sábado, 6 de fevereiro de 2010

Papai, mete porrada neles!

Olá, senhor leitor persistente. Obrigado por não ter me largado após o último pensamento abstrato, por isso vou tentar te presentear com algo melhor hoje. O tema de hoje é... Não, eu não vou entregar tão fácil assim, vai ter que ler!

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Sábado passado eu fui daqui de Vila Velha para Viana de ônibus: uma das poucas viagens que faz você achar que pagar R$ 2,15 (se bem que eu como vagabundo para a sociedade, ops, estudante, só pago R$ 1, 075 de passagem) não é um assalto, mas um presente, dada a distância que é chegar lá. Tudo ia na mais pura normalidade, um 526 lotado num sábado à tarde. Mas uma gritaria INFERNAL no fundo, eram jovens vindos das praias de Vila Velha de volta para casa, em Cariacica ou Viana. Eles berravam, falavam obscenidades, trocavam socos de brincadeira, falavam besteiras e palavras que remetiam às drogas, como: "fulana só dá bola pro gerente, não gosta de vapor não" ou "fulana, vou comer na sua casa, a larica tá matando". Com todo respeito a você, mas eu tava cagando e andando para isso. Eles são só jovens (tal como eu, apesar de eu parecer ter 60 anos) voltando depois de um dia de praia; o que fazem de suas vidas não me diz respeito e não me interessa.

Estava bem chata aquela viagem em pé ouvindo gracinhas, mas nada que não desse pra suportar com boa vontade e compreensão. Mas o "caldo começou a engrossar" quando começaram a puxar a linha do "sinal" de brincadeira e o ônibus começou a parar para ninguém descer. O cobrador ficou cobrando explicações da turma do fundão. Como resposta ouvi: "Aí fulano, para de puxar a parada, senão vai tomar um 12, vamo respeitar o trabalho do cara". Até então só ouvi comentários soltos de pessoas insatisfeitas com a algazarra, mas nada dirigido diretamente à turma. Eis então que um valentão sai estrategicamente do fundo do ônibus, fica DO MEU LADO e grita: "Ô motorista, para o ônibus no posto da polícia que tem ali na frente e manda prender a galera do fundo!". Eu pensei: "Bosta, porque o cara vem falar isso do meu lado, daqui a pouco sobra pra mim de graça, logo pra mim, que não tô nem aí." Não, o ônibus não parou, a turma parou de puxar a linha, mas continuou falando besteira; o valentão ficou quieto e não deu em nada.

Que fezes, hein! Eu não falei nada digno até agora, né? Mas espere, vou chegar lá (acredito e espero).

Eu comecei a pensar durante a viagem, que por sinal é bem longa e permite fazer muitas filosofalavagens. Por que alguém clamou pela polícia? Não querendo ser o advogado do diabo, mas o que aqueles jovens fizeram de errado, além de serem mal-educados? O quê? Nem funk ouviam (hehehe). Só falavam besteiras, futilidades. Não ameaçaram ninguém, só falavam alto e coisas que assustam as pessoas comuns. Eles mesmos se policiaram a parar de puxar a cordinha se ameaçando mutuamente de dar 12, e resolveu! Para quê chamar a polícia? Para pegar os jovens pelas orelhas e descer a porrada? Era isso que o povão imaginava e talvez quisesse. Mas te pergunto: o que ia resolver em larga escala? Ah, a viagem ia seguir naquele silêncio habitual dos ônibus e que todos adoram. Mas o que ia mudar para a sociedade? N-A-D-A. Aqueles jovens não seriam educados com uma sessão de porrada da polícia. A polícia seria chamada para conter a falta de educação deles, para manter a ordem, talvez até os enquadrasse em algum artigo por pertubação da ordem pública (não sei se existe um artigo próprio disso, afinal, ainda estou aprendendo direito penal...).

