quinta-feira, 8 de julho de 2010

Monólogo dialogado

Dia desses, há exatamente uma semana, estava eu, véspera de prova, às 19 horas, com mais de 150 páginas ainda por ler sobre direito de família e desesperado após apenas 2 dias de estudo (quero deixar um agradecimento aos cobradores e motoristas de ônibus por terem me deixado 1 dia inteiro em casa estudando) e algo próximo de apenas umas 100 páginas lidas. O drama era maior porque eu ainda me recuperava do estrago psicológico da prova de processo civil II de terça-feira, na qual só um resultado importava: 8,5. O que você faria nessa situação? Se mataria para tentar ler as 150 páginas antes do dia seguinte amanhecer, certo? Eu não. Envergonhado por ter ficado o dia inteiro sozinho em casa e não ter feito nenhum afazer doméstico, resolvi lavar aquela pilha de louça do dia anterior que havia me comprometido a lavar para a minha cansada mãe, que por sinal não havia chegado do trabalho ainda na 5ª feira. Pronto, te localizei na situação.

Geralmente gosto de lavar louças (o único afazer que curto, por sinal), gosto de ver o detergente deixando tudo novo, bonito outra vez, com uma simples lavada... Gosto de pensar na vida enquanto converso com minhas mãos molhadas. Mas nesse dia tinha mais alguém naquela cozinha tradicionalmente deserta. Um menino sentado com as pernas morenas dobradas. Parecia brincar com algo nas mãos. Engraçado, quem costuma sentar assim na cozinha, desde pequeno... sou eu! Ele sou eu! Eu lembro daquele guri pequeno, com aqueles cabelos crespos grandes enchendo o saco da mãe enquanto ela lavava a louça dos outros. Mas espera aí! Ele parece não me ver aqui. Para, cara, melhor parar de estudar por hoje, você já está delirando, melhor ir dormir e acordar às 3 da matina e reviver aquela velha tática de estudo desesperado na madrugada.

Ignoro-o, volto os olhos para os pratos. Que lindos estão ficando... Eis que:

- Por que você está com medo? - disse o garotinho moreno
- Eu? Medo!? Tô não. - disse eu
- D., eu sei quando você está com medo, te conheço há 20 anos, esqueceu?
- Então você sabe que eu também não consigo mentir bem? Certo?
- Sim, seu medroso. Também sei qual é o seu medo, o mesmo de sempre... Sem necessidade. Você sabe que vai dar certo, sempre dá! Relembre comigo: "1990. Mãe solteira. Esse menino não vai ter futuro. Quem pariu Mateus que se balance. Casa dos outros. Outra casa. Mais uma casa. Uma mulher que resolveu acreditar que sozinha seria capaz. Uma mulher trabalhando. Te alimentando escondido. Você crescendo. Mãe, posso pegar aquilo na geladeira? Ninguém vai brigar? Você estudando. Ouvindo, vendo humilhações. Sonhos. Ônibus cheio. Mãe, a gente precisa mesmo pegar esse ônibus? Sim, meu filho. Filho, levante que já são 5:30, toma seu leite e vai tomar banho pra irmos ao ponto. Ela trabalhando e apostando em você. E você? Focado. Boas notas. Abrindo mão de outras coisas em busca do sonho. Sonhos. CEFETES. Você está lá, deu certo. Uma fresta aberta e você se atirando com a certeza de alguém que salta em direção a uma janela aberta até o canto. Sonhos. Sufoco. Dificuldades. UFES, quem é essa? Direito? Mas você não quer fazer História? Ser professor? É o preço do sonho, se jogue. Meu neto, é importante passar nessa tal de UFES? Sua mãe quebra o joelho na semana da 2ª fase. Você sozinho em casa, se virando, e, estudando, estudando, estudando... Já se foi a Redação. Foi a História. Queima o dedo no dia da última prova do vestibular. Será que não vai dar para fazer bem a prova? Eu aposto que dá. Mil caírão ao teu lado, dez mil à tua direita, mas nada chegará à tua tenda. Deu. Você entrou. No seu 1º dia você não sabia nem onde era o CCJE. Mais um anônimo". Olhe para a sua vida atual, não está ótima? Mas foi fácil?

