segunda-feira, 7 de julho de 2014

História na carne

É preciso ter cicatrizes.

Sim. Digo cicatrizes no sentido real da palavra; de marca de rasgado na pele.
Pessoas com cicatrizes sabem o que é viver intensamente o inesperado. Sabem o que é sentir e guardar literalmente na carne um momento vivido.

As cicatrizes ensinam.

Quem tem cicatrizes tem histórias para contar. Histórias de dor, de aventura, de tristeza ou até de loucura.
Quem tem cicatrizes conhece a impotência de ser surpreendido sem estar pronto para (re)agir.
Quem tem cicatrizes sabe o que é ser imperfeito.
Quem tem cicatrizes sabe até onde pode ir um momento de traquinagem, irresponsabilidade (própria ou alheia) ou irracionalidade.
Quem tem cicatrizes conhece consequências.
Quem tem cicatrizes sabe o que é ter que viver com algo indesejado.

As cicatrizes nos lembram que a vida é feita de batalhas. Nos lembram que viver pode ser perigoso e que estamos a todo o tempo expostos a riscos. Elas nos tornam um pouco menos vaidosos fisicamente, com menos pudor; mais flexíveis em aceitar as coisas da vida.

Minha primeira cicatriz de destaque foi adquirida aos 07 anos de idade; após um momento de molecagem na escola. Um corte na face; lembrança de 05 pontos levados. Na época, eu perguntava à minha mãe se quando eu crescesse a marca ia desaparecer da minha pele. De alguma forma, aquele marca que só eu tinha me incomodava, pois me fazia diferente; e tudo o que não se quer aos 07 anos de idade é ser diferente dos amigos.

Fui crescendo a acumulando mais marcas e desencanando dessa neura com as cicatrizes. Fui percebendo que elas são parte da minha história, assim como as 27 estrelas de nossa bandeira nacional. Não há graça em uma vida sem marcas; registros.

Morrer sem cicatrizes, deve ser como morrer sem ter corrido riscos, ou seja, morrer sem ter vivido. Ou então (isso me veio à cabeça neste exato momento), pode ser um símbolo de vitória; algo como conseguir sair ileso de uma corrida maluca na qual praticamente todos se machucam.

Para mim, a primeira opção faz mais sentido.

Prefiro os heróis que saem do campo de batalha com marcas da vitória conquistada, e não aqueles que vencem ilesos. Por quê? Porque pra mim, ter cicatrizes é um símbolo de humanidade, de imperfeição. Adquirir cicatrizes, no meu sentir, é expor a todos sua condição humana, de "gente como a gente", que sofre, luta, e, de algum jeito, vence.

Me sinto, de alguma forma, mais à vontade com alguém que, como eu, carrega um rasgado na cara. "É gente de carne", penso eu de maneira meio inconsciente.

De certa forma, agradeço a Deus por ter vivido cada cicatriz que carrego em minha pele. Agradeço pela oportunidade de expor a todos a minha imperfeição, a minha fragilidade como homem.

2 comentários:

Paula Ceotto disse...

Gostei deste. Eu ri da corrida maluca, porque de fato tenho uma cicatriz que adquiri em uma, literalmente. Mas fui a única pessoa que se machucou. Por outro lado, tenho quase certeza que vencemos a corrida. Qualquer dia desses te conto como foi essa maluquice.

Don Quasímodo disse...

Essa sua história me parece meio maluca mesmo. Pelo menos você venceu! hahaha
É aquilo que escrevi no texto, vencer com marcas da "batalha" é mais heroico =P