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O que concluí, conforme eu já disse no texto " 'Livre,' mas sem luz para guiar-se", é que aqueles jovens não foram educados para viver em sociedade, respeitar o direito das outras 50 pessoas que pagaram pela passagem e que querem viajar em silêncio. Isso é culpa deles? Só deles não, provável que não tenham sido educados em casa, nem na igreja e muito menos na escola. Onde foram educados para respeitar o próximo? Onde? Aprenderam na lei das ruas, lá não há espaço para aprender essa boiolagem de respeito ao próximo, lá não se pensa, se age. Pra quê pensar em respeito? O negócio é viver, é agir, fazer e acontecer. Correr atrás de dinheiro, de poder, de mulher, de tênis da NIKE... Não há tempo pra pensar em moral. Repito, quem os educou? E quem quer perder tempo os educando? A moral das ruas é viver para você mesmo, dane-se a ignorância da juventude; você reparou que eu me lixei para zorra deles também, certo? Eu também me lixei para a educação deles, mas pelo menos eu não acreditei que a polícia ia educá-los.

Onde quero chegar? A culpa não é só deles, é minha, é sua, é de cada um. Nós não queremos educar ninguém para viver respeitando o próximo. Volta e meia nos deparamos com os ignorantes que nossa sociedade livre está produzindo, que nós estamos deixando ser produzidos, os ignorantes do século XXI, aqueles que não sabem como viver em um grupo que não seja o seu. Incomoda cruzar com eles, né? Sabe o que a gente faz? Vamos chamar o papai Estado e mandar ele sumir com esses mal-educados daqui, mandar ele descer a porrada, matar, esconder, enterrar, exilar, segregar na favela, sumir com eles daqui, não quero sentir que a culpa é minha, não quero assumir que o problema começa dentro da minha casa. Melhor fingir que isso não é problema meu, deixa o Estado educar na porrada! A porrada nos mal-educados tranquiliza a sociedade, dá a falsa sensação que vai educar e corrigir, fazer um papel que não soubemos fazer. Se porrada educasse alguém para a vida em sociedade... Ai ai...

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Só para esclarecer, chamar a polícia talvez fosse cabível no caso, mas seria uma solução provisória e limitada ao universo daquelas pessoas do ônibus, não traria pessoas educadas ao convívio social, apenas amenizaria a algazarra do ônibus, apenas ia ser útil a 50 pessoas, mas à nossa sociedade não. Eu posso ter viajado muito nesse texto, mas ainda acho que só precisamos educar melhor nossas crianças, para depois não ter que "apanhar" delas e querer chamar o papai Estado para descer o porrete nelas, enquanto, na verdade, tivemos um momento para educá-las, tivemos a nossa hora e deixamos escapar, por quê? Porque não queríamos educá-las...

2 comentários:

Paula Ceotto disse...

Sabe,vira e volta penso sobre isso, no quanto a população a cada dia clama mais pela polícia. Às vezes sorrio dessa cegueira passiva para não me irritar. Não é raro acharem que a responsabilidade é do outro. Mas mais polícia não resolve, como você mesmo explanou. Solução certeira e absoluta também não existe, senão essa situação não se estenderia a um problema de segurança pública. Isso dá muito discurso, ainda, e muito pano pra manga. E histórias de transcol, também.
Quanto essa questão de que "A moral das ruas é viver para você mesmo", penso em como isso pode levar às pessoas a serem mais intolerantes umas com as outras. Como se os limites fossem facilmente abalados. E isso me lembrou uma frase de Durkheim (que sempre levo comigo): "quanto menos limitados nos sentimos, tanto mais toda limitação nos será intolerável". Acho que é mais ou menos isso que nossa sociedade está se tornando.
Já falei demais, empolguei.Fico por aqui, desconfiando de que talvez eu saiba quem você seja.

Don Quasímodo disse...

Powah, por alguns instantes cogitei que eu tivesse feito uma grande tempestade em torno de uma história de transcol sem valor algum. Cogitei que eu estivesse divagando. Cogitei que esse seria mais um dos meus pensamentos ciclícos, afinal, volta e meia eu dou um jeito de falar sobre educação com outras palavras (parecendo o Cristovam Buarque). Falo, mais uma vez, de uma educação capaz de formar pessoas mais aptas para viver em grupo, mais aptas a respeitar o próximo e a valores mínimos necessários na vivência social. Após ler seu comentário, percebi que não sou o único que vê a realidade que descrevi, percebi que talvez alguns pensamentos não são tão abstratos quanto parecem. Isso deixa uma sensação confortante.