- Não, não foi. - disse eu segurando o choro (não lembro mais a última vez que tive tempo de chorar), mas não chorei.
- E alguém falou que seria? Por que vai desistir agora? Desacreditar agora? Há uma mulher que nesses 20 anos apostou todas as fichas dela em você. Seus vizinhos sentem orgulho de você só de te conhecer de vista, sem saber a sua história. Seus amigos apostam em você sem conhecer a sua história. Há mais de 50 pessoas que confiam no seu sucesso. Você tá com medinho agora? Vai deixar o 1º engravatado te intimidar com uma provinha. A vida foi mais cruel com você e nem por isso você desistiu. Termine essa porra e engula aquele livro. Você não vai desistir agora. Se quiser, não faça por você, mas faça por aquela mulher que conta com você, pelas pessoas que acreditam em você. Eles acreditam em você e eu também! Você vai vencer essa provinha mixuruca e na vida também!
- Queria ter a sua certeza. Eu não confio tanto. - disse eu ainda um pouco teimoso
- Você já fez muito, poderia parar por aqui, mas você sabe que ainda dá para ir mais à frente. Todo mundo sabe disso. Trabalhe em silêncio e confie no seu sucesso. Vai dar tudo certo, porra!

Eu continuava de costas lavando as louças enquanto conversávamos, então, quando ele silenciou resolvi olhar para trás novamente. Ele não estava mais lá.

Eu engoli a vontade de chorar, lavei aqueles pratos com a certeza de que seria capaz de quebrar um deles com a mão em razão da força de vontade que me tomou naquele momento. O velho D., que não desistia nunca estava de volta! O foco voltara. Lembrei do lema: Trabalha e Confia. Apenas confie, não é preciso temer, quem trabalha pelo que quer, consegue, cedo ou tarde. Não é fácil, mas se consegue quando se quer muito e se trabalha firme por isso. Eu saí da pia disposto a conseguir. Disposto a lutar. Lembrando de que o mais importante não é simplesmente vencer ou competir, mas competir e tentar vencer, acreditando que a vitória é possível.

Não li as 150 páginas inteiras. Não havia lido toda a matéria. Mas preferi dormir pelo menos 4 horas e meia para garantir uma certa paz mental às 7:20. Fiz a prova. Tava fácil para todo mundo. Aprovação certa. Veio 3ª feira, o resultado de uma outra prova (processo civil II) que me levaria para a final com certeza, eu tirara 5,5 na primeira prova e tinha certeza que não tinha conseguido os 8,5 de que precisava na segunda prova. Tava muito difícil, apesar de eu ter estudado loucamente por 1 semana e meia. Realmente não consegui os 8,5, consegui 8,6, ou seja, 0,1 pontos a mais. Passei. Êxtase puro. Alegria sincera. Uma semana para naão se esquecer! Recebi hoje pela manhã o comunicado extra-oficial de que meu artigo científico será publicado no livro que comemora os 80 anos do meu curso. Como assim? O meu artigo ficará registrado nessa história? O do menino que ninguém dava nada por ele em 1990? Sim, o artigo do garotinho moreno. Daquele que apenas brincava sentado no canto da cozinha enquanto a mãe lavava a louça suja dos outros. Eu ainda gosto de sentar na cozinha enquanto minha mãe lava louças (as nossas), com as pernas do mesmo jeitinho. Eu nunca deixei de ser aquele menino e ele sempre foi eu.

Não quero que soe autoajuda. Não quero que tenha piedade. Não quero que ache bonita a história. Não quero que ache que eu quis te impressionar. Não ache soberba. Não conto essas histórias nem mesmo para os meus amigos mais íntimos. Não quero nada. Apenas quero que acredite em si mesmo. Acredite que se você acreditar no que faz você pode vencer. Acredite na vida. Acredite no seu trabalho. Acredite nos seus sonhos. E por fim: as melhores histórias são aquelas da vida real!

2 comentários:

Paula Ceotto disse...

Adorei o real da sua história.

É o máximo que cabe em palavras, embora, à primeira vista, pareça não dizer muita coisa.
__________

P.S.: eu ri com a ideia de um garotinho xingando enfaticamente para alguém com 20 anos nas costas. Que bom que deu certo. :P

Don Quasímodo disse...

Parece que quanto mais eu prometo não tratar sobre essas temáticas, mais elas me atraem...

Em relação ao seu comentário, este que é o legal das palavras, elas podem despertar variadas sensações e são imperfeitas, dando margem para a imaginação quantificar a intensidade das coisas.

Quanto ao garotinho xingando enfaticamente, reitero que ele estava muito bravo comigo, sua voz fina soava com a força do grito das crianças, só não sei quem o ensinou a xingar, ele não era assim quando eu era ele de fato... haha