quinta-feira, 3 de julho de 2014

Justiça nos dentes

Quando recebi uma mensagem pelo whatsapp no meio da tarde dizendo que Luisito Suárez havia mordido alguém mais uma vez, pensei que fosse brincadeira. Levei um susto ao chegar em casa e ver que de fato era verdade. Não fazia o menor sentido uma mordida naquelas circunstâncias (não que em outras circunstâncias fizesse algum sentido).


Por um momento tive pena. Pena do atleta que há pouco mais de 1 mês estava em uma cadeira de rodas e fora da Copa do Mundo, mas que deu seu máximo para conseguir entrar em campo e ajudar sua seleção no momento que ela mais precisava dele. Ele iria do céu ao inferno. Eu tinha certeza disso. De herói da classificação a vilão.

Olhando a mordida dada por ele, não achei que foi AQUELA mordida. Italianos são sempre muito dramáticos. Sei lá, achei muito escândalo para pouco dente. Mas por outro lado, foi uma mordida. Um exemplo ruim em uma ocasião para lá de inadequada. Poucas coisas neste planeta têm tanta audiência quanto um jogo de Copa do Mundo. Logo, poucas coisas ganham tanta publicidade quanto algo feito durante uma partida de uma Copa do Mundo.

Um péssimo exemplo. Para as crianças que estão descobrindo a magia do futebol. Um péssimo exemplo no esporte que é capaz de parar guerras. Uma conduta errada no momento mais errado possível. Um mau exemplo visto por milhões de cabeças.

Normal haver uma punição a Luisito. Não se pode deixar impune uma conduta tão fora do mundo do futebol como uma mordida no adversário.

Mas aí começa a festa.


Um monte de gente defendendo Luisito. Como esse senhor da foto, que deu ao mundo o bom exemplo de ser expulso de uma Copa do Mundo por ter sido flagrado no exame antidoping em plena competição.

Sai a punição: quatro meses fora dos gramados e suspensão de nove jogos oficiais pela seleção uruguaia. Pesada? Pela praticamente inexistente lesão ao agredido, por certo a punição se mostra exacerbada. Mas como já disse antes, o ato de Luisito, em uma Copa do Mundo, tem um efeito muito mais nocivo para o futebol como esporte global. Quantas pessoas viram essa cena? Quantas pessoas não irão de alguma forma assimilar essa conduta como algo normal no futebol? Além disso, essa foi nada mais nada menos que a terceira mordida de Suárez contra adversários. Uma pena leve, por certo, não teria muito efeito sobre Luisito.

Mas eis que entra em cena o mundo latino. Digo latino porque não vi a imprensa europeia questionando muito a pena de Suárez. Porém, o mundo latino, viu a punição como quase uma pena de morte. Aí não pude deixar de pensar, como gostamos de ser coniventes com os "pequenos infratores" neste lado do mundo.

"Ah, nem é crime. É só uma contravenção penal."
"Ah, a sociedade aceita. Não dá pra dizer que seja ilegal."
"Ah, é uma mentirinha de leve."

Quem nunca ouviu algo assim por essas bandas? Por que tanta tolerância com as pequenas delinquências? Ah, porque são pequenas, ora! Mas se fosse assim, elas então nem deveriam ser consideradas delinquências. No meu trabalho, tenho a oportunidade de sentir pena de alguns acusados, mas sempre que me pego tendo essa recaída, me pergunto: estou sendo justo com aqueles de quem não senti pena? Em outros termos, ou se sente pena de todo mundo ou não se sente pena de ninguém. É meio radical? Pode ser. Mas dessa forma, se pode ter uma interpretação menos subjetiva das normas.

Eu senti pena de Luisito, como já disse anteriormente. Mas logo depois não pude deixar de considerar que ele errou e mereceu ser punido exemplarmente. Um histórico de três mordidas, sendo uma delas em uma Copa do Mundo, para milhões de telespectadores, não pode passar em branco. Não no mundo europeu. Já nesse nosso mundo onde quem "erra de leve" tem o mesmo tratamento que quem "faz o certo", a punição de Suárez foi um escândalo de cruel. 

Não estou exagerando. A título de exemplo, cito que torcedores do Corinthians mataram um jovem boliviano com um sinalizador durante uma partida de futebol e o time sequer foi desclassificado da competição pela Confederação Sul Americana de Futebol. A "pesada" punição foi ter que fazer alguns jogos em casa sem a presença da torcida e de não poder ter torcedores seus em jogos fora de casa. Na Europa, na época das brigas de torcida, os times  ingleses foram proibidos de jogar a principal competição de futebol daquele continente por cinco anos.

Quer outro exemplo? Neste ano, torcedores de um time peruano imitaram sons de macaco todas as vezes que o jogador Tinga, do Cruzeiro, tocava na bola. Punição ao clube: multa de US$ 12 mil. Sim. Uma multa ridícula para punir atos de racismo! É assim que são as punições na América do Sul. Por isso somos tão simpáticos a Suárez. Achamos tão normal mordidas, socos, xingamentos e empurrões. Levamos a sério aquela frase racista de que "futebol é um esporte de nobres praticado por selvagens".

Ainda temos muito o que aprender com os europeus em alguns aspectos... Acho que Luisito nunca mais vai morder alguém dentro de campo. A pena aplicada, por certo, terá cumprido seu papel punitivo e de prevenção.

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