sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sim City

As rugas e a longa barba branca não escondiam que o tempo havia passado impiedosamente, mas o tempo não importava para ele. Ele possuía todo o tempo do mundo, apesar disso, em algum momento que ele não se lembrava mais quando foi, ele se cansara daquilo tudo e resolveu: terminei. Havia terminado. Estava ali, ao alcance dos seus olhos semi-cerrados e de suas mãos sujas, ainda que limpas.

Aquele momento era todo deles. Artista e criação. A mão esquerda ainda estava suja, mas isso não fazia a menor diferença naquele momento. Era só ele e ela. O adorável cheiro de coisa nova tomava conta do ar. Mas ainda não era o cheiro das fábricas chinesas que vem dentro das embalagens de plástico, até porque os chineses ainda nem existiam. Ele era a única fábrica, a sua própria fábrica. O mesmo vento que sacudia a sua longa barba e os fios compridos de cabelo que cobriam a sua cabeça também espalhava aquele cheiro original pelo ar. Ela estava ali. Diante dos seus olhos.

Foi tudo muito de repente. O suor que ele derramava enquanto criabalhava era a própria seiva da vida. Uma hora ele se deu conta de que não precisava de mais nada. Estava pronto. Simplesmente, pronto. Não havia ninguém com quem compartilhar aquele momento. Era só ele e ela. Ele estava nela e ela era ele de alguma forma. Mas por que mostrar? Por que ter alguém para mostrar? Quem é alguém? Ela existe! Isso bastava para ele. Ela simplesmente existe.

Depois de contemplar o trabalho feito ele resolveu que era hora de deixá-la só. Deixá-la ir (ainda que ficando) e se fazer. Se reconstruir. Laissez faire, laissez passer! Allez le bleus! E assim ele foi-se indo... indo... e acabou fondo...

Para dizer que não foi ingrato, interrompeu seus vagorosos passos e deu uma última olhada para trás, por cima dos ombros. Como aquilo tudo era lindo. Como era boa a sensação de ter feito, de ter acabado. Mas era preciso seguir. Era preciso ir, mesmo que deixando um pedaço de si para trás. Após a última olhadela com o canto mais no canto do olho esquerdo, ele não pôde deixar de balbuciar no canto mais no canto dos lábios:

"And I think to myself, what a wonderful world"

http://roundtheworld.webs.com/trevo_3_folhas_simbolo_da_irlanda.jpg

E se foi.

2 comentários:

Paula Ceotto disse...

Incrível!
I really loved this one.

Não importa em que língua seja, não há palavras, anyway.
"Sessabe"... *
:)


* Foi o que apareceu na minha verificação de palavras para este comentário.
Sim... muito louco.

Algumas coisas simplesmente são assim. E precisamos não apenas aceitar, mas curtir isso. Afinal, por mais que sejam compartilhadas, são coisas que se experiencia sozinho.

Don Quasímodo disse...

Sinto-me MUITO lisonjeado pelo comentário, principalmente, por ele vir de alguém que escreve também e tão bem! (tenho certeza de que não sou só eu que penso isso)

Adorei a espontaneidade do "sessabe"! Isto tudo é
muito divertido! Palavras, experimentações... Fico feliz por ter conseguido, de alguma forma, propiciar um momento tão legal.

Realmente, essas coisas precisam ser curtidas, ainda que, às vezes, possam parecer loucura.