sexta-feira, 20 de abril de 2012

Papel de pão

Prezado,
Às vezes sinto medo de suas inseguranças. Às vezes sinto medo de sua dedicação. Às vezes sinto medo de sua seriedade. Às vezes sinto medo de sua maluquez. Às vezes sinto medo de sua indecisão. Às vezes sinto medo de sua fraqueza. Às vezes sinto medo de sua disposição. Às vezes sinto medo de que você chegue onde quer chegar. Às vezes sinto medo de onde você vai chegar. Às vezes sinto medo dessa sua mania de se atirar desesperadamente acreditando que dá.
Às vezes sinto medo dos outros. Às vezes sinto medo de quem o elogia. Às vezes sinto medo de quem não aposta que você seja capaz. Às vezes sinto medo de quem faz juízos sobre você. Às vezes sinto medo de seus preconceitos. Às vezes sinto medo de suas opiniões. Às vezes sinto medo de seus momentos de fúria. Às vezes sinto medo de sua tranquilidade benevolente. Às vezes sinto medo de seus vícios. Às vezes sinto medo de sua ausência de vícios. Às vezes sinto medo de sua educação. Às vezes sinto medo das mulheres que não beijou. Às vezes sinto medo das mulheres que vão querer beijar você. Às vezes sinto medo de sua omissão. Às vezes sinto medo de seu agir extremado.
Às vezes sinto medo de seus pensamentos. Às vezes sinto medo de seus acertos. Às vezes sinto medo de seus erros. Às vezes sinto medo dela. Às vezes sinto medo daquilo que você não entende. Às vezes sinto medo do senhor seu chefe. Às vezes sinto medo do que você come. Às vezes sinto medo do que você desenha. Às vezes sinto medo das mulheres feias das quais você sente pena. Às vezes sinto medo dos seus momentos de soberba. Às vezes sinto medo do seu grito ausente. Às vezes sinto medo da sua morte. Às vezes sinto medo da sua sorte. Às vezes sinto medo dos seus medos. Às vezes sinto medo.
Às vezes sinto medo de mim.

domingo, 8 de abril de 2012

Cosmonauta

A cabeça gira sem sair do lugar. O mundo é o mesmo? Me sinto torto quando ereto e em movimento quando estático. Sinto que estive no espaço.

Os dias passaram sem a classe dos relógios. As horas dos remédios eram gritadas em meio a luz e a escuridão. Às vezes era dia; às vezes era noite. Eu me sentava, olhava a folha com os nomes e os engolia com um pouco de água. E esperava. Esperava. Esperava. Às vezes sentado olhando para o nada, esperando o tempo passar; às vezes deitado, dormindo um pouco ou delirando ao som da velha música da Louisiana. Mas sempre esperando as horas exatas. Elas iam e vinham o tempo todo; eu sei que vinham. Eu não as marcava no pulso, mas elas se gritavam. Passavam rápidas e depois demoravam pra chegar. Eu não as sentia passar. Mas passavam.

Foram-se os dias. A barba cresceu. Lá fora as pessoas ainda riam. Falavam em tom de escárnio. Dividiam espaço com os bichos e se entendiam. Se divertiam. Falaram que era hora de eu voltar. Que não podia ficar mais lá. Parti sem me pentear, trocar ou lavar. Levantei e fui. Sabia o que deveria fazer, como deveria me portar. Deveria voltar a falar uma língua minha não própria com pessoas conhecidas não.

Tudo aqui é muito grandioso. Mania de grandeza com uma ponta de insegurança. Faz parecer que somos maior que o Universo e que ele gira em torno daqui. Chama a atenção demais da conta. Cheio de luzes e não sei lá mais o quê. Tudo brilha. Pisca. Se mexe. Intimida. Por via das dúvidas, tratei logo de colocar o relógio no pulso. É bom estar prevenido, né? Again. Já conseguia sentir a vida vegetal se reaproximando. Era preciso reduzir a complexidade e o pluralismo espacial e subjetivo à artificialidade e padronização do ambiente do sistema binário. Ar inodoro de novo, sem o cheiro e o frescor de mato. Vidas comprimidas. Pessoas tão múltiplas enlatadas, padronizadas, amarradas e reduzidas ao espaço de uma teia. Falsa e frágil segurança. Oof... Vamos.

"Preparar para reingresso". A cabeça ainda balança em torno da Terra. Vaze mais aguda por dentro da fase. "Processo de reingresso ao centro iniciado". Status: sem paciência para dialogar com bad boys. Querem brigar, então briguem. Não querem aprender, não vou ensinar. Prometo dar uma faca para cada um. Que se furem até cansar. Status: sem saco para ficar bajulando artista. Todos eles têm um ego enorme, fingem modéstia, querem elogios, ser reconhecidos. Fodam-se vocês, seus vaidosos fingidos! Não vou alimentar a vaidade de quem se acha artista. Eu quero fazer parte do grupo que não entende nada de arte. Quero devorar a sua arte, mas não quero dar parabéns para você. Não tenho elogios a fazer. Viva o sapateiro Dr. Cley! Status: Este é o feminismo mais machista que já vi em todos os que tá tendo por aí. Lutar pelo direito de ser usada? É esse o desejo feminino no fim das contas? Status: Sem conversa mole. Sim. Não. Lacônico. Direto. Ronnievônico. Espontâneo. Pelo direito de não ter que explicar o que não se quer. "Reingresso concluído com falhas".



Somente quem voltou do espaço sabe o que é ficar fora de órbita.



Aos bravos cosmonautas.