando assim agimos, boicotamos a nós mesmos e, algumas vezes, também as pessoas que estão ao nosso redor. Boicotamos as oportunidades que a vida, gratuitamente, nos oferece. E quando dizemos "não" a uma oportunidade, às vezes impedimos que pessoas também possam usufruir desta oportunidade ou dos reflexos dela junto conosco. Quando somos injustos com nós mesmos pensando que estamos sendo justos e exercitando nossa maturidade e senso crítico, às vezes também somos injustos com os outros. 

Me refiro a muitas coisas. Por exemplo: quem nega uma boa proposta de emprego por insegurança, medo de não ser capaz, às vezes nega a si e a sua família uma oportunidade de uma vida melhor; quem nega a oportunidade de viajar com os amigos porque acha que não consegue dar conta de tudo o que tem que fazer até a viagem, nega a si e a eles momentos inesquecíveis juntos; quem nega o amor de uma pessoa por não saber se é capaz de corresponder a tamanho afeto, às vezes nega a si e ao outro a oportunidade de viver um amor que pode ser o "amor de toda a vida"; quem nega a um estranho um pedido de ajuda por medo de ser roubado, às vezes nega ao outro um auxílio no momento mais crítico da vida.

Veja. Todas essas negativas são escolhas que fazemos com a sensação de que são justas, afinal, sentir-se inseguro aparenta quase sempre ser um motivo justo para não fazer algo. Mas esta escolha justa, no entanto, acaba, muitas vezes, sendo injusta com nós mesmos e com os outros. Óbvio que existem medos justificáveis e que se confirmam, mas quando damos somente voz aos nossos medos, eles sempre aparentam conduzir à decisão justa, mesmo àquelas que não são.

No fim, a vida é um constante andar dentro de um túnel escuro no qual a única certeza é que há uma luz em seu final. Caminhamos todos, inseguros, em direção a essa luz. No caminho, para ganhar coragem de seguir, nos apegamos a coisas que achamos que trazem segurança para seguir (família,  dinheiro, religião, afeto...). Algumas vezes, enquanto caminhamos, percebemos que algumas dessas coisas não trazem a segurança que esperamos delas e ficamos inseguros em meio às incertezas deste grande túnel escuro. Sentimos medo. Ouvimos outras pessoas gritando de medo e outras dizendo que não adianta seguirmos porque o túnel escuro não tem fim. Desanimamos. Desacreditamos. Sucumbimos às decisões medrosas que parecem ser as mais seguras e justas. Nos isolamos por medo de não saber se estamos pegando na mão de pessoas confiáveis em meio à escuridão. E este isolamento, muitas vezes, nos faz bater cabeça por longo tempo perdidos dentro do túnel. Somos injustos com nós mesmos por não confiarmos nas pessoas e, ao negarmos nossas mãos, muitas vezes deixamos que os outros também fiquem perdidos sozinhos, como nós, tentando chegar ao fim do túnel. E assim, alguns, após longo isolamento, viram bicho, perdem a humanidade, tornam-se frios e insensíveis, perdendo até mesmo a capacidade de ver a luz.

No fim, para quem acredita, só Deus sabe onde está a justiça de nossas decisões. Só Ele sabe o que o grande túnel escuro ainda nos reserva pela frente. Mas somos dotados da capacidade de vencer, de superar cada pequena batalha diária (aquelas que só nós vemos e sabemos quais são). Fomos feitos à imagem e semelhança do Criador, logo, temos força transformadora, somos capazes de transformar e vencer o que nos cerca. Deus, como ser onisciente, sabe que não somos justos como Ele em nossas decisões, pois somos seres falhos. Então, talvez por isso, o que ele realmente espera de nós é que não decidamos guiados pela segurança dos nossos medos, mas que tenhamos coragem: coragem de seguir em meio às incertezas do túnel; coragem de arriscar diante das oportunidades; coragem de ajudar, se propor, viver e amar. Porque quando agimos com coragem, buscamos força, e quando buscamos força, buscamos a Deus e, assim, somos capazes de ser instrumentos de sua Justiça e de sua vontade em nossas vidas e nas das outras pessoas.

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