sábado, 27 de janeiro de 2018

Séptico

Das patologias humanas, me importa un carajo!

Gente estranha. Estranhíssima. Esquisita. Tipo 3F.

Taras, obsessões, compulsividades, desejos doentios. Segredos.

Vez ou outra aparecem cabeças cortadas por aí, órgãos dilacerados e corpos violados. Selvagens. Animais. Humanos.

É na intimidade da nudez que as almas se comunicam. É na intensidade do beijo que o desejo se revela. É na frieza do sentimento que o coração congela, como o vento da madrugada, que sopra o frio da solidão.

Um jogo. Uma caçada. Ludibriamento. Frustração.

É preciso ser safo. Saber compreender. Saber escapar e ter alguma diversão. Caso contrário, não passará de um depósito de merda, que se renova a cada nova decepção. Um saco de bosta.

Olhos de sereia. Hipnóticos. Fundos como um céu estrelado. Um céu dentro de outro céu. Parece um sonho. Como é lindo o brilho dos seus olhos. A cegueira estrelada esconde o beijo sem nada, fazendo-o parecer apaixonado. Não há nada além de corpos suados, cruzando as mãos em latidos de desejo.

Ao passar, não te resta nada. A sirena se vai. Mas os olhos permanecem. Leva consigo a mente aprisionada na profundidade dos olhos e no rosado dos seios. Ladra. Bonitinha, mas ordinária. Não volta mais. Nem ela e nem a paz.

Corpo febril. Noites ardendo, como malária. Delírios.

Das patologias humanas, eu sou mais um.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Transeunte

Os dias passam e, na minha inocência de menino, ainda acho que hoje é terça-feira, em plena quinta-feira.

Não faz diferença se quinta ou terça. O cronograma não se segue e a vida prossegue. 

Ora às 9h-11h15-12h-19h30-1h ou às 7h15-8h-11h15-12h-19h30-2h. É só escolher. Como um vagão do metrô, cruzando sempre os mesmos trilhos com alguma variação de horário.

Uma vida asséptica, anestésica, vegetal. Sem grandes emoções, reações e paixões. A insensibilidade e a frieza são as maiores provas de decisão quando se quer aparentar força. Uma força desumanizadora, afastadora e isoladora. Uma encrenca que remete às polacas meninas da noite do final do século XIX. Encrenca. Galegas. Há uma praga no ilusionismo dos seios rosados.

Livre como um cachorro errante pela madrugada, vagando entre a o barulho da fome e o silêncio das lembranças. 

O coração de uma mulher é um oceano. Um primeiro beijo de novela, roubado sob a benção dos desvalidos, em meio a um beijo de despedida acompanhado de um inocente "vê se não some". Desmanchou-se no ar. Sumiu para nunca mais.

Nem todos os lábios têm fome. Nem todos os dias têm sorte. E a sorte do dia é que não há mais encanto no Facebook. Uma fuga para não mais ver. Até o mendigo do thirteen sabe em sua loucura que o que os olhos não veem o coração não sente.

Se o bicho pega, o pau canta na rua. Se o ócio traz lembranças, é preciso rasgar-se, morrer de trabalhar. Colocar sem tirar. Um harakiri de exaustão para que o corpo possa engolir a mente e os músculos possam ser mais importantes do que a inteligência.

Soldado sem emoção vai à guerra sem ambição. Luta por obrigação. Mata sem contestação. Morre sem preocupação. Piloto automático.

Passada a frustração, resta a resignação e a vegetação.

Sabe-se lá, oh Deus, o que disso sairá. Talvez a concretização de objetivos sem sentido e a entrega de resultados relevantes. É fácil dar frutos aos outros. Frutos muito bons, inclusive. 

Difícil mesmo é matar a verdadeira fome que habita em nós mesmos. Aquela invisível aos votos de  feliz ano novo.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Vida ou morte!

Os mistérios da morte me fascinam. Talvez ela ainda seja uma das poucas coisas sem respostas concretas neste nosso mundo cada vez mais científico. Ou melhor, o que se sucede após a morte. Ninguém sabe ao certo, com certeza, o que se passa, afinal, ninguém jamais conseguiu submeter à prova empírica a morte e voltar para contar o que descobriu.

Mais uma postagem reflexiva sobre a morte, como tantas que já fiz. O que me traz à morte novamente é um acontecimento ruim, como nas homenagens a Dan Wheldon, Marco Simoncelli e Jules Bianchi; é mais um falecimento surpreendente.

