sexta-feira, 31 de maio de 2013

Maldita sea la intolerancia

Século XXI...

Dizem que representa uma Era de Liberdade e Tolerância, na qual, a grosso modo, cada um pode ser aquilo que quiser e todos os demais são obrigados a tolerar.

Isso parece ser bom. Mas pra quem? 
Ora, pois! É bom para todos! Não?!
Não. É bom para todos, menos alguns.

Historicamente, minorias são alvo de toda forma de discriminação e precisam lutar muito mais do que as maiorias para poder gozar dos mesmos direitos. Hoje, felizmente, vemos um Brasil no qual cada vez mais as minorias têm voz, direito de se expressarem. Isso é bom? Não. isso é ótimo! O problema, a meu ver, é outro. A estranha sensação que tenho é a de que algumas minorias, quando conquistam voz, passam a fazer com maiorias aquilo que elas historicamente sofreram e lutaram contra. Trocando em miúdos, aqueles que antes lutavam por tolerância passam a agir com intolerância.

Sou católico e me sinto extremamente incomodado com a forma com que os evangélicos foram execrados nos últimos meses por causa do Pastor Feliciano e daquelas que seriam suas supostas ideias homofóbicas. É verdade que esse senhor fez algumas declarações infelizes? Sim. Mas, na minha opinião, isso não justifica a forma preconceituosa com que pessoas adeptas de outras religiões ou de nenhuma religião passaram a tratar os evangélicos, como se todos compartilhassem das mesmas visões de mundo do aludido pastor.

Fizeram com os evangélicos o que há alguns anos fizeram com os comunistas durante a ditadura brasileira. Só faltaram dizer que evangélicos comiam criancinhas (acho que não falaram isso porque preferem dizer que isso é coisa de padre católico). Sinceramente, o que alguns membros da minoria gay e adeptos de religiões não evangélicas fizeram com essas pessoas me soou tão intolerante quanto as ideias rotuladas de intolerantes do Feliciano.

É preciso que não se confundam as coisas: ideologia religiosa é diferente de discriminação.

Quero dizer o seguinte: eu posso, por questão de ideologia religiosa ser contra o casamento gay, mas não ser um cara preconceituoso. Esse é exatamente o meu caso. Vejamos: sou católico e, com fulcro nas ideias que sigo da minha igreja, não devo apoiar o casamento de pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, como jurista, não vejo porque em um Estado laico e plural como o nosso esse tipo de casamento ser proibido. Em suma, no exercício de minha profissão jurídica e em respeito ao espírito igualitário de nossa Constituição Federal devo lutar pelo direito dos gays, sem preconceitos, não obstante eu tenha convicções pessoais contrárias a esse tipo de casamento. Ou seja, tendo em vista a liberdade de crença que me é assegurada pelo art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, tenho o DIREITO de ser contra o casamento gay por opção religiosa. Por outro lado, tendo em vista o caput do mesmo art. 5º da Constituição (para quem não é da área jurídica, o caput é a primeira frase que está do lado do art. 5º no link que eu coloquei, ou seja, antes do inciso I), eu tenho o DEVER de lutar por leis que assegurem a todos um tratamento igualitário. É meu dever como cidadão brasileiro.

Assim sendo, posso ser contra o casamento gay por convicção religiosa, mas não tenho o direito de discriminar quem seja gay (aliás, além de ser contra a lei, também seria contra a Bíblia eu discriminar alguém por ser gay. Pra quem não conhece a Bíblia, tem um trecho bem assim: "Deus não faz distinção de pessoas" Rm 2,11). Tenho o dever de tolerar a liberdade sexual, assim como quem não é católico tem o dever de tolerar a minha liberdade de crença religiosa. A senha do dia é: TOLERÂNCIA.

 Infelizmente, no entanto, a liberdade religiosa tem sido alvo de ataques ferrenhos nos últimos tempos. Se tornou quase que sinônimo de falta de inteligência seguir uma religião. Os evangélicos em especial são vistos como acéfalos por existir quem siga pastores como o Waldomiro ou o Feliciano. Se tornou "pecado" ter religião. É como se os evangélicos fossem os responsáveis pelo atraso das leis brasileiras por causa da bancada evangélica em Brasília. Eu te garanto que se hoje tivesse um plebiscito sobre o casamento gay e sobre a legalização da maconha, por exemplo, não seriam os evangélicos os responsáveis pela vitória do NÃO. A verdade é que a MAIORIA nos meios de comunicação e nas redes sociais (ou seja, a MAIORIA que tem espaços midiáticos para voz) que defende a legalização da maconha, a liberdade sexual, o ateísmo, o desarmamento etc é MINORIA entre a população como um todo. Somos um país atrasado não por causa de uma suposta mentalidade religiosa acrítica e sem racionalidade da MAIORIA, como uma MINORIA que se julga "iluminada" tenta alardear de modo intolerante. O nosso atraso deriva de diversos fatores, reduzi-lo à religião é simplismo demais.

Voltando à intolerância, poucas coisas me soaram tão intolerantes nos últimos tempos quanto esta foto:
 
Duas mulheres se beijam durante uma visita de Feliciano a uma igreja evangélica em Belém Foto: Facebook / Reprodução
 clique na foto para ler sobre o fato
 Por quê? Porque essas duas garotas se beijaram durante um culto evangélico com o claro propósito de desafiar o pastor Feliciano que falava no palco. Pra mim, isso é um ato de intolerância religiosa, de intolerância com quem quer pensar diferente. Quer defender seu direito, utilize os espaços democráticos disponíveis para tanto, proteste na rua, entre na política, sei lá, só não viole um culto religioso, não seja intolerante.

Veja bem. Não estou apoiando as declarações de cunho racista ou homofóbico eventualmente feitas pelo pastor Feliciano, mas estou apoiando o direito que os adeptos da igreja dele têm de serem contrários ao comportamento homoafetivo. Ser contrário a algo e ser preconceituoso são coisas DIFERENTES. Como dizia Voltaire: "Discordo daquilo que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres."

É uma pena que estejam plantando em um país de tradição pacífica como o nosso a semente da intolerância religiosa. Não penso que possamos chegar a ter uma guerra religiosa, sobretudo porque nosso "problema" religioso não se confunde com questões de diferenças étnicas, mas temo pelo discurso intolerante de minorias que se defendem da intolerância atacando com a intolerância. A matemática é simples: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA + INTOLERÂNCIA SEXUAL = 2 INTOLERÂNCIAS

A luta das minorias deve sempre ser por tolerância e pelo respeito a seus direitos, e não pelo direito de serem intolerantes como as maiorias costumam ser.

Bendita sea la potencia de la tolerancia.

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