Ontem, primeiro dia do ano, faleceu de infarto um jovem de 28 anos. Um jovem muito alegre, engraçado e de boa conversa. Fomos contemporâneos do curso de Direito na mesma universidade no final de meu curso e tivemos poucos contatos, a maioria deles em jogos de futsal entre o time do qual eu era goleiro e o "xadrez do mal" dos Canalhas (nome do time dele): o suficiente para viramos amigos de Facebook. Por certo que ele, em sua expansividade, foi quem me adicionou, apesar das poucas palavras trocadas entre a gente nas quadras e nos corredores da Universidade. Apesar da pouca vivência, a certeza de que era um cara gente boa demais e meio bon vivant. Torcedor do mesmo time que eu e morador de uma "quebrada" de Cariacica (certeza de boa amizade, nunca me decepcionam).

Então eis que, na tarde de ontem, vejo que o mais querido dos Canalhas faleceu, na plenitude de seus 28 anos. Muitas mensagens perplexas de amigos próximos a ele. Um infarto aos 28 anos. Uma morte muito precoce, mas tenho certeza de que este canalha aproveitou tudo que a vida lhe ofereceu de diversão em seus poucos anos de vida. Foi feliz e deve ter morrido em paz. Esta fatalidade me lembrou outro colega de universidade, que foi assassinado aos 25 anos de idade por um maluco, enquanto, no desempenho de seu trabalho, tentava entregar uma intimação judicial trabalhista. Outro jovem; um brilhante jovem, aliás. Igualmente muito gente boa. Um menino bom.

Os jovens e os seus sonhos também morrem, quando menos esperamos. A morte é assim, democrática, sendo que viver muito é mera pretensão e presunção à qual nos abraçamos para não fazermos a todo custo tudo o que queremos fazer, à qual nos agarramos para não aproveitarmos a vida como se não houvesse amanhã. Acreditar que temos muito tempo é mera expectativa, mera presunção, na qual acreditamos de modo, até certo ponto, arrogante, diante da imprevisibilidade da morte.

Dois jovens mortos precocemente e me pus a pensar. Se não eles, o morto fosse eu?

Me pus a pensar  em quem largaria os afazeres da corrida vida cotidiana para ir se despedir de mim. Acho que sou muito querido. Se eu falecesse hoje, jovem como sou, talvez muita gente comparecesse para se despedir de mim ou desejaria fazê-lo. E a depender da causa da morte, talvez mais gente ainda comparecesse. 

E será que teria algum sentimento afetivo que iria para o túmulo comigo sem jamais ter sido dito? Será que alguém teria sentimentos afetivos a me dizer e se arrependeria por nunca ter me dito em vida?

Vamos à primeira parte. Algo iria para o túmulo comigo? Depois de muito pensar, concluí que não. Todos os que amo (no sentido mais amplo possível de "amar") sabem disso; seja por meus atos, minhas palavras e, recentemente, pelos meus bilhetes escritos a mão e por meus abraços. Em 2017, enfim, aprendi a abraçar as pessoas com sentimento de verdade, a valorizar os abraços. Poucas coisas podem ser tão gostosas e verdadeiras como um abraço sincero. E os bilhetinhos escritos a mão? Vieram em 2017 para transmitir ainda mais verdade ao que sinto pelas pessoas que considero especiais, para elas sentirem na simplicidade e delicadeza de uma mensagem escrita a mão o quanto os verdadeiros sentimentos são coisas únicas, não substituíveis por mensagens padrões reproduzidas em letras mecanizadas.

E agora a segunda parte. Ah a segunda parte... Não tenho como responder, afinal, se eu morreria sem saber, por certo que eu, hoje, vivo, ainda não sei o que as pessoas escondem sem me dizer. Talvez muita coisa teria deixado de me ser dita em vida porque somos bobos e arrogantes em acreditar que temos tempo nesta vida... Tudo que importa deve ser dito, o quanto antes. Aprendi isto um pouco tarde, mas talvez, ainda cedo, nesta vida. Por anos guardei sentimentos. Perdi tempo. Hoje, tão logo que o posso, tomo coragem e falo. Ando meio cansado de fazer cena, esconder. Se é preciso sofrer, melhor que se sofra logo, enquanto o outro é vivo. Porque depois que ele se for, de nada adiantará os sentimentos guardados e o sofrimento será muito pior, pois será por algo que não se fez e pela incerteza de algo que jamais poderá ser vivido diante da morte do outro.

Precisamos falar, confessar e expressar. Enquanto há vida. Enquanto podemos receber o abraço e a resposta dos sentimentos do outro, ainda que seja um sofrido, ainda que libertador, desprezo. Pode ser frustrante na hora, pode ser triste, mas quando fazemos nossa parte, estamos livres com nós mesmos e com o outro, de modo que, eventual arrependimento post mortem não nos perturbará, pois temos a certeza que falamos, expressamos o que sentimos.

Também me pus a pensar sobre o amor de casal. Em parte ainda sob efeito do filme Amantes (Two Lovers). Sabe? Às vezes me pergunto se em algum momento realmente encontramos um amor arrebatador, que nos complete em cada detalhe. Às vezes tenho a sensação de que a maioria de nós acredita que vá aparecer um par ideal em algum momento e, movidos por essa crença, bem como pelo sentimento não "perder tempo" com as "pessoas erradas", vamos descartando ao longo do tempo as oportunidades de viver com outras pessoas aquilo que acreditamos que ainda não seja o verdadeiro amor. E o tempo vai passando... Passando... E somente depois de algum tempo (quando a vida nos permite chegar até lá), meio cansados e desacreditados, nos dispomos a viver um amor que talvez não seja aquele amor arrebatador, com contornos de ideal, que esperávamos. E, só aí, descobrimos que este amor pode ser o verdadeiro amor e que podemos ser muito felizes com quem não acreditávamos ser o par ideal.

Sabe? Às vezes acho que está tudo errado no nosso ideário. Talvez, não se encontre o verdadeiro amor em uma pessoa específica, como algo fulminante, arrebatador. Acredito que o amor verdadeiro pode ser construído ao lado de uma pessoa que não seja a tal pessoa "encantada", mas que esteja disponível em nossa vida e verdadeiramente disposta a construir algo especial ao nosso lado. Amor é sentimento e sentimento se constrói, dia após dia, não surge pronto. Não estou a defender as uniões arranjadas, forçadas ou negociadas, mas a defender que devemos acreditar mais na força dos sentimentos que podem ser construídos ao lado de quem sentimos algum nível de afeto (ainda que não seja um afeto arrebatador) e se dispõe a nos amar da melhor maneira possível.

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O filme Amantes (Two Lovers) deixa um pouco essa sensação. Ao fim da obra, nosso ideário tradicional, nos conduz a pensar que o personagem principal escolheu casar-se com a mulher que não ama intensamente, mas que o ama verdadeiramente, somente para esquecer a tristeza causada pelo "não" daquela que parecia ser o esperado "amor da sua vida". No faz prever que seu futuro casamento será fadado ao fracasso. Mas despindo-se um pouco desta ideia corrente, é possível pensar que, no fim, o personagem principal, ao dizer "sim" a quem talvez não fosse o esperado "amor de sua vida", talvez tenha feito a escolha de quem acredita que amor se constrói e de que a vida pode ser curta demais para ficar-se à espera de uma suposta pessoa ideal. Ele escolheu viver, se dispôs a construir o sentimento de amor ao lado de uma pessoa que o ama verdadeiramente, mesmo após ter sido abandonado pela mulher que acreditou ser o "amor da sua vida".

Esta é a minha interpretação. O filme não mostra o resultado desta escolha, dando margens para múltiplas interpretações sobre o que ela pode ter resultado no futuro. Mas se pensarmos bem, o filme também não mostra quanto tempo o personagem viveu após esta escolha. Percebe? Às vezes pensamos demais só nas escolhas e nos esquecemos do precário tempo que nos resta de vida. Sobre ele nada sabemos.

Talvez, a vida seja isto, nos darmos conta de que, no fim das contas, não somos eternos, podemos morrer na precocidade dos 25 ou 28 anos, sem termos nos dado oportunidades de viver muitas coisas e de construir muitos sentimentos, inclusive o amor. Não há tempo a perder. Nós e as pessoas que nos cercam podemos partir sem que nos demos conta, enquanto ainda esperamos por coisas que venham a acontecer em nossas vidas e nas delas, acreditando, por mera presunção, que nós e elas viveremos por muito tempo. Que sejamos capazes de nos dispor e de entender que a vida, no fim das contas, é o ar soprado em nossas narinas por Deus e pode ser breve como uma respirada. Tudo que é vivo morre, às vezes muito cedo.

Vá em paz, canalha! Que sua vida tenha sido plena, enquanto